quinta-feira, 22 de março de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (16)


- A solução final. – Pediu o Poeta.
- Não, o combate mortal. Inicialmente são quatro descontentes, depois doze, trinta, até que atinge as forças armadas, devido aos laços familiares, à mina do descontentamento. Depois criam-se ilhas. Como o país é tão vasto e tão rico, então cada potência aproveita e apoia o seu protegido. E aí acaba-se tudo. É a divisão final do combate mortal. – Esclareceu o Almirante.
- Acho interessante notar que ninguém se preocupa em guardar seja o que for para os maus dias. Vive-se o dia de hoje, o amanhã não existe. É a tradição que não volta. – Testemunhou o Branco.
- Tudo está vazio, sem conteúdo, sem beleza. – Angustiou-se o Vodka.
- A beleza é para apreciar, não para usufruir. É por isso que os melhores tesouros de arte estão enclausurados. Foram-nos roubados em nome do terrorismo artístico. – Lembrou o Almirante.
- Se um cristão pode matar em nome de Deus, um islamista não? É assim que nasce o terrorismo em nome do Islão, ou não é? – Qualificou o Poeta.
O Vodka encosta-se ao Almirante e segreda-lhe no ouvido:
- Vou entrar no negócio da construção civil. Apresento-me como engenheiro e pronto. Ninguém me vai perguntar. Até lá se houver mais uns anos de guerra ganha-se umas massas, e servirá para financiamento das futuras actividades. Vou demolir casas e construir condomínios.
- As demolições de casas são sempre feitas em nome de um deus desconhecido. Sempre no silêncio cúmplice sem antecipação informativa. O que revela a ilegalidade do acto. A especulação imobiliária é um negócio dos novos-ricos, que existe na cidade capital de um país que tem terras sem fim, até ao fim do mundo. Uma pesca onde o peixe não falta.
O Vodka e o Almirante entram num diálogo a dois. O Vodka opõe-se:
- As empresas de pesca estão na falência técnica e financeira. Misturam a inconveniência da dúvida do apoio bancário. Os bancos não investem em dualidades. Só as novas igrejas o fazem. Algumas delas investem em qualquer princípio dúbio. Um banco não.
- Uma das coisas horríveis que existe, e persiste, é a escravidão da superstição que alguns sacerdotes teimam no uso de extorquir dinheiro a pobres crentes, para financiar as actividades empresariais dessa monstruosidade clerical, de algumas igrejas devido aos erros da igreja de Constantino.
- Somos os inauguradores constantes do subdesenvolvimento dos investimentos estrangeiros da cerveja e refrigerantes. O monstro adormecido, pacificado pelas quantidades de álcool que fabricamos e importamos.
Um automóvel passa a grande velocidade. O Pragador excita-se:
- Vai bater… não vai bater!
- Atravessar uma rua é pior que a selva. – Comenta o Hepatite.
- Porquê? – Perguntou o Pragador.
- Os animais humanos não conseguiram ainda minimamente aprender o comportamento dos animais selvagens. Quem atravessa uma rua arrisca-se a ser devorado por uma armadura humana, que se chama automóvel.
O Almirante vê o foco de luz que sai da mão do Filósofo. – Impressiona-se:
- Aí está a nossa verdadeira essência. Anda sempre com uma lanterna acesa a imitar o filósofo grego Diógenes. Este nosso amigo anda à procura de um governante honesto.
- Já fomos portugueses, cubanos, russos. Agora vamos ser chineses. Vamos ser babelizados, uma república de babel. Já abundam os nomes como: Elizabeth, Odeth, Judith. – Ilustrou o Poeta.
Não, não é o país possível, é o país impossível para viver. De tal modo que os novos-ricos enviam as esposas grávidas para Portugal. Renegam a Pátria que juraram defender. – Enfastiou-se o Branco.
As mulheres estão em pânico. Param as vendas, preparam-se para a fuga estratégica. Entretanto surge em cena um fuzileiro que ameaça com uma granada a quem não lhe der cerveja. O Almirante aproxima-se dele e cumprimenta-o:
- Boa noite fuzio.
- Boa noite chefe.
- Ó fuzio, o que é que queres?
- Beber cerveja, não tenho dinheiro.
- Está bem, vou pagar-te duas. Guarda a granada e vai-te embora.
O Fuzileiro guardou a granada, carregou as cervejas e retirou-se calmamente. O Almirante exclama:
- Vêem como é fácil resolver as coisas!
O Presidente discursa:
- No MPLA, nós somos um e temos regras para a vida da Organização. Não somos diversos. Somos um ou devemos ser um. Portanto, quando nós dizemos fraccionismo, significa que alguém dentro da Organização, dentro do país, quis formar grupos que fossem diferentes do MPLA. Ora neste país, o único Movimento que existe é o MPLA e quem defender outro Movimento qualquer, não pode ser tolerado. Devo dizer aos camaradas – agora já o posso dizer – que alguns deles, alguns que andam fugidos – ou os que estão sob investigação – chegavam às reuniões e, em vez de discutir os problemas que eram inscritos na ordem de trabalho, pegavam num livro e punham-se a ler à socapa. Muitas vezes, tinham sono, dormiam, talvez porque tivessem reuniões de mais. Primeiramente foi o grupo que se chamava «Comités Henda». Foi eliminado. Depois eram os «Comités Amílcar Cabral». Foram eliminados. Apareceram depois alguns deles, indivíduos que pertenciam a esses dois grupos apareceram numa outra organização chamada «Oca – Organização Comunista de Angola» e também foram eliminados. In Agostinho Neto. 12 De Junho de 1977. Discurso sobre o fraccionismo.
O Poeta estala a sua alma:
Mas vi a coisa mais bela da minha vida/ Os seres humanos a caminharem/ A pararem a conversarem e a sorrirem/ Uma grande mágoa me surgiu/ quando vi os seus rostos cheios de tristeza/ porque não tinham nada para comer/ Mas mesmo assim continuavam a rir/ agradecidos por ainda estarem vivos/ na luta entre viver e morrer à fome/ No último sorriso que antecede/a gratidão do acabar com o sofrimento/ Que é o sentimento de ver chegada/ A hora da libertação abençoada/
Esse proclamar final da morte/ do navio negreiro da nova escravidão.
O Almirante ordena:
- Marinheiro… vai a sotavento buscar a última carga de profundidade!
- Chefe, vamos ficar sem munições.
- Lembra-me para amanhã aprovisionarmos devidamente o nosso vaso da guerra alcoólica.
O Almirante profundou:
- Por vezes sinto-me só mas lembro-me da companhia das palavras.
- Almirante manda-me descansar!
- Descansa.
- Ai! Este poder popular da bebida. – Agitou o Almirante.

Imagem: Mr.Jones tem uma mente doentia pra sonhos bizarros.
ultrapassandobarreiras.blogspot.com



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