quinta-feira, 31 de maio de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (FIM)



O Sonoro, era assim chamado porque quando estava bêbado gritava muito alto. Ao falar, a sua voz ouvia-se em todo o lado. Ficou assim devido ao desgosto que sentiu quando no espaço de três anos dois irmãos se suicidaram. Atiraram-se de um prédio. O Almirante ancora-o:
- Sonoro, fala mais baixo por favor.
- Está bem.
Durou pouco tempo. Outra vez os gritos insuportáveis vieram. O Almirante abanou a cabeça e comentou:
- Mais um com taras mentais... uma nação de tarados.
E dirigindo-se para o seu guarda-costas, que na realidade era um moço de recados.
- Marinheiro, vai à ré debaixo da âncora… do pneu de socorro, e traz a derradeira, a fama imorredoira dessa carga de profundidade.
- Sim Almirante.
Ouvem-se gritos a anunciar a morte de alguém, a que ninguém liga, porque num campo de concentração é assim, ou melhor, num quilombo. Os gritos misturam-se com a festa próxima. Não se consegue distinguir se são de tristeza ou de alegria. É este o nosso soberbo legado da tradição. Já não sabemos distinguir entre a morte e a vida. Assim meditou e terminou o Presidente:
- Não se pode pensar na organização do País sem o Partido. É evidente que nem todos podem pertencer ao Partido, nem todos têm a capacidade, nem a vontade e não é necessário obrigar cada um a pertencer ao Partido. In Agostinho Neto. 22 De Agosto de 1979. Discurso na cidade do Uíge.

São quase cinco horas da manhã. É chegado o tempo de levantar a âncora e aportar em casa. Dormir para curar a bebedeira. Na noite seguinte haverá mais copos. Mas de repente ouve-se tiroteio. O Almirante está preocupado.
- A Todas Juntas tinha razão. Os delinquentes vieram para aqui com a polícia atrás deles.
O carro dos jovens parece que está na grelha de partida de um grande prémio. Disparam em movimento. Os polícias respondem ao fogo e perseguem-nos. Os bebedores apanhados de surpresa protegem-se. Uns deitam-se no chão, outros abrigam-se atrás dos carros. O Almirante ordena:
- Verificar baixas e prejuízos!
- Parece que desta escapámos. – Disse o Vodka.
Alguém grita!
- Esta jovem não escapou!!!
Todos olham para o local. O Almirante é o primeiro a chegar. Espanta-se:
- Atingiram a Liberdade na cabeça.
- Almirante…
- Diz minha querida Liberdade.
- Vou morrer.
- Não vais nada.
- Vou sim.
- Almirante… mas… só queria amar. Fui concebida para isso. Não sei fazer mais nada. E não consigo entender o porquê dessa incompreensão.
Não disse mais nada porque o coração parou para sempre. O Almirante grita:
- Mataram a Liberdade! Mataram a Liberdade! Mataram a nossa Liberdade! Ainda era tão jovem… estava no início da democracia.
O Poeta exalta-se:
- Nunca mais a veremos. A Liberdade foi enfeitiçada, nunca mais a teremos. Era uma boa pessoa, apesar de muito jovem e inexperiente. Durou pouco tempo como sempre, ela era tão fixe, compreensiva, bondosa. Defendia-nos sempre que podia. Apesar de tropical, foi um sonho sem esperança. Vamos ver o que nos espera.
- Nada de bom será certamente. – Previu o Vodka.
- A Liberdade é a última coisa a morrer. – Não esqueceu o Almirante.
Que lhe improvisa um elogio fúnebre:

Na sua vida/ Não foi a bebida/ Não foi corrompida/ De vez em quando bebia/ Porque queria/ Por isso era livre/ Era um soldado conhecido.
O Poeta pede justiça:
Ó vós que julgais/ E condenais para vosso contento/ Pensai no dia quando/
A justiça chegar.
O Filósofo suspira:
- Já não existem sonhos. Já não existem noites tropicais. A instabilidade persegue-nos. As nossas noites terminaram. Cerveja com tiros não é útil para a digestão. As senhoras vão ficar muito prejudicadas porque deixarão de vender cerveja. Mais um sonho de uma note tropical que se transformou num pesadelo. Delenda Carthago.
Na noite seguinte o Branco aparece para ver como estão as coisas. Só vê duas pessoas, o Eleitor e o Pragador, este confessa:
- Ninguém aguenta. Apareceu o fantasma da Liberdade. Dizem os entendidos que é um grande feitiço.
- Sempre com a merda da feitiçaria.
- Ó Branco acabou-se tudo. Não se pode estar descansado em nenhum sítio. Entrego-te o que não me deixaram ler.
E correu a dizer:
- Pelas mais das sete pragas… pelas mais das sete pragas.
No que foi secundado pelo Eleitor:
- Não vou votar… não vou votar.

Perguntam se o país é viável. Será? E o que é “um país viável?” Deveremos também perguntar se o seu povo é viável? Se os indivíduos desse povo são viáveis? Um índio é viável? Um americano é mais viável que um índio, ou que um negro? A República Sul-Africana é viável? Trata-se de realidades e não de eventuais viabilidades. Os minúsculos Luxemburgo, Liechtenstein ou Mónaco são muito menores que a Guiné-Bissau, e existem, prosperam. O próprio conceito de viabilidade mostra a que ponto a economia como ciência e como sistema produtivo se distanciou de seus objectivos iniciais, que eram responder às necessidades da população. In [1] Ladislau Dowbor. Guiné-Bissau. A busca da independência económica. Editora Brasiliense-1983

FIM








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