quarta-feira, 28 de março de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (17)


O Presidente inicia um monólogo:
- Nós vimos como em vários serviços, em várias repartições públicas havia atitudes que coincidiam perfeitamente com as atitudes dos fracçcionistas. Nós vimos que foi utilizada uma determinada estratégia e que eram determinadas tácticas. Indivíduos que evidentemente se mostravam muito amigos do Movimento, muito militantes dentro do Movimento, no fundo faziam trabalho contra o MPLA. E os estrangeiros que não foram capazes de fazer a Revolução na terra deles, vêm fazer a revolução em Angola. É fácil, aproveitar o descontentamento, o difícil é revolver os problemas. É fácil criar obstáculos, o difícil é dirigir um processo revolucionário. Não podemos por exemplo, ter numa empresa, grupos de acção que não tenham autoridade política junto das comissões sindicais. Isto não pode ser, e se acontece, a única coisa que nós podemos fazer é dissolver as comissões sindicais. A orientação tem de ser do MPLA. E vamos seguir esta linha firmemente. Que não haja organizações paralelas dentro do País. Quem comanda aqui em Angola é o MPLA.
Todos tem o direito de reunir, desde que os objectivos sejam justos, e desde que estejam completamente controlados por qualquer organismo do MPLA. In Agostinho Neto. 12 De Junho de 1977. Discurso sobre o fraccionismo
O Branco pega nas palavras do Almirante:
- Para instituir o poder popular em Angola, era necessário correr com os brancos. Dizia-se que eles não eram necessários, porque quem construiu o país foi o trabalho escravo. Por isso os colonos não faziam falta nenhuma. Ficar sem quadros, sem oposição, não é independência, é dependência, porque se depende em tudo do exterior. Os países que apoiaram…
- Restam alguns. China, Cuba, Coreia do Norte, Zimbabué... – O Vodka interrompe:
- O nosso problema é os poderes paralelos que são muitos. Um deles até constrói casas. – Afinou o Vodka.
- Partir casas, porque não existe um programa para a sua construção. No tempo do fascista Salazar construíam-se casas para pessoas de poucas posses a pagar em vinte anos. – Lembrou o Branco.
- Faltam-nos os investimentos nas províncias. Esta situação terminará com a construção do caminho-de-ferro, que deveria ser o primeiro investimento. – Alertou o Almirante.
- Acho que acabámos o colonialismo, começámos um feudo. Retrocedemos se assim se pode dizer. – Argumentou o Poeta.
- Ainda estamos a sofrer os efeitos da Revolução Francesa. Não é possível acreditar no que nos está a acontecer. A África é o continente onde cada governante debica o seu bocado. – Asseverou o Vodka.
A esposa do brigadeiro acaba de chegar, provavelmente de uma festa. O segurança solícito dá-lhe protecção. Um ndenge com cerca de oito anos aparece-lhe à frente. Ela grita para o miúdo:
- Sai daqui seu selvagem, deixa-me passar!!!
Ninguém gostou do que ouviu incluindo o segurança. O Almirante refila:
- Faz algo de útil na tua vida. Coloca um recipiente com água e outro com arroz, no teu jardim ou na janela. Verás a felicidade de um passarinho. Mas nunca o tentes apanhar, e faz o possível por não o assustares.
- Estamos no mundo das trevas. – Troou o Poeta.
E continua com o sangue quase a ferver:
Neste campo de concentração global/ Vejo apenas os carros passar/ Árvores e algumas flores/ E de dia e à noite contento-me/ Em olhar para o céu/ Parece-me que nada mais resta.
Depois de mortos, ainda continuamos vivos/ Porque somos um bom negócio/ Damos vida ao mármore e a madeiras/ Que estavam mortas, à nossa espera/ No esfregar de mãos ávidas afirmando/ Quantos morreram hoje? Mais do que ontem? / Que bom negócio! Estamos ricos! / Oh! Como adoro a morte!
O Almirante lembrou ao Vodka que:
- Uma empresa para sobreviver tem que ter apoio de alguém do regime.
Na festa que decorria subiram o som da música. Tudo tremia.
- Não se pode estar tranquilo em nenhum lugar. É impressionante o barulho da música, e não lhes faz doer a cabeça. – Lamentou o Poeta.
- Já a perderam. – Censurou o Branco.
- Não se esqueçam que estamos numa nova vida. Como passamos o tempo distraídos em festas, os estrangeiros aproveitam e neocolonizam-nos. – Lembrou o Vodka.
- Estamos muito gratos aos nossos amigos do movimento para limpar almas. – Agradeceu o Poeta.
- No dia da independência estávamos todos contentes. Agora estamos tristes. Não sabemos o que queremos. – Louvou o Filósofo.
- Queremos beber, queremos ser escravos da bebida. – Libertou o Hepatite.
- Almirante manda-me descansar!
- Descansa Mig.
O Branco sentia tonturas na cabeça. Devido a isso teve uma grande ideia:
- Vou-me candidatar à presidência da república. O meu programa é o seguinte: Primeiro, carregar com os desempregados, desempregadas e prostitutas para os campos. Fazer um grande canteiro agrícola. Segundo, acabar com a corrupção. Para isso criarei uma empresa de segurança armada com tanques e helicópteros apache.
Terceiro, acabar com o alcoolismo.
- Acabar com o quê? Ninguém te vai votar. – Protestou o Hepatite.
- Viva a gloriosa revolução de Outubro. – Gritou o Hepatite.
- De Novembro. – Corrigiu o Poeta.
O Hepatite sente um grande entusiasmo invadir-lhe o cérebro:
- Vivam os nossos Poetas e Escritores revolucionários que nos libertaram. Nunca li nenhum deles, excepto o Lenine, e um bocadinho do capital do Marx. Memorizei algumas frases. Quando alguém falava, dizia: o capital é a obra capital de Marx. De Lenine: que seremos a união das republicas socialistas mundiais. Uma pátria de colectivização, sem propriedade privada. Mas o que era meu, não queria distribuir com quem quer que fosse.
- Estamos a distribuir e a construir muita coisa. Quase todos os dias há inaugurações. – Injuriou o Poeta.
- Estamos a construir miséria. – Ofendeu o Filósofo.
- Não podemos construir um país com analfabetos, corruptos, bêbados e prostitutas. – Violentou o Branco.
- Se falasses assim para mim partia-te a cara. – Vangloriou o Vodka.
- Vou-te provar que és analfabeto. Onde nasce o rio Kwanza?
- No Banco Nacional, e desagua nos bolsos de alguns dos nossos governantes.
- Quem foi o fundador da Igreja de Roma?
- Constantino o Grande.
- Quem foi o segundo Jesus Cristo que Deus enviou à Terra?
- Einstein.
- Desculpa, afinal não és analfabeto.
- Vamos beber o da porta, depois o do pátio, o do portão, o do gradeamento, o do segurança e o da rua. – Acelerou o Hepatite.
O Almirante tinha o olhar fixo na garrafa de uísque. Achou que devia dizer qualquer coisa:
- Como seres humanos somos muito frágeis, porque dependemos de tudo o que a natureza nos oferece. Contudo destruímo-la sistematicamente. É por isso que ela se revolta. As antigas civilizações tinham-lhe muito respeito, muita admiração, até falavam com as árvores. Nas florestas existia harmonia com os duendes e fadas. As florestas tinham vida, tinham deuses e deusas. O Cristianismo tinha que acabar com os pagãos, e ajudou a acabar as florestas. Os maus seguidores do Cristianismo tinham e tem na mente, apenas uma coisa: Destruir para lucrar. Não se pode ser cristão sem lucro. Destruir a Natureza em nome do Cristianismo. Esta é uma ideologia que não devemos seguir.
O Almirante fez uma pausa, bebeu uns goles e prosseguiu:
- Nessa igreja que agora inventaram a do Adão e Eva, entram todos nus. O pastor ordena para fecharem os olhos. Uma crente abriu-os e viu uma serpente no altar, donde da sua boca saía muito dinheiro. A crente morreu não se sabe como.
- Amigo do copo é o meu melhor amigo. Até digo que o meu pai é o outro, o outro copo. – Disse o Hepatite.
- Um país geneticamente bêbado incomoda muito. – Causticou o Branco.
Imagem: "A marca de florestas degradadas (parcialmente destruídas) é de 541 km² em ...
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