O Governo angolano recorda mártires da repressão
colonial. Da repressão pós-colonial anterior, actual, permanente, não. Já
anunciei que quero alugar o meu coração, os inquilinos pagar-me-ão a renda com
amor na minha morada eterna, e não me despojarão. Pagar-me-ão pontualmente a
renda do meu coração.
A nossa loucura tudo esmaga, esvazia os nossos corpos
como monstros lendários em selvas reais. Quem sabe o que está certo ou errado?
Porque não me deixam humedecer no meu cacimbo? Somos pequenos, grandes actores
no enredo deste interminável filme macabro.
Deleito-me a passear nos passeios esburacados,
desventrados pelos lodaçais sempre inundados. Os nossos governantes sem
itinerários deslocam-se nas rodas dos ventos ciclónicos, movendo a intempérie
para outras rotas. O seu exibicionismo é a corrupção da inteligência. Não há
separação de raças porque nas bebedeiras somos todos iguais. O cinismo e a
hipocrisia são a barbárie da sobrevivência humana, entram democratas saem ultra-direita. A solidariedade entre nós?!
Ainda estamos a aprender com os ratos a política cultural das nossas guerras de
libertação petrolíferas, diamantíferas. E nas florestas regadas de petróleo os
bichos deixaram de cantar. Caçam-se para a fome mitigar.
Ouvirei sempre a minha doce voz de anjo no céu. Estou
muito longe e contudo tão perto dos vossos corações. Não, não desisti tão cedo
descontente! Quão difícil é acreditar! Com tanto amor que não tive e agora
tenho no céu, o que nunca tive nesta terra. As minhas lágrimas não são de
desespero, são de ódio ancestral ainda subjugadas por esta e a outra hipocrisia
Ocidental.
Pareceu-me ouvir as vozes dos anjos no céu a
chamarem-me para debaixo da terra. Dificilmente tentei sempre andar em cima
dela. E facilmente consegui para sempre nela debaixo ficar. Na paz eterna que
não me souberam dar. Acompanhem-me como se fosse a minha última festa.
Chegaremos à morada eterna que neste dia encontrei. Sentirão os meus últimos
sorrisos porque me vinguei da vida com a morte. Não me lamentem, o vosso dia
não tardará!
Para a paz mundial estabilizar, os impérios devem
ensinar, empregar a nossa gestão participativa. Os arquivos electrónicos onde
se guardam as palavras, os passes secretos das fortunas fáceis, nesta Angola
que não é minha. Quem enriquece, rouba e roubar é tão fácil. Basta pertencer ou
amigar à família no poder. E nascem condomínios, partem-se os domínios dos
casebres. Recebe-se o bónus dos negócios, ignomínias. Lamento muito, mas acho
que não devo ser desprezada.
Por aqui não existe nada seguro, tudo é inseguro.
Quando o meu presidente fala à nação, parece que está na ONU. Com palavras
muito cultas exorta a nossa cultura, à incultura da fome, omite-a. Ah! A fome,
isso é da competência das agências internacionais. Eu, o presidente, elegi-me,
impus-me para governar. Receber as altas individualidades que poisam nos nossos
palácios, e falar… falar que dentro dos próximos anos, sempre os mesmos,
lutaremos, faremos qualquer coisa. Impávida e não serena a epidemia da fome
alastra, estende-se como os desertos. Tão frágil parece o meu corpo na
fortaleza da minha beleza.
O mar encrespava em sinfonia com as nuvens negras do
FMI, parecendo chuvada. A natureza remexia-se, ordenava os preparativos, o
desejo entre tantos venho já ausentes. Até logo, até amanhã entre aguardentes
que se perdem por um fio.
O maldito humano destrói a comida marítima. Os
marinhos, marinheiros em terra procuram a vida humana para alimentação. As
barbatanas famintas para não serem extintas. Se alguma coisa em minha casa
virem entrar, é certo que me vão assaltar.
A minha vida de lavadeira não acabou. Tanta roupa que
levei, lavei, e o sol não secou. Devo andar seminua, nua para um estrangeiro
namorar. Se alguma comida para casa quiser levar. Não sou prostituta, sou um
submarino que usa lastrar. O meu silêncio espectral é um acto eleitoral,
conjuntural. Não sei o que não quero. Vesti uma hiper mini-saia aventureira,
fronteira bivalve. Um amigo prevenia os incautos e escreveu na minha
bifurcação: «Perigo! SIDA, alta tensão! Qualquer serve para se sentar na minha
cadeira eléctrica» A formação mais fácil da rentável escravatura: carregar no
gatilho. Ah! Que agora neste outro poder libertador dos senhores negros, disputo
aos abutres uma réstia de comida.
Tantos que partiram com a fome precocemente, tão cedo,
rapidamente, com brutal indiferença, como se não existissem sentimentos.
Desnecessário é dizer que para rejuvenescer, fortalecer, reaprender, é
necessário aprender sempre. O que me espanta ver é sentir a maldade crescente.
Curta, longa como mola esticada, de juventude generosa e ingénua. Todos os dias
amaldiçoamos, odiamos a Ocidental hipocrisia e a sua Igreja.
Para conquistar o poder basta-me um contrabandista de
armas. Eles e elas são os nossos melhores amigos. Com eles e com elas morremos
nas guerras, sustentamos as democracias ocidentais. Não confio em ninguém. Estes
políticos são aventureiros, atrás deles estão, chegam, sempre em movimento
outros pares. Falar, discordar, não posso. Arrisco-me a ser presa, assassinada.
Todos os dias nos roubam. O Governo perde os recursos
financeiros que flúem para as redes de esgotos das empresas, estruturas
governamentais dos que nos governam, ou as suas famílias. Nunca se sabe quem
dirige. Não dá para viver, temos que fugir. África, Angola são o campo de
concentração da globalização. O ébano nu do meu corpo transparente, irreal, voa,
salta todos os obstáculos da imaginação dos momentos de prazer.
Não vendo os sentimentos da minha cor ainda que no
longínquo desejo e vencer, do saber esperar com ânimo e ardor dos desejos
incontidos que a gente têm. Sou altiva, serena, convicta da certeza: que com
tanta violência caminhamos para o além. De tanta emoção incontrolada de não
estar presente, mas adiada, o amor é uma doença incurável. Ando sempre atenta
porque posso cair num canal de uma vala de drenagem. Estes passeios das ruas
têm canais, não como os de Veneza. Estes têm valas abertas que permitem o
escoamento dos esgotos para as ruas. As nossas valas de drenagem são como o nosso
governo. É um governo dos esgotos e para os esgotos. África é o continente
negro sempre clareado pela luz solar. Vejo os dias a passar, e a fome não os
faz alterar. Sempre em guerra! Os estrangeiros são evacuados, eu não.
Sem convicção, sem conteúdo tudo se parte em pedaços. E fica a chama
ardente a consumir a paixão, perde-se a razão. Ainda não temos governo, apenas
por enquanto milhões de promessas, que se perderam, ainda não aprenderam o que
é a razão.
A espera é tão penosa e faz-me sofrer fechada no
palpitar angustiado, oprimido como nunca senti. Não quero mais regressar como
órfã. Quero entrar qual montanha de ventura. Vou fazer-me ídolo e idolatrar-me
pura. Vou fazer do meu mundo uma procura. Com vozes a proclamarem-me que é uma
loucura. E não construir outro abismo sem fundo para o meu povo. A tristeza já
está insuportável, sinto-me desfalecer quase insondável, aguardo a chegada com
o seu final. Com séquito e grande cerimonial, jóias e diamantes do mais puro
mineral. Não mandarei mais tocar músicas e fazer grande Carnaval. Grandes coros
a anunciarem a minha eterna e aberrante reeleição. E deslumbrada, os meus
descendentes reinarão. Farei uma batalha, uma cruzada, uma moldura sem retrato,
para segurar a minha graça e encantos sempre inseguros. Não deixar jamais o que
nascer impuro, para continuar nele o meu amor, o meu ser. Deixar na sua semente
uma grande muralha, um muro. E porvir, sentir dentro de mim a vida renascer.
Abandonaram-me, cravaram-me num túmulo encerrada, nas árvores sem céu, numa
desfolhada. Resta-me o aviltamento da humilhação. Sem o renascer, o viver do
tempo moderno na sua teia enredada. Esperando sempre das agruras ser violentada,
sem ao menos para descrever um caderno. Enquanto o mundo corre para o futuro, e
eu, nós, fora dele a sonhar, esquecendo tudo nele impuro. Vivendo, sofrendo,
esperando solitária navegar nas tormentas das pontes e dos estádios inseguros.
Depois do segundo milénio ainda existem regimes
ditatoriais, e esta náusea insustentável da violência doméstica e política fez
com que: não quero mais marido! Chega! Basta! Exportamos petróleo e importamos
álcool e armas.
Convivo no continente da guerra dos traficantes de
armas do conselho de segurança da ONU. Com o consentimento deles, da ONU, que
são apenas vulgares seres humanos. Da nova civilização do holocausto,
boicotam-se os governos e suicidam-se as populações à mais execrável fome
civilizacional. Somam-se as organizações não governamentais para multiplicarem
a nossa fome, regredindo aos tempos dos cruzados e das cruzadas. Ao templo de
Salomão, ao cálice sagrado do sangue Rh P+, mais petróleo. Este bem muito mal
gerido que é mais que suficiente para nos iluminar, mas não basta, nos desbasta.
A electricidade da nossa escuridão, do sempre vai e
pouco vem, traz-nos outro mal… a poluição do fumo dos geradores. Não afecta as
democracias porque se apoiam nas ditaduras petrolíferas. No segurança, pequeno
ditador sentado, cercado com um vulgar cordel, na vulgarização da Kalashnikov
espera os inimigos do estacionamento. Os computadores evoluem, nós não
Recordo a alegria do bater na minha porta cardíaca a
subtileza do ritmo. Qual suave tambor na quietude do meu coração. De amor sem
céu, sem sol iluminado, incompreendido. De olhar profundo, demorado, a devorar
a vida. O tempo como se não existisse, nada e ninguém. Como se o mundo
democrático desabasse e eu só o continuasse. A minha alma não é gentil, está
sempre distante. Céus e terras entretanto permanecem, continuam dentro de mim a
cada instante, recordando o suave alarido sonante. Aguardando o não feito, mas
sempre que fizessem, na luta diária do abrir portas que me enlouquecem. Acossada
nos castelos da ditadura, no solitário andar entre os agentes, errante. Algo
que não fica, algo que vai como as notas suaves, melodiosas de um alaúde.
Querer sempre andar mas ficar amiúde. No cruzar aqui e acolá com os agente e
não olhar, convicta de que sou a melhor mas sem virtude.
Por vezes o vento pairava, como que indeciso, e
indecisa ficava também a goiabeira. Arriscaria dizendo que ela estava cogitando.
Será que as árvores meditam?
A mãe prostituía-se, a filha estudava Quanto mais a
mãe se vendia mais a filha se aplicava na universidade, e a mãe precocemente
envelhecia. A filha precocemente escolhia os estudos da vida. A filha
rejuvenescia, enquanto a mãe cada vez mais envelhecia. A mãe amava a sua filha
que agradecia. Oh! Como são insondáveis as tragédias do amor.
Os cinco jovens perderam a juventude da noite na
discoteca. Encontraram muita bebida que não era proibida a menores. No carro
conduzido pelo álcool, recalcitraram um tronco elefantóide plantado. Eles e o
carro viajaram para as discotecas celestes. Não consigo imaginar o estoicismo
destas pobres árvores.
Imagem:
Aléxia Gamito
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