quarta-feira, 30 de maio de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (24)



 Uma jovem recebe dinheiro de outras. O Almirante quer saber porquê. Diz para o Antenas:
- Traz-me essa jovem para falar com ela.
- Todas Juntas, vêm cá!
- É o quê?!
O Almirante interpela-a:
- Estás a fazer o quê?
- Eu?
- Sim!
- Estava a receber uns dinheiros das minhas amigas.
- Que dinheiro é esse?
- Almirante, é do nosso trabalho. Quer dizer, elas trabalham e entregam-me o dinheiro para eu guardar.
- Claro que não estudas.
- Eu?! Para quê, mesmo que estude não arranjo trabalho.
- Porquê o nome Todas Juntas?
- Porque sou a chefe delas. Facturam nas noites e faço a guarda do dinheiro. Comigo, elas sabem, está seguro.
- Deves ter muito dinheiro contigo.
- É verdade Almirante.
- Esses jovens com quem andas são maus conselheiros, são perigosos.

Foi-nos oferecida uma oportunidade para nos libertarmos. Infelizmente ainda não foi desta. Revivificou o Presidente:
- Eu não fiquei contente, por exemplo, que nós estivéssemos a discutir problemas dos funcionários da OUA. Eu não gosto dos funcionários. Gosto mais dos combatentes. Mas o que é certo é que estivemos a discutir problemas dos funcionários. E isto foi um desprazer para muita gente, para muitos chefes de Estado. Se nós continuarmos a consentir que o nosso Partido, o nosso Governo, tenha uma predominância de elementos da pequena burguesia, ou influenciados pela pequena burguesia, o que vai acontecer daqui a dois ou três anos? O que vai acontecer é que nós vamos mudar de orientação com as mesmas palavras de ordem, não cumprir aquilo que foi determinado pelo nosso Congresso e nós voltaremos a uma fase de capitalismo não confessado.
Nós não temos em Angola uma burguesia com poderes. Não temos, mas podemos ter no futuro, se não tomarmos cuidado. In Agostinho Neto. 27 De Julho de 1979. Discurso na cidade do Lubango.

- É verdade Almirante. Andam com muitas armas no carro. Fugimos porque mataram um polícia.
- A guerra ainda não acabou.
- Está pior. Os polícias podem aparecer a qualquer momento. E vão disparar para matar.
- Todas Juntas e contudo todas disjuntas.
- Não entendo Almirante.
- Deixa, é uma questão de informação.
O Filósofo segue esse detalhe sublime. Essa luta que ainda não está perdida. Acalenta:
- Dependemos da informação com actualidade. Nesta República do será melhor, e vamos fazer, do daqui a alguns anos. O país dos partidos. Temos mais partidos que bibliotecas. Deviam inaugurá-las em cada canto deste vasto país, e todavia por causa disso tão pequeno. Ensinar ao povo a cultura do livro. Povo que não lê, não entende o que é um partido. Delenda Carthago.
- Almirante manda-me descansar.
- Descansa.
- Não vou votar… não vou votar.

O Presidente lembrou-se de Shakespeare. Ser ou não ser eis o petróleo:
- Será que o Socialismo será manter populações sem habitação condigna, sem serem alfabetizadas, sem ter os liceus, os estádios, sem ter a possibilidade de desenvolvimento para as crianças, sem ter a necessária condição para a mulher poder trabalhar e criar os seus filhos? Eu penso que ainda estamos muito longe do Socialismo. Socialismo para nós é uma intenção não é ainda uma realidade. Quando não houver classes que se estejam a explorar umas às outras; quando não tivermos dentro do País um grupo ou vários grupos de pessoas a quererem ter mais vantagens do que os outros. Nós diremos que estaremos a construir o Socialismo quando tivermos a paz. Quando for possível termos a paz. E houve uma promessa de toda a população no sentido de acabar com o analfabetismo dentro do prazo o mais curto possível. Isso é importante para a aquisição de ideias, para aprender as ciências, para aprender no futuro a governar o nosso País. Nós não queremos cópias de outros países. Temos que organizar o nosso próprio País de acordo com as condições que aqui existem. Não queremos cópias, porque não podemos viver de cópias. Vamos, sim, aprender tudo aquilo que existe no Mundo e que seja útil para o nosso Povo. Vamos aprender todos os dias; pedir conselhos. Mas não copiar mecanicamente porque isso seria contraproducente. In Agostinho Neto. 18 De Agosto de 1979. Discurso em Malanje.

O Taxista era conhecido pelas suas peripécias. Começou a namorar com a filha de um general. A sua esposa estava grávida de seis meses. Não se sentia bem, estava doente. Abandonou-a à sua sorte. O dinheiro que ganhava gastava-o na bebida e com a sua namorada. A esposa foi de urgência para o hospital e não sobreviveu. Antes de ser taxista roubava carros e peças que entregava a um irmão para vender. O Almirante aborda-o:
- De quem é esse jipe?
- Do general.
- És um sortudo.
- É verdade.
- Como vai a filha do general?
- Não dá Almirante, tem muitos namorados.
- Ficas para as sobras.
- Fico satisfeito por trabalhar com o táxi. O dinheiro que ganho chega-me bem. Estou cansado de mulheres.
- Sim, tens razão. Não temos juventude para prosseguir com os destinos do país.

Porque teimamos em exteriorizar tudo o que sentimos em ondas sonoras que nos rebentam os ouvidos? – Angustiou-se o Presidente:
- E a situação financeira depende de quê? Depende da nossa produção. Nós não podemos viver de importações, estar a importar sempre, pagando àqueles que nos vendem; precisamos nós de realizar os bens necessários para o nosso Povo. Ainda temos problemas com a burocracia, com a burocracia que existe no nosso País e que se preocupa muito com os papéis – muitos papéis, muitos relatórios, muitas palavras e poucas obras. Temos de fazer com que o Partido corrija essa situação em cada província, em cada área do nosso País. Não podemos viver somente da burocracia, não podemos viver de papéis, de palavras, temos de viver dos actos! E por não terem servido, eles foram afastados e o que acontece nessas situações é o seguinte: cada um que se sente afastado, pensa sempre na sua vingançazinha, pensa que é o homem ou a mulher mais importante do país e portanto pensa na sua vingançazinha. A Revolução vai continuando, a revolução vai triunfar. Alguns de nós podem desaparecer. Alguns de nós podem ser liquidados na primeira esquina, mas a revolução vai continuar. In Agostinho Neto. 19 De Agosto de 1979. Discurso em Malanje.
Imagem: 28 de março de 2012 massuia. Charge de Millôr Fernandes publicada no O Globo
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