Já lá vão uns anos que no Roque Santeiro
não são pessoas que lá vendem, são almas do outro mundo.
«Apresentamos alguns exemplos
de feitiços usados por
grupos angolanos.
O «kissola» é um boneco de trapos,
de uns 30 cm,
preparado pelo
adivinho. Enfeitam-no com uma cabeleira
de fibra pintada
com barro
vermelho. O casal
que deseja
filhos coloca-o debaixo
da cama. Em
todas as Luas Novas,
alimentam-no aspergindo-o com bebidas e alimentos
e a mulher pinta-o com
pó. Fica simbolizado por uma bananeira
plantada à frente da casa e protegida por
estacas. É o sinal
do «kissola». Ninguém pode falar com a mulher que está
sob a sua
influência. Se não
consegue engravidar, o adivinho
arranca as estacas, mata
uma galinha e esfrega
o «kissola» com
o sangue. Se, depois
deste sacrifício, não
consegue a gravidez, o especialista
atribui à mulher a esterilidade.
O adivinho
prepara o «nvunji» para o cliente
que deseja
descobrir um feiticeiro ou
um inimigo, autor
de algum mal,
especialmente doenças.
Enche um chifre
de antílope com
pó da casca
da árvore «mbambu», de onde se extrai um dos venenos mais utilizados nos
ordálios. No meio do pó coloca duas balas
de chumbo. Entrega
também uma pequena
cabaça, «ndembo», cheia de «nbambu» e de pêlos
de várias partes do corpo
de uma pessoa. O dono
coloca-o num cestito debaixo da sua cama. Quando quer
activar a sua força,
espeta o chifre
junto ao fogo
da lareira com
a cabaça ao lado
e pede-lhe uma doença para
o inimigo.
Quando adoece uma criança,
esfregam-na com pó
de «nvunji». Tem variadas aplicações. Os chefes
têm-no sempre porque
o «nvunji» é como
uma arma que
mata tudo.
Quando alguém
quer matar um inimigo vai
ao adivinho. Esse
tem uma arma diminuta
em cujo
tubo introduz pólvora,
dois bocados
de agulha e um
pouco da terra
que o inimigo
pisou ou urinou. O cliente
tem de matar um
gavião e um
pássaro selvagem
chamado «andúa». Ao primeiro
tira uma unha,
ao segundo, um
pedaço da asa
e introduz tudo no cano
da arma. A asa
serve para levar a carga e a unha,
além de ajudar
a transportar, também
serve para ferir o inimigo. Dependuram um
galo de cabeça
para baixo e
o adivinho, com
um só
golpe, corta-lhe a cabeça.
O queixoso acende a pólvora,
saem as balas (agulhas)
e espetam-se no galo. Neste momento
morre o inimigo. O adivinho
atira o galo ao rio, para simbolizar o enterro do inimigo
e o queixoso, entretanto,
amaldiçoa-o. Manda-o para casa
e proíbe-lhe de dormir em
sua cama, durante quatro dias. Certificada
a morte do inimigo,
ele tem de pagar
os emolumentos ao adivinho.» In Cultura
Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Ed. Paulinas
De repente muda de
conversa:
- Querido, acho que
devemos preocupar-nos com a nossa despensa porque
está vazia. Vá, vamos fazer
umas compras. Aproveito para
renovar a minha
lingerie e alguns
perfumes.
Ele opõe-se:
- Querida da alcova
consagrada, podias muito bem
obviar o inconveniente
dos gastos com
lingerie e perfumes.
- Meu
querido dos rituais satânicos
femininos, se usar
a mesma lingerie
acabarás por não
me prestar atenção. O segredo
feminino está na renovação de mostrar a vulva sempre como se
fosse diferente. E quando
é embebida com perfume
não habitual
inebria os teus sentidos.
Lamento, acho que
devias estudar a arte de bem caçar, enfeitiçar.
Depois
das compras no supermercado
ela seleccionou uma butique
que convidava as melhores
novidades dos prazeres
íntimos de vestir.
Peças macias, aconchegantes,
rendadas que êxtasiavam e confortavam. Ele ficou no carro
à espera, sabia que
a demora seria demasiada.
Entrou na leitura do Livro dos Mortos
do antigo Egipto que
narrava os hinos, feitiços,
e informações para
guiar as almas
após a morte para que fossem
protegidas do mal. A leitura era
interessante e interrompida de vez em quando por vendedores ambulantes que
queriam convencê-lo a comprar qualquer
coisa. Um
deles não largava o vidro
do carro, batia insistentemente.
Baixou o vidro e aconselhou:
- Já disse que não quero nada.
Sai daqui senão vou-te bater.
O miúdo não se
intimidou, já estava habituado a impropérios. Meteu a mão
para dentro
do veículo e deixou cair
um papel dobrado. Sem querer saber da resposta foi-se a correr como um rato. Ele
desdobrou-o e ficou assustado com o seu teor: «Ela
está em nosso
poder. Extirparemos e comeremos a vulvovaginal.»
Em pânico
tentou ligar para o
telemóvel dela. Recebia sempre que estava desligado.
Estava desolado, desgostoso, convencido que a perderia para sempre.
Em casa, além de abrir cervejas, não sabia mais
o que fazer.
Pensou que a actividade de detective de feitiços foi um
erro perigoso.
Teria sido mais fácil
dedicar-se a qualquer coisa
de construção civil.
Não era
difícil, bastava pagar
alguma coisa e obter a inscrição como engenheiro. Afinal
ele conhecia aprendizes
que levantavam muros.
Isso era
o menos, bastava contratar
um desses portugueses que aí andam auto promovidos a engenheiros que
as coisas se comporiam. Enquanto conjecturava a luz
foi-se. Bradou:
-
Malditas serpentes venenosas que estais felizes
nos vossos
covis.
Kakulu-Ka-Humbi
não sabia onde
se encontrava. Estava sentada na única mobília existente num pequeno
quarto, numa cadeira com as mãos e pés amarrados. Havia uma janela
gradeada com vidros
foscos. A porta
estava fechada. De vez em quando ouvia
algumas vozes. Recordou como foi capturada. Quando
estava na butique a admirar
a beleza do vestuário
íntimo, duas jovens
entraram pegaram num conjunto de lingerie e aconselharam-na que
era ideal
para ela. Só que tinha um papel que dizia: «sai
calmamente porque
temos pistolas apontadas para
ti.» Ela assim
fez e entraram rapidamente num carro que estava estacionado com
o motor a trabalhar mesmo em frente da porta de saída. Vendaram-lhe os olhos e andaram mais
de uma hora, talvez
para despistar o local para onde iam. Quando
acabaram de a amarrar disseram-lhe:
- Antes de seres engolida
pelas serpentes farás parte de um ritual orgíaco.
Ela tinha aprendido os métodos
de se libertar do célebre
mágico Houdini que
protagonizou fugas espectaculares. Pôs em prática o que aprendeu e safou-se. Tornou a colocar
as cordas para
não levantar
suspeitas e aguardou pelos captores.
Próximo à porta
ouviu duas risadas de satisfação.
A porta abre-se e entram dois
facínoras que
metiam medo só
de os olhar. Um
postou-se quase um metro
à sua direita.
O outro quase encostado a ela que a assedia:
- Que pena a tua beleza acabar assim. Eras muito bonita. Antes de morreres
vou-te dizer um
segredo. Queres
saber onde
está a nossa pedra
de fogo?
Olha desconfiado
para o outro
e segreda qualquer
coisa no ouvido
dela. Provoca-a com o seu membro. Ela contava com
isso, estava mesmo
à boca de semear.
E zás! Espeta-lhe uma grande
dentada. O outro
surpreso não
teve tempo para
reagir porque
apanhou um pontapé
nos tomates
de tal modo
que caiu e imobilizou-se. Ela corre para a porta,
atravessa-a, entra na sala, vira à direita para a porta da rua, abre-a e alcança as escadas.
Pára e espreita para
avaliar a situação.
Está num segundo andar,
descer as escadas
não adianta porque
já a viram. Com
os perseguidores no seu encalço sobe as escadas
até acabarem. Está num sexto andar, olha
para cima e vê um alçapão. Abre-o e foge para
o terraço. Está encurralada, não
tem por onde
fugir. Quatro
bandidos aproximam-se perigosamente com pistolas enquanto ela
vai recuando até parar
no parapeito. A situação
atingiu o ponto crítico,
eles param e preparam-se para
disparar. Ela
olha para o espaço à sua frente e atira-se para o vácuo enquanto grita.
- Akúlu
Tutulukisenu! ! (Antepassados mandem ficar mudado.)
A meio da tarde, muito
exausto, Akalesela prepara-se para pedir ajuda
à polícia, afinal
ainda deixou lá
alguns amigos.
Mas só
o fará no derradeiro momento. Entretanto
pressente algo, o Joaninho está na porta da varanda,
faz o barulho dele, peculiar:
- Miau! Miau! Miau!
Ele ouve o grito
da rainha dos céus.
É ela que
chega.
Entretanto
ouve-se o toque combinado de Injandanda na porta. Ela abre-a
e ele diz:
- A filha do Ala Mu
Muxitu quer falar.
- Diz lá minha filha. – Pediu carinhosamente Kakulu-Ka-Humbi.
- Quero
uma águia para
brincar.
- Minha menina, aqui
não tem águias.
- Tem
sim, eu vi ela entrar.
- Olha, vou fazer queixa ao teu
pai, vais levar chapada.
A criança amedrontou-se como argumento
e abandonou a porta.
Ela
acabava de lhe contar a sua
aventura e perguntou-lhe:
- Sabes
onde está a pedra
de fogo?
- Não.
- No morro do Moco.
Fazem
os preparativos para
a viagem. Ele
informa-a:
- O Morro do Moco tem 2.620 metros,
é o pico mais
elevado de Angola.
Está situado na província do Huambo a Noroeste
da sua capital
no município de Londuimbali. De Luanda
ao Huambo são cerca
de 516 quilómetros.
Ela
preocupa-se:
-
Estamos em Janeiro, a chuva é abundante.
As estradas são
as mais horríveis
do mundo. Receio
que a nossa
viagem seja uma grande
aventura.
- Não receies, a tua plumagem
regressará intacta.
Carregaram
água, comida
e uma caixa térmica
com gelo,
algumas cervejas, e claro,
gambas. Dois cobertores
e recipientes com
combustível de reserva.
Não se esqueceram da caixa
dos primeiros socorros.
Já estavam bastante
adiantados na rota.
Imagem:
www.poderdavida.com.br
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