segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (04)


O Presidente diz:
- Em Portugal, aumenta o movimento de deserções dos soldados. Muitíssimos jovens preferem fugir do país ou correr o risco da prisão a participarem neste crime que é a guerra colonial. O MPLA inclina-se perante estes heróicos e generosos combatentes, muitos dos quais se tornaram imortais pelo sangue que derramaram nos campos. A guerra de libertação nacional que o MPLA começou a dirigir com firmeza, exige orientação, clareza de objectivos, política de acção e honestidade. A luta não poderá desenvolver-se com incitamentos ao tribalismo, à divisão, com apelos à superstição e aos instintos primários e sem claros objectivos políticos. In Agostinho Neto.1 De Janeiro de 1967. Mensagem de ano novo.
As garrafas continuam a despejarem-se, e logo prontamente substituídas por outras cheias. O ambiente está quente, tropical. O Branco pretende distrair os presentes. Grita:
- Kwanzaa! Kwanzaa!
- Já estás bêbado? O que é que estás para aí a dizer? – Perguntou o Vodka.
- Kwanzaa! Kwanzaa!
- Explica lá o que é isso. – Pediu o Vodka.
- Deve ser uma nova marca de cerveja. – Esclareceu o Hepatite.
- Está bem vou explicar. – Informou o Branco.
- Kwanzaa, é um feriado afro-americano baseado no festival africano tradicional da colheita, das primeiras colheitas. Começa no dia 26 de Dezembro e dura sete dias. A palavra Kwanzaa, também soletrado Kwanza, vem de uma frase que significa frutas em Swahili, um idioma da África Oriental. O feriado foi desenvolvido em 1966 nos Estados Unidos por Maulana Karenga, professor de estudos pan-africanos e líder cultural negro. Combina práticas africanas tradicionais com aspirações e ideais afro-americanos. O feriado centra-se ao redor do Nguzo Saba, os sete princípios da cultura negra que foi desenvolvida por Karenga. Estes princípios são Umoja (unidade), Kujichagulia (autodeterminação), Ujima (trabalho colectivo e responsabilidade), Ujamaa (economias cooperativas), Nia (propósito), Kuumba (criatividade), e Imani (fé). Cada dia de Kwanzaa é dedicado a um dos sete princípios. Pela noite, familiares iluminam uma das sete velas num kinara (castiçal) e discutem o princípio durante o dia. Elementos de muitas famílias trocam presentes alguns dos quais são caseiros. Quando se aproxima o fim do feriado, a comunidade junta-se para um banquete chamado karamu. Um karamu típico caracteriza-se na comida africana tradicional, cerimónias que honram os antepassados, avaliações do ano velho e compromissos para o novo, desempenhos, música, e dançando. In World Book. Enciclopédia da IBM.
O Almirante está encostado no seu carro. Olha para o que lhe parece ser uma praia onde acabaram de desembarcar os seus fuzileiros. Com voz triunfante declara:
- Meus fuzileiros! Sentimo-nos orgulhosos quando abandonamos o local da bebedeira e deixamos os despojos espalhados por todo o lado. Trabalho não falta porque o consumo da bebida aumenta, o lixo também.
A Treze Anos vê que o Almirante está com os copos, e aproveita:
- Estão a vender boas aparelhagens. Batem bem, só o barulho…
- Estão a vender aonde?
O Hepatite tenta explicar:
- Eu sei onde estão a vender. Bom, a… a… vai-se na direcção da grande cervejaria, depois vira-se à direita… onde está o grande bar, depois à esquerda até… chegar à cervejaria monumental. É aí.
- Isso não é cerveja a mais? – Disse a Treze Anos.
- Não, por acaso… a da monumental até é muito boa. – Elucidou O Hepatite.
- Daqui a pouco vou para Moscovo, até amanhã. – Ironizou o Almirante.
- O que é que ele quer dizer com isso? – Quis saber a Treze Anos.
- Quando quer ir para casa, diz sempre que vai para Moscovo. Tem saudades dos velhos tempos. – Insultou o Branco.
- Tenho que apanhar um terreno. – Sonhou o Vodka.
- Já apanhei um em Malanje com vinte hectares. – Disse satisfeito o Almirante.
- Suicidar as populações é preciso. – Lembrou o Branco.
- Suicídios são na África do Sul. – Declarou o Almirante.
- Os quinhentos anos foram um ensaio. Agora é que o colonialismo é a sério. – Disse o Branco.
- Isso é porque os que estão em cima são piores que os que estão em baixo. – Rematou o Filósofo.
- É por isso que somos considerados o pior país do mundo para se fazer negócios. – Declarou o Almirante.
- E no entanto temos financiamentos internacionais de biliões de dólares. – Vaporizou o Poeta.
- Os juros serão pagos com a cerveja que consumimos. – Jurou o Vodka.
A Caribenha ouviu e pediu:
- Isso é muita cerveja. Quem é que me paga os juros de uma?
- São todas iguais. – Disse convicto o Poeta.
- São como a cerveja. Todas têm o mesmo sabor. – Foi a opinião do Almirante.
- Vou votar… não vou votar. – Prometeu o Eleitor.

O Presidente discursou:
- É também a expressão mais vasta do desejo comum do Homem sobre a terra, de se considerar livre, capaz de se desligar das amarras de uma sociedade em que estiola e morre, como ser humano. Não pode haver outra tendência sobre a terra. O isolamento é impossível e é contrário à ideia de progresso técnico, cultural e político. Para alcançar a liberdade e sem o qual o comportamento do homem será o de quem sai de uma forma de discriminação para cair numa outra forma tão negativa como a primeira, uma simples inversão dos factores intervenientes. In Agostinho Neto. 7 De Fevereiro de 1974. Discurso na Universidade de Dar-Es-Salam, Tanzânia.
O Filósofo lembrou-se do que ouviu na rádio.
- Sabem o que é que o Justino Pinto de Andrade falou hoje? Falou que as empresas de vestuário estão a fechar em Portugal devido aos preços baixos dos tecidos Chineses, então provocou muito desemprego, e um jornalista do Jornal, O Público, disse que era a altura para virem para Angola, que podiam trabalhar na agricultura. Como são originários de um vale, o Justino opinou que podiam aqui ficar no Vale do Cavaco. O Justino também disse que são os vapores do petróleo.
- Ele bebe? – Perguntou o Vodka.
- Não.
- Ah! Se não bebe não tem interesse. Nunca será nosso amigo.
- Ele queria dizer que lá a democracia não consegue arranjar emprego para os desempregados.
- Pois não, por isso envia-os para as novas colónias em África.
O Poeta tenta impressionar a Liberdade:
Preso nos céus dos encontros/ Do centro das suas pernas/ A clamar/ Que isto é a minha beleza/ Nada há melhor que isto/ Mergulha-me no meu melhor/ É apenas isto que tenho/ Não te chega? / Que queres mais? / Isto é melhor que qualquer noite.
Ela diz-me sempre/ Ai! Minha vida! / Mas sou mais bela que qualquer noite/ Peço-te por favor/ Mergulha uma vez na noite/ Do meu ventre/ Tenta compreender/ Ao menos uma vez/ O perfume e o aroma dele/ Passa os teus lábios no meu clítoris/ E sente o desconhecido/ Da vida, do viver/ Não sabes quantos segredos/ Guarda um clítoris.
Os segredos da vida/ Do amor, das nações/ Estão secretamente guardados/ Num clítoris.
Que Deus abençoe o mel planetário/ Dos nossos clítoris.
O Presidente diz:
- Esta forma de colonização visível, clara, aberta, não impede que uma outra exista no nosso continente, outra forma de dominação mais subtil conhecida pelo nome do neocolonialismo, em que o explorador já não se identifica com o nome de colonizador, mas que actua da mesma maneira a vários níveis. Se para uns, colonialismo significou e significa trabalho forçado, para outros é discriminação racial; para outros ainda, é a segregação económica e a impossibilidade de ascensão política. Mas o roubo das terras africanas pelos colonizadores, a escravização do trabalhador, o castigo corporal, ou a intensiva exploração dos bens que nos pertencem, são formas do mesmo colonialismo. In Agostinho Neto. 7 De Fevereiro de 1974. Discurso na Universidade de Dar-Es-Salam, Tanzânia.
Imagem: Os jovens angolanos e o alcoolismo;-O limite aqui não é o chão,é o subsolo!
vencendo-o-alcoolismo.blogspot.com




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