terça-feira, 27 de dezembro de 2011

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (05)


- A minha alma sente-se inundada com tanta cerveja. – Vaporizou o Filósofo.
- A Ilha do Cabo, a Marginal de Luanda e a Ilha do Mussulo vão desaparecer, vão ficar cobertas de água. – Alertou o Branco
- Bom negócio para as cervejeiras. – Previu o Almirante.
- Porquê?
- A água é de borla. A cerveja quase que é só água, os refrigerantes também. A privatização das cervejeiras vai ficar com a equipa.
- Pelas sete pragas que nos afligem. – Praguejou o Pragador.
- Ó senhora traga mais cerveja, mas não aumente a conta porque estamos a controlar. – Preveniu o Vodka.
- Não dá, vocês são os nossos melhores clientes. São os que dão vida ao lugar do Pauauschwitz.
Mais uma festa ia começar, de arrombar. O barulho da música era insuportável. Para ouvir o que conversávamos, elevávamos a voz, quase gritávamos. Dizer aos jovens para baixarem o som não era aconselhável. Isso significaria uma provocação e muito provavelmente garrafas voariam, não se sabendo onde aterrariam. Chegam alguns carros com jovens. Depois deles saídos nota-se que estão muito agressivos. Dirigem-se para a festa. Ouvem-se muitos gritos. Começa a pancadaria habitual. Garrafas são partidas. As suas namoradas vestidas com um calção muito curto, rasgado, partem garrafas e atacam. Parecem piores que leoas. O vidro da montra de um estabelecimento com sapatos resiste à tentativa da pilhagem. Vizinhos ligam para a polícia, mas esta virá mais tarde, ou não virá. Os elementos componentes desta quadrilha estão armados. Se a polícia aparecer no momento crítico será um brutal tiroteio. Depois da demonstração dos filhos da revolução, os apóstolos da violência entraram nos seus carros e abandonaram o local.
- Estamos no ano da grande matança. – Observou o Almirante.
- Porquê? – Quis saber o Vodka.
- Nunca se viu tanta gente morrer. O mundo está dominado pelo terror. Está enfeitiçado.
O Almirante chamou um jovem marinheiro que estava no seu carro. Era, podia-se dizer, um guarda-costas. Ordenou-lhe:
- Ó marinheiro… vai a bombordo do meu navio terrestre e retira de lá umas garrafas… umas cargas de profundidade. Depois faz o mesmo na ré.
O marinheiro chega e faz a entrega de três garrafas de uísque. O Almirante recomenda-lhe:
- Leva uma e guarda-a. Temos que ficar com munições de reserva.
- Parecem as cápsulas de bazucas, ou melhor dito, de mísseis. – Comparou o Vodka.
- O comunismo lixou-nos a vida. Este país está a ficar impossível para viver. – Provocou o Branco.
- Pior que este não há. – Disse convicto o Almirante.

O Presidente acrescenta:
- A Grã-bretanha, por exemplo, país que possui em Angola o maior volume de capitais investidos, ou os Estados Unidos da América com crescentes interesses na economia e ansiando dominar a posição estratégica do nosso país, assim como outros países da Europa, da América ou da Ásia, concorrem para a dominação do nosso Povo e a exploração dos bens que nos pertencem. Muitas vezes se confunde o inimigo da África com o branco. A cor da pele ainda é um elemento que para muitos determina o inimigo. In Agostinho Neto. 7 De Fevereiro de 1974. Discurso na Universidade de Dar-Es-Salam, Tanzânia.
Meteorologia para hoje. O céu será azul, o dia claro, a noite será amarela devido ao luar, soprará vento do mar. Boas perspectivas para maus negócios. – Previu o Filósofo.
- Vou votar… não vou votar. – Disse indeciso o Eleitor.
- Tive um sonho. Que a nossa moeda era preferida ao dólar e ao euro. Era a mais forte do mundo. - Sonhou o Poeta.
- Isso não é um sonho, é um grande pesadelo. – Advertiu o Almirante.
- O director geral do FMI chegou e disse: vamos investir três biliões de dólares porque finalmente atingiram a perfeição. – Noticiou o Poeta.
- Isso saiu aonde? – Perguntou o Vodka.
- Na informa com a verdade.
- Uns bons copos de uísque ajudam-nos a sonhar. – Aconselhou o Almirante.
- Para viver tenho que roubar algumas vezes. – Disse desmoralizada a Liberdade.
O Branco começa a beber uísque. Comenta:
- Cerveja com uísque? Parece-me que desta noite não passamos.
Depois de alguns uísques, o Branco sente uma inspiração repentina. Continua:
- A independência era uma intenção, e ainda continua a ser. Não basta um governo, um soberano, com uma guarda, policia e um exército. Povo não existe. Nem é necessário. Basta copiar os modelos feudais, e nasce mais um país, um reino. Basta ter o nome de independente, e já está. Perderam por completo a consciência e voltaram ao estado primitivo. Estão à procura da centelha divina que desapareceu.
O Vodka olha para a Liberdade. Diz-lhe:
- Sobre, o para viver tem que se roubar, lembro-me de um caso caricato. Foi assim: Um segurança acompanhou o gatuno junto com a polícia. Mas os polícias vendo que o segurança tinha dinheiro, consideraram que ele era o gatuno. O gatuno aproveitou, saltou um muro e fugiu.
- Quando Deus criou Adão e Eva eles estavam muito felizes. Mas Deus criou mais alguém para lhes fazer companhia. – Disse enigmático o Filósofo.
O Almirante contra-ataca:
- A questão é: onde estão os nossos intelectuais? Simplesmente quase não os temos. Fugiram, porque só podia existir um. Os que ficaram tornaram-se mordomos. Hoje restam apenas uns poucos. Portanto não temos intelectuais. É verdade que num país onde abunda a ignorância, aparecem sempre milhares de poetas e doutores, que incentivam o aparecimento de falsos profetas. É por isso que é um bom negócio montar uma igreja numa qualquer esquina. Descrentes não faltam.
O Filósofo agita-se. Prepara-se convenientemente para a contenda despejando mais uísque no seu copo. Desfere:
- O que interessa é honrar a memória do nosso herói nacional. Na verdade somos todos revolucionários. É por isso que nos inspiramos na bebida. É ela que nos dá a força e o espírito, porque não temos mais nada que nos inspire. Somos os gloriosos sonhadores das noites tropicais. Sonhar é preciso, desde que haja alguma coisa para beber. Só que não conseguimos concretizar os nossos sonhos, talvez que se acabassem com a bebida…
O Hepatite não vai na conversa:
- Isso nunca, nunca. Perderíamos a nossa liberdade para sempre. Voltaríamos a ser escravos. Somos livres porque bebemos quando e onde nos apetecer a quantidade que desejarmos. Não se esqueçam disto, porque daqui depende a nossa sobrevivência. Somos considerados seres humanos porque bebemos
O Presidente com os olhos tristes, olha para longe e cita:
- A sociedade criada pelos colonialistas, criou vários mecanismos de defesa racial, postos ao serviço do colonialismo. O mesmo camponês pobre, miserável, oprimido e explorado na sua terra, é alvo de atenção especial quando se fixa numa das suas colónias. Ele não é só imbuído de mitos patrioteiros, como também começa a gozar de privilégios económicos e sociais de que nunca pôde dispor antes. Assim, entra no sistema. O colonialismo começa a servir-lhe o apetite e passa a ser o cão de guarda dos interesses da oligarquia fascista. In Agostinho Neto. 7 De Fevereiro de 1974. Discurso na Universidade de Dar-Es-Salam, Tanzânia.
Ao longe ouve-se a sirene de uma ambulância. – O Poeta aproveita para lembrar:
- Enquanto espero a ambulância que me vai transportar, pelas ruas onde os carros estão parados. Não vou chegar ao hospital, nem a lado nenhum, pois morrerei pelo caminho. Mas os nossos nobres escapam porque enviam as motos da polícia de trânsito, e logo a seguir um carro equipado com polícias armados para que o nobre chegue rapidamente à sua clínica privada.
A Qualquer Um Serve, olha para uma garrafa plástica de água, vazia. Dá-lhe um nobre pontapé para outro local, como se estivesse a limpar o sítio. Apenas a mudou de posição.
Imagem: Imagem de Stock: Sonho tropical. pt.dreamstime.com

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