terça-feira, 6 de março de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (13)


A Treze Anos está a beber, a Liberdade aproxima-se dela e diz-lhe:
- És uma criança minha filha, ouve o que te digo!
- Sim, Mãe Liberdade!
- Desconfia sempre das palavras bonitas. Desconfia sempre dos aventureiros, porque por trás deles está sempre uma grande empresa de construção.
A Liberdade lança um olhar reprovador para a garrafa de cerveja da menina e acentua:
- Infelizmente não existem leis que proíbam os menores de beber, e se existirem é só para bêbado ver. Devias estar a estudar e não perder noites a beber, que em seguida te levam à prostituição. Isso está ligado, entendes?
- Sim, minha querida Liberdade.
- Pois bem, presta muita atenção ao que te vou dizer e transmite às tuas amigas, a outras pessoas, a toda a gente, a todo o mundo.
Minha filha: Quando ouvires muita gente a falar guarda silêncio porque quando todos se calarem serás escutada.
Minha filha: Não tenhas medo das sombras das árvores. Pelo contrário, congratula-te pelo luar que te é oferecido, porque nos tempos que correm devemos agradecer tão sublime dádiva divina.
Minha filha: Quando vires um miserável passar a teu lado não o desprezes. Naturalmente ele indica-te o caminho que te espera. Os caudais de um rio não se juntam num só?
Minha filha: Quando diariamente te cantarem muitas promessas, lembra-te que já ouviste essa música em algum lado, porque sempre existirão muitos músicos, mas poucos serão escutados. Na tormenta das cidades, aprende a andar entre as multidões, tenta ficar sempre longe e observa cada pessoa. Provavelmente verás um circo com muitos palhaços.
Minha filha: Nas tuas muitas horas vagas conta o tempo que tens para viver. Verás depois que passaram muitos anos. Desesperarás porque não terás mais horas vagas para poderes recuperar o tempo que perdeste.
Minha filha: Se conheces muitas pessoas, nunca conhecerás ninguém se não conheceres profundamente uma delas.
Minha filha: Quando te encontrares só e abandonada, lembra-te que a Liberdade no seu silêncio eterno/ESTARÁ SEMPRE CONTIGO!
- Mais uma falha de luz. Enquanto esperamos que chegue vamos bebendo. – Propôs o Vodka.
- A nossa distribuidora de electricidade vai lançar novos serviços… que para nós são revolucionários. Vai vender luz ao domicílio em cartões de recarga pré-pagos. No teclado do contador digitam-se os números, aguardamos a confirmação e a electricidade é reposta. Um sistema muito simples que vai resolver os nossos problemas da falta constante de luz há mais de trinta anos. – Iluminou o Branco.
- O chefe vai anunciar que será o patrono dos escritores. Vai reunir-se com todos. Quer que cada angolano se habitue a ler. Que a Nação seja uma grande biblioteca. Um canteiro de livros. Serão inauguradas em cada bairro grandes bibliotecas. – Sonhou o Filósofo.
- Estão a estragar o nosso desempenho e a nossa avaliação. Um país não se desenvolve com analfabetos. Não estejam à espera das seitas religiosas. No fim elas dizem sempre que as nossas orações foram escutadas por Deus. Um Deus já cansado e velho… precisa de ser reformado. – Opinou o Almirante.
- O nosso deus inaugurou quatro edifícios gigantescos. Dois para abastecimento de água e luz. Outro para abastecimento de comida, e o outro é uma obra-prima. Um conjunto de vários edifícios com dez andares… creio que são quarenta edifícios para albergar todos os jovens. Aqui teremos a nossa futura massa cinzenta. Não lhes faltará nada. Têm acesso à Internet dia e noite. Só mesmo quem for burro é que não conseguirá aprender. Seremos os melhores do mundo no ensino. O Orçamento Geral do Estado dedicar-lhe-á quatro triliões de kwanzas. – Noticiou o Poeta.
- Isso é obra. – Duvidou o Filósofo.
- Será uma obra! – Exclamou o Vodka.
- Porquê? – Quis saber o Poeta.
- Ainda está no papel. – Respondeu o Filósofo.
- Sim, tens razão. – Concordou o Poeta.
- A teimosia e a maldade têm origem na ignorância. A diplomacia vem da inteligência e do conhecimento. A hipocrisia é o mais atroz conhecimento. Provoca o fim das sociedades, o fim das nações. Imaginem um país com um povo e dirigentes hipócritas. Que acontecerá? – Perguntou o Almirante.
Ninguém respondeu. O Almirante prossegue:
- Em poucos anos deixa de existir. É melhor viver na selva, porque com seres humanos assim, não existe selva igual. A selvajaria só existe no homem.
Ninguém fala. Esperam ansiosos pelas palavras do Almirante. Ele segue com o seu raciocínio:
- A locutora e o locutor são jornalistas. O enfermeiro é médico. O pedreiro é mestre-de-obras. O aprendiz de informática é engenheiro de sistemas. O aprendiz de electricista é engenheiro. O merceeiro é empresário. O aprendiz de contabilidade é técnico de contas. O militante é director de empresa estatal… tudo que fazem não dura muito tempo. Alguém terá que recomeçar tudo o que fizeram. Construir de novo, e os custos aumentam porque os espertos vivem bem com a situação. São nacionais e estrangeiros que enriquecem com estas aldrabices. Como vamos poder garantir o nosso futuro e o dos nossos filhos com este absurdo? De que vale fingir que governamos se os desgovernados fingem que têm um governo?
O Almirante faz uma pausa. Leva o seu Angola Combatente aos lábios e acrescenta:
- Os políticos e as igrejas da maiuia perderam a credibilidade nacional e internacional. Vejam o que se passa com a feitiçaria. Já não é uma república de bananas nem de jinguba, porque até para isto se conseguir se torna assaz difícil.
Porquê? – Interrogou o Poeta.
- Porque o dinheiro mal chega para comprar pão.
- Mas, afirmam que nem todos os ministros são corruptos. – Defendeu o Filósofo.
- É pá, ainda somos uma jovem democracia. – Lembrou o Vodka.
- Basta um ministro não ser honesto para que o governo não funcione. – Replicou o Filósofo.
- A Europa demorou muito tempo a sair da Idade Média. – Bateu na mesma tecla o Vodka.
- Nós ainda lá não chegámos. Creio que daqui a mil anos atingiremos os nossos objectivos medievos. – Prometeu o Poeta.
- Os objectivos já foram atingidos. Temos uma república da cerveja. Evidentemente que tem uma bandeira e um hino. Tem um presidente e ministros que vivem em palácios, como num conto de fadas. Uma guarda presidencial, um exército e polícia para os proteger. – Esclareceu o Filósofo.
- E o povo? – Perguntou o Poeta.
- Vende cerveja. – Respondeu o Filósofo.
A noite convida as suas visitas a prosseguirem na festa do malte e do lúpulo. Enquanto o Almirante aprecia uma mistura de cevada, milho, centeio e trigo, surge nos óculos do Presidente um minúsculo arco-íris. Perspicaz, lança:
- Porque uma vez que o Povo, o Povo angolano, tenha nas suas mãos os meios de produção, este povo pode distribuir, de uma maneira equitativa o rendimento nacional. O operário trabalha durante anos e anos, e quando já não tiver força para trabalhar não tem mais nada. Mas, para utilizar essas máquinas, é preciso conhecer, é preciso saber, é preciso estudar. É porque o país, para poder avançar, precisa de ter quadros que sejam capazes de aprender a utilizar as ferramentas que temos no País. A produção só aumenta se as máquinas forem boas e se os operários forem bons. Nós hoje podemos pôr tractores em cada cooperativa, será que cada cooperativa tem um condutor de tractores? Será que tem um mecânico? Não, ainda não. Chegamos a um momento em que não podemos avançar sem que haja qualificação dos quadros. Quem não estuda é um inútil, fica estagnado, da categoria não passa. In Agostinho Neto. 5 De Fevereiro de 1977. Discurso na assembleia de militantes em Ndalatando.
O filósofo pretende encontrar um caminho para o diálogo:
- Colocados na vida que inventámos para sobreviver, vendemos o que roubamos. Quando a lei não funciona, porque está corrupta, os cidadãos utilizam a justiça por meios próprios. O pobre defende-se dizendo que foi vítima da feitiçaria. O novo-rico tem homens armados, feudos, que utiliza sem ser molestado. Portanto é uma lei violentamente armada. Se os novos-ricos dominam o poder não será possível realizar eleições. Os seus tentáculos viciarão os votos. Isto tenderá à revolta geral. Depois eles, os novos-ricos, como têm o dinheiro e outros bens no estrangeiro, vão para o exílio da abastança. E não nos iludamos: o estrangeiro não vem ajudar-nos. Faz parte da alma humana ganhar dinheiro onde for possível, e sem leis que funcionem, as feras com garras ou com penas correm ou voam, e cravam ou espicaçam o que resta dos nossos corpos.
O Almirante bate palmas e pede para o Filósofo continuar:
- Entregámos o País que só existe como cidade a aventureiros comerciantes que aproveitam o que resta das instalações com alguns sacos de cimento e lixo de muros. Fazem uma pintura que dá para um ano ou dois, tempo suficiente para ganharem, roubarem dinheiro sem investimento. Por exemplo: em trinta anos já vi passar no que foi uma peixaria cerca de dez estrangeiros. Mas o curioso é que eles não vendem nada. Angola é Luanda. Para os governantes também é assim. É: cheguei, vi e roubei. O país limita-se à cidade de Esparta. Ou melhor dizendo: ao Império Romano do Oriente e do Ocidente, com a dúvida que não sabemos quem nos governa. Sabemos que a corrupção desmembrou os impérios e deu origem a vários países. É isso que nos vai acontecer. O império Lunda já pediu a independência.
Imagem: Sonhar é algo necessário e que faz a vida ter sentido.
antenadocomgeografia.blogspot.com

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