quinta-feira, 3 de maio de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (22)




Prossegue com um canto nocturno:
Oh! Meu senhor/ sou obediente/ sou mulher, desculpa-me/ por todo o mal que te fiz/ perdoa-me. / Oh! Meu senhor/ Faço tudo o que quiseres/ apenas quero viver/ mas não me deixam/ não tenho culpa de nascer mulher/ Oh! Meu senhor perdoa-me/ pelo adultério que te causei/ faço tudo o que quiseres/ estou de joelhos e imploro/ podes bater-me todos os dias/ sim! Eu mereço isso/ mas perdoa-me meu senhor/ deixa-me ir para as festas/ foi isso que me ensinaram. / Ah! Vou despejar o lixo.

O Presidente recorda:
- O que é que nós queremos no Zimbabué? Aqui eu creio que o mundo está um pouco confuso, não sabe bem o que é que nós estamos a defender no Zimbabué. Os objectivos do Zimbabué parecem não estarem bem definidos para o povo Zimbabueano através dos seus líderes. In Agostinho Neto. 18 De Outubro de 1978. Entrevista à TV Búlgara.

- Almirante, manda-me descansar!
- Descansa!
- Pelas oito pragas que nos afligem.
- Vou votar… não vou votar. Ainda não inventaram as eleições.
- Almirante dê-me um cigarro. – Pediu a Caribenha.
Enquanto retirava o cigarro, o Almirante olhou para o corpo dela. Tinha uma cabeleira postiça, rosto largo sempre sorridente. Os olhos combinavam perfeitamente com o rosto. No busto um bocado de pano tropical que fingia tapar-lhe os seios. Uma saia branca aberta que terminava no cimo das pernas. Perguntou:
- Estudas?
- Não.
- Porquê?
- Se conseguisse escreveria a história da minha vida e…
O Almirante interrompe-a:
- Não foi isso que te perguntei.
- Estudei em Cuba. Quando voltei nunca mais consegui arranjar emprego. Ninguém me liga.
- Porquê?
- Dizem-me sempre que os meus estudos não têm valor. Que esse tempo da formação política revolucionária já acabou.
- Deixa-me beber um pouco do teu uísque. – Rogou a Caribenha.
- Querida acho que já devias estar a dormir. Não estás em condições para…
- Quem te disse, aguento bem.
- Então bebe.
E bebeu. Já nadava em cerveja que misturada com uísque iria ficar com uma torra de desmaiar. Veio a cantilena:
- Depois de chegar vi a vida que o meu pai levava. Muitas mulheres e muitos filhos. Fui atirada para uma varanda onde já dormiam três irmãs. Umas em cima das outras. O pai abandonou-nos como se não existíssemos. Continua com mulher atrás de mulher. Eu e as minhas irmãs para nos salvarmos começámos a sair de noite à procura de homens. No início só queríamos comida, claro que para isso tínhamos que dar os nossos corpos tenrinhos, apetitosos, como eles gostam. Sabes bem disso, não é?
- Sei.

O Presidente murmura: Foi para isto que lutámos? Para criar uma geração sem utopia? Repinta o quadro:
- Os órgãos do Governo não cessam de perguntar aos dirigentes, como é que nós podemos satisfazer as necessidades mais prementes do povo, neste momento. Dentro de dez, vinte, trinta anos a situação será completamente diferente. Segundo a bíblia, deus tirou um pouco de barro do chão, fez uma figura de homem e, depois, assoprou… e, aquela figura, começou a respirar. Bom, a nós, parece-me, falta assoprar. Falta-nos o sopro. Havia o Chefe do Governo, depois um colaborador do Chefe do Governo e, depois, três colaboradores do colaborador do Chefe do Governo e uma quantidade enorme de directores nacionais, que faziam com que um papel que devia chegar, no mesmo dia, a uma repartição, chegasse só dentro de três ou quatro semanas, depois. O Comité Central decidiu eliminar, na estrutura governamental, o posto de primeiro-ministro e os postos de vice-primeiros-ministros, para que o Chefe de Estado possa contactar, directamente, com os ministros, em qualquer altura, sem necessidade de intermediários. Esta medida, como não podia deixar de ser, produz várias reacções, uns ficam alegres, outros ficam tristes. Mas a alegria e a tristeza são factos que nós vivemos todos os dias. E o que é mais importante é que é preciso, de facto, resolver os problemas do povo. Isso é que é o mais importante. Nós olhamos para a direcção de toda esta máquina governativa e… pensamos que há funcionários a mais nos Ministérios. Vamos diminuir o número de funcionários nos Ministérios para irem para as províncias. Sobre a defesa da legalidade. Quer dizer que nós fazemos leis, nós fazemos decretos, fazemos despachos e nem sempre a sua execução é controlada, do ponto de vista jurídico. Há muitos atropelos à lei. Devemos organizar, junto do Presidente da República, uma Procuradoria-Geral da República, um Procurador da República que possa indicar onde é que os direitos dos cidadãos são violados, por este ou por aquele organismo, para que o Presidente da República possa actuar quer reprimindo, quer exercendo qualquer espécie de acção em relação a esses mesmos organismos. In Agostinho Neto. 10 De Dezembro de 1978. Discurso no acto central do 10 de Dezembro.

A Caribenha prossegue com a sua desdita:
- Nas minhas aventuras desbravando as noites dei com um estrangeiro, um italiano, já idoso. Consegui dominá-lo. A coisa dele só entesa com umas boas chupadelas. Mas isso não me interessa.
- Então o que é que te interessa?
- Oh! Não estás a ver?
- Estou.
- Ainda bem. Consegui uma casa razoável com os apetrechos necessários e um carro.
- E ele aceita que andes toda a noite sozinha?
- Não, querido Almirante. Ele está de férias na Itália. Como tem lá a esposa, os filhos, a sua casa, eu não posso acompanhá-lo. Também não tenho o mínimo interesse nele. Tenho um marido angolano. O idiota não sabe disso. Pensa que gosto dele. Estou a ver se lhe apanho a casa e o carro, só que já insisti e ele não põe nada em meu nome. Contento-me com o dinheiro que lhe apanho. Depois vou ter com o meu marido e divertimo-nos.
- O teu marido aprova?
- Claro. Todas, incluindo as minhas amigas cubanas, estamos nessa situação. Regra geral a mulher angolana vive assim com os estrangeiros. Eles pensam que gostamos deles. Mas não. O que queremos são as condições que os governantes nos prometem e não nos dão.
- Sentes-te feliz com isso?
- Muito. Abrir as pernas para conseguir alguma coisa é muito fácil.
A Treze Anos estava a ouvir música barulhenta num carro de um dos seus namorados. Dançava e bebia. O Almirante chamou-a:
- Treze Anos quero falar contigo.
- O quê?
- Vem cá.
- Diga Senhor Almirante.
- Estudas?
Ficou surpreendida pela pergunta. Retirou uma parte dos cabelos que lhe cobriam um olho. Uma saia curta mostrava as pernas magras. Lábios e olhos pintados para mostrar a idade que não tinha. Os seios pequenos ainda em evolução diziam que a imaturidade continuava. Respondeu:
- Estudar eu?
- Sim tu.
- Se me deres o dinheiro.
- Não tens pai?
- Pai? Isso é coisa que já não existe.

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