«Para compreendermos como o jogo mágico pode conduzir a aberrações e criar uma atmosfera de terror,
vamos descrever alguns
feitiços preparados
só para fazer mal ou para defender
e vingar supostas acções mágicas
maléficas. É cega a fé
no poder e, embora
ninguém os tenha visto,
acreditam na sua existência.
Certos feiticeiros podem vivificar
um cadáver
com fórmulas
secretas, medicamentos e invocações mágicas.
Quando o conseguem, transforma-se num feitiço visível apenas a quem o
fez. A uma ordem do feiticeiro,
ele dirige-se à pessoa
indicada e torce-lhe o pescoço até a matar. As outras pessoas apenas
vêem a vítima caída
no chão com
o pescoço torcido e a gritar
de dores. Pode-se afugentar
queimando um pouco
de farinha.
Em várias regiões
de Angola, existe a convicção de que
os chefes podem preparar
um feitiço especial. Apanham uma criança
e enterram-na viva. Durante
duas semanas, desenterram-na diariamente
e mumificam-na com lavagens
e irrigações. Transforma-se num feitiço invisível que o chefe utiliza para matar os seus inimigos
desta forma: aproxima-se da pessoa
indicada com uma arma
ao ombro e um
chicote; dá-lhe uma chicotada
e introduz-se no seu sangue. A vítima
começa a tremer
até morrer.
Também se servem de meninas para conseguir
os mesmos objectivos. Mas a estas matam-nas espetando-lhes um punhal no peito, depois
de seduzidas, e levadas para um
lugar escondido.»
In Cultura Tradicional Bantu. Pe.
Raul Ruiz de Asúa Altuna. Ed. Paulinas
A paisagem é, pode-se dizer,
das mais belas do mundo.
O verde espraia-se por
todo o lado
parecendo o início dos tempos, pois que ainda está incólume.
A contrastar, as pessoas, quase
sempre mulheres,
acompanham o que resta
das estradas a pé.
Carregam lenha, água
e produtos das suas
lavras longínquas. Ela
dá uma ideia:
- A
NASA podia muito bem
simular aterragens
espaciais nas crateras
destas estradas.
Ele dá outra
ideia:
- Acho que deviam deixar isto como está
e promover o turismo
de aventura, por
exemplo com
ralis sucessivos.
Era uma boa fonte
de divisas.
Chegaram
ao destino. Ela
sai do jipe, abraça-o enlevada. Recomenda-lhe:
- Não é aconselhável
ficares aqui
à minha espera.
Vai, se não voltar
dentro de quatro
ou cinco
dias faz as minhas
exéquias. Não
te esqueças de pôr
água nas flores
e dar de comer ao
Joaninho.
Embrenhou-se
no capim até
desaparecer de vista.
Ele ficou à espera
da transformação. O tempo ia passando,
ligou a ignição e preparou-se para o retorno. Depois de poucos
quilómetros decorridos ouviu o som estridente dela no alto
à sua frente.
Voava fazendo o sinal de adeus com as asas. Ela rumou
para a esquerda
e deixou de a ver.
Fez alguns voos em círculo à volta
do morro, não
notando nada de anormal.
Como já
era noitinha
poisou para descansar.
Recomeçaria no dia seguinte.
Quando o dia
clareou voltou aos voos circulares rasantes sobre
o pico. Planou assim
até quase
ao fim do dia,
quando viu numa saliência
um ninho
de águia abandonado. Como a noite se
aproximava poisou no cume para
refazer as forças.
Na manhã a seguir
voou directamente para o ninho
abandonado. Os seus olhos
potentes viram uma cobra-capelo. Era a guardiã da pedra
de fogo.
Tentou
chegar-se mas viu que
não dava porque
a cobra estava sempre
em posição
de ataque. Recorreu a um
expediente. Carregou nas suas garras uma
pedra de dimensões
consideráveis, pairou sobre o ninho e
deixou-a cair em
cima da cobra.
O ninho desfez-se arrastando consigo a pedra
de fogo e a cobra.
Fez um voo picado e não
lhe foi difícil
apanhar a pedra
de fogo. Sem
se dar conta a pedra que ela deixara cair
desprendeu-se, batendo-lhe numa asa.
Começou a voar com
dificuldade, sentiu que
a sua vida
estava em perigo.
Akalesela
esperava ansioso pelo
seu regresso.
O espaço de tempo
determinado chegara ao fim. Para exprimir
os seus sentimentos
recorreu a Camões:
Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo de Luanda descontente
Repousa lá no Huambo docemente
E viva eu cá em Luanda sempre triste.
Se lá na saudade onde subiste
Sempre com o meu amor ardente
Na manhã calma doce e quente
Nos meus sonhos como nunca
viste.
E se achares que
posso merecer-te
Tal como uma nuvem que ficou
Como não regar as tuas flores e perder-te
E na distância como algo te levou
Brevemente quatro dias
volto a ver-te
Vou-te amar como nunca ninguém te amou.
De noite teve um pesadelo em que ela lhe dizia:
- Sabes
qual é a diferença
que há entre
amigos e Deus?
- Não.
-
Nenhuma, quando precisamos deles abandonam-nos.
Injandanda
está na porta para
anunciar:
- Chefe, as vizinhas vem com
amigas, querem entrar.
- Essas gajas são
muito oportunistas.
As jovens vizinhas querem entrar-me pela casa adentro. Diz-lhes que
estou muito ocupado.
Que sacanagem!
Estava com
a esperança perdida. Olhou para a fotografia
dela ao lado do computador.
Não conhecia nenhuma mulher que
igualasse a sua beleza.
As suas glândulas
lacrimais começaram a trabalhar.
Sentiu os olhos molhados.
Disse com muita
amargura:
- Estamos infestados de maldosos, hipócritas,
e não lhes
acontece nada. Oh!
Meu Deus!
O que é bom
e belo dura
assim tão
pouco tempo?
Viu o Joaninho a comportar-se de modo desordenado, as suas
orelhas estavam levantadas e olhava para a porta da varanda. Ouviu três
guinchos seguidos. Ela
voltou.
Estava com
o braço ferido. Ele
desinfectou a ferida com água
oxigenada, colocou-lhe um pouco de pomada
antibiótica que
protegeu com uma ligadura
de gaze. Ele
abriu a porta a Injandanda.
- Chefe, é a filha
do vizinho!
A criança
não esperou que
a interpelassem.
- Eu
vi, eu vi ela.
Kakulu-Ka-Humbi aproxima-se dela
e pergunta-lhe:
- Ela
quem?
- Ela
mesmo!
Kakulu-Ka-Humbi pisca o olho a Akalesela. Chama
o Joaninho, este vem. A menina sente-se aterrorizada:
- Ai! Tenho muito medo. O papá
disse-me que os gatos
são feiticeiros.
Fugiu sem
olhar para trás. Kakulu-Ka-Humbi sentia-se muito
cansada e foi dormir.
Ela estava a chegar
ao fim da narrativa da sua aventura da
pedra de fogo.
- Disse para
mim, até lá tenho que
sobreviver. Consegui recuperar
com os peixes
que apanhava no rio
Kunene. Bom, vamos acabar
com o mau
feitiço.
Ao chegar
na fiscalização a secretária pede-lhe que se identifique:
- Huang He da empresa de construção chinesa
Zhengzhou.
- Ah sim… bem-vinda, entre por favor.
Foi com espanto que King cobra
a recebeu. Aturdido abriu uma gaveta da secretária
mas ela
não lhe
deu tempo para
consumar o acto. Pronunciou:
- Eha o
kinjima xaká. (Deixa a maldade de uma vez.)
Esfregou as pedras, a pistola
caiu-lhe da mão, e do interior do corpo
saiu uma cobra que
se desfez em
pó. Ele
sentiu-se confuso.
- Mas, onde
estou?! Quem é você?!
Recobrou o ânimo, já não era a mesma pessoa. Disse:
- Tenho muito trabalho para fazer. Se veio para aqui enfeitiçar-me com
a sua beleza,
perde o seu tempo.
Ela retirou-se satisfeita. O feitiço tinha terminado.
Ma Yuan apareceu-lhes
muito satisfeita
com uma garrafa
de champanhe. Falou com ar de festejo:
- Meus amigos, o feitiço desapareceu. A água
e a luz não
nos faltam. O prédio
está a ficar bonito.
Já não
há infiltrações de água nos tectos. Estamos muito
agradecidos pelo excelente
trabalho que
fizeram. Akalesela pode dizer-me como é que soube que eles eram os suspeitos?
- Muito fácil. Pelas intervenções que
fazem na rádio informa com verdade, no jornal dos anúncios
e TV do telejornal está a recomeçar.
Kakulu-Ka-Humbi
adverte:
- A luz foi-se.
Ele conjectura:
- Esse é um grande feitiço que nos dará muito trabalho, e muitos perigos para acabar com
ele.
Elas pedem em uníssono:
- Canta-nos uma trova!
Cavalguei florestas
e sombras da noite
Rios nunca descobertos, princesa não
encontrei
Cavalgo nesse eterno luar. As florestas
e os rios são
já
meus amigos
Tornei-me solitário.
Apanho os peixes nos
rios
e as frutas das árvores. Das minhas
noites
dum tronco de árvore, fiz uma piroga
para navegar
Vou descobrindo mais rios nas correntezas
com esmeraldas
E neles e nelas encontro a minha
princesa sempre na companhia do luar
de todas as noites.
Ma Yuan já está de saída.
A menina grita-lhe:
- Eu vi!. Eu vi!.
Agora são
duas águias!
FIM
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