domingo, 11 de março de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (14)


- Ó Filósofo, ainda bem que tive a ideia das cargas de profundidade. Parece que atingi um submarino. Continua por favor. – Disse o Almirante a sorrir.
- Muito obrigado amigo Almirante. Pois… e os nossos ricos como importam tudo, construíram obras mortíferas na Ilha, na Chicala, que estão a matar o nosso peixe. Quero dizer, que estamos a consumir peixe da morte. E insistimos em importar aventureiros que nos estão a exterminar. Eles não vêm aqui para investir, mas para nos vampirizar. São os vampiros globalizados. E nós ficamos à procura da cultura perdida, que jamais encontraremos. Delenda Carthago.
O Branco pretende desviar as atenções para si:
- Conhecem a lenda da origem do branco e do negro?
- Não. – Respondeu o Vodka.
- Quando Deus criou o homem enganou-se nas bebidas que lhes deu. O vinho tinto era para o negro e a aguardente para o branco. Deus distraiu-se nas garrafas e deu o vinho tinto ao branco e a aguardente ao negro.
Ninguém achou piada. O Almirante receita:
- Não é ensinar como pensar, mas pensar como querem que pensemos. O mundo tem que funcionar sempre do mesmo modo. As empresas trabalham para obter lucro, quanto mais melhor. Dizem que assim é que é. Isto é a chave do desenvolvimento, o que faz avançar a humanidade. O que não dá lucro não presta. É abandonado, esquecido, como se não existisse. Quanto mais lucros, mais se rouba, alguém foi vigarizado. As empresas têm uma competição feroz, são como o circo romano. Só César sai vencedor.
O Poeta corrobora:
- Exímios libertadores que são escravizadores. Tantos doutores que nos dão tantas dores.
- Pensaram que em quinhentos anos nos moldaram. Não. Nós fingimos e continuamos a fingir. Só que agora é entre nós. Nunca perdemos a nossa identidade cultural. – Reforçou o Almirante.
O Branco e o Almirante espigam-se:
- Vê-se. – Espicaçou o Branco.
- Apesar de tudo somos livres.
- Como na selva, o selvagem perfeito.
- Somos nós próprios. Os nossos costumes estão intactos, nunca fomos, nem seremos dominados.
- Exceptuando o álcool.
- Somos assim e gostamos. Estamos no nosso país, e melhor que este não há.
- Pior também não.
- Para a frente é o caminho.
- E o principio onde está?
- Está no fim.
O Almirante pede a uma senhora que lhe venda um maço de cigarros Angola Combatente. Abre-o, tira um, acende-o e recomeça a fumar. Diz para o Branco:
- Os portugueses estão outra vez a colonizar-nos, já são outra vez aos milhares.
- Os chineses serão quinhentos milhões. – Defende-se o Branco.
- Só estão a colonizar-nos em Luanda. Portanto isso não é colonização. Entendam que Angola é tão grande, e a nossa população é tão escassa que necessitaremos de alguns milhões de estrangeiros para reconstruir o país.
- Depois vai aparecer outro Albert Camus.
O Branco pergunta ao Almirante:
- O Filósofo está sempre a olhar para o profundo da noite escura porquê?
- Pergunta-lhe.
- Ó Filosofo estás a olhar para onde?
- Não consigo ver o nosso futuro. Indefinidamente, contudo, e o dia ainda não cegou.
- Todos os dias são cegos. – Lamentou o Branco.
- É porque estamos sempre bêbados numa pátria de bêbados. Nos fins-de-semana só se ouve o barulho de carros a chocar. Sente-se o terror, parece um filme. – Amedrontou-se o Hepatite.
O Poeta sente o ardor da noite:
Ainda estamos longe da Liberdade/ não aprendemos os primeiros passos/ porque as nossas mães não têm tempo/ porque têm que vender a cerveja/ porque têm que vender qualquer coisa/ por isso não conseguimos gatinhar/ porque também matamos os gatos/ porque são feiticeiros.
O Presidente bebe uma gasosa. Calmamente faz ouvir a sua voz:
- Se nós não temos um contabilista numa empresa, vamos encontrar um contabilista. E não digamos primeiramente, que ele é burguês ou que é pequeno-burguês. Nós queremos é as contas. Em primeiro lugar queremos as contas – e desde que ele as faça honestamente não há razão nenhuma para ele ficar afastado. Houve a certo momento em 1962 um fraccionismo, que foi conduzido por Viriato da Cruz, nome que não é desconhecido dos camaradas, mas que produziu a divisão do Movimento, por não querer submeter-se a essas regras de centralismo democrático. Quando se discutia um problema, no Comité Director, ele assumia, sempre uma atitude contra a maioria. Mais recentemente, (1965/66) um outro grande fraccionismo, que se baseou na tribo, que é o Chipenda. Era membro dirigente do MPLA, estava connosco no Comité Director e, certa altura, foi mobilizar a gente da sua tribo – ele é natural do Lobito. Pensava ele que poderia ser o chefe dos umbundos. «Revolta Activa», chefiado por Gentil Viana. Da mesma maneira, dentro do movimento, formou um grupo para combater a Direcção do movimento. Claro que hoje está preso. Nós temos de combater, sempre e com firmeza, qualquer tentativa de fraccionismo. Isto não pode ser admitido numa organização democrática como a nossa em que há democracia, da base ao topo. Se esse grupo não se convencer com a crítica, é necessário neutralizá-lo imediatamente. In Agostinho Neto. 5 De Fevereiro de 1977. Discurso na assembleia de militantes em Ndalatando.
- Esse Poeta… Oh! Isso é coisas dos brancos. Esse gajo anda a ler muitos livros deles. – Desdenhou o Hepatite.
- Conheces algum filósofo negro? – Perguntou o Filósofo.
- Sim! Sim! Conheço!
- Qual?
- O Black Label.
- Nasceu aonde?
- Na Escócia. Uísque Johnnie Walker Black Label.
Vodka confidencia ao Almirante:
- Estou a ver se consigo um empréstimo bancário, mas não é fácil.
- Contrair empréstimos, para pagar empréstimos. Vê que o país gasta o dinheiro em festas. Quem dera que o gastasse em livros. Que se fizessem grandes maratonas de leitura. Quem sabe, talvez que o último de nós antes de morrer se lembre disso. Deviam colocar anúncios nas cervejas que bebemos e nos cigarros que fumamos: leiam o livro de tal escritor, ou: entre fumar e beber um bom livro há que escolher. Parecemos as queimadas das florestas no tempo do calor. “Estranhos num planeta estranho”. Impor culturas estranhas a povos estranhos. Não são excluídos, mas auto-excluídos. Foi o mesmo que aconteceu aos índios, por isso foram dizimados.
- Acho que a queima de carros se deve a um contrato com os fabricantes. – Deduziu o Vodka.
Um jovem aí com trinta e cinco anos faz a sua aparição. Muito magro devido aos copos, põe-se em sentido e faz a continência. Pede ao Almirante:
- Almirante manda-me descansar!
- Descansa.
- Quem é Almirante? – Perguntou o Vodka.
- É o Mig. Ficou com esse nome devido aos bombardeamentos que fez. Era piloto da força aérea. Depois disso a cabeça deixou de bater bem. Mas é inofensivo.
- Não anda mal vestido.
- Nota-se, a família dele tem posses.
O Almirante dá um breve traço histórico:
- Quando saiu da força aérea foi viver com a esposa numa vivenda, que era do pai dela. À volta da casa havia um jardim perfumado quase com uma única planta, a erva-de-santa-maria. Estive lá algumas vezes e gostava do perfume dessa planta. A esposa estava quase a licenciar-se em contabilidade e gestão. O Mig disse-lhe para abandonar os estudos. Ela obedeceu. Depois ele começou a regar as plantas com água da cozinha. Elas não aguentaram e acabaram por morrer. A esposa também não o aguentou e acabou por o deixar.


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