Uns na religião, outros na feitiçaria, outros no
petróleo e diamantes, outros na corrupção, enfim, todos na miséria.
Acho isto tão vulgar, que não sei se devo narrar.
Deixaram-se só. A minha família… uns morreram nos contentores de armas na
Libéria. Outros nas catanas da Serra Leoa, outros na Somália metralhados. Os
meus pais e os meus filhos em Angola bombardeados. E não sei mais quantos nas
ruas cadavéricas do Ruanda.
Cacei um marido. Sempre bêbado chegava a casa e
batia-me. Fugi-lhe do lar onde a nascente do sol deixou de fluir. Estou feliz
na companhia da rua dos ratos. Não há, nem acredito nos mistérios dos
ministérios das promoções das mulheres angolanas. As associações de direitos
humanos não me podem valer. São como as telenovelas importadas, vemo-las e
achamo-las interessantes. Deram-me a liberdade, tiraram-me a Universidade.
Estou a estragar a minha tristeza.
Esquecida, abandonada, como se não existisse. De facto não existo, porque a
minha Angola se afundou nos campos petrolíferos. Doem-me as costas, estou muito
tempo na mesma posição da governação, agachada sem uma réstia petrolífera. Sem
estribos para subir, mudar a situação. Se tento descansar, alertam-me que estou
a preguiçar. Paro, levanto-me. Não sei quem ligou os holofotes solares. Parecem
uma lanterna grande. A luz ilumina as copas das árvores. Já não são verdes. Ela
aproxima-se, vai-me dar banho. Ergo a custo (a fome) a cabeça bem para o alto e
vejo os meus seios nas montanhas. Alguns pássaros voam para mim, e saúdam-me.
De repente sem saber porquê, grito: Ó Nzambi! Ó Nzambi!
O banho de sol é muito quente. Estou a
transpirar, na escassa roupa para me tapar. Desperto da minha volúpia. Ele está
próximo, capto a sua voz. Já chegou outra vez, a colonização. O seu olhar
cobiça-me os seios. Adivinho o que vai dizer «Ó negra, estás a preguiçar
muito!» Baixo-me e arrasto os frutos dos cafeeiros. Com a ferramenta de
madeira, arrastadeira. Os outros estão a preparar os sacos para ensacar. Não
sei quando vem a libertação desta transpiração. Ela chegará! Chegou a dipanda!
Finalmente livre… nas ruas da amargura, sem vestidura. A vender a minha
desventura corporal a qualquer um. Adestrava
o cúmulo do tumulto da multidão. Perguntei-lhes: vieram a salomão? Responderam:
está fortalecido na prisão do camaleão dos nossos professores de direito constitucional
Vi-o, o lixo da criança que a alimentava. Na tábua rasa que flutuava, não
homologada no livro da fome, das páginas dos recordes Guiness. Atrevi-me a
lamentar: Glorioso, elementar sofrimento eleitoral. Não durmam eleitos,
abandonem os leitos.
A política e o poder harmonizam muito bem. Muitos
políticos, poucos lugares vagos no pódio. A concorrência eleva-se nos meus
seios a despontarem cheios. O Sol percorre as distâncias de todos os dias, ilumina
os obscuros, poderosos corredores da arte bancária que conduzem aos cofres
subterrâneos, pesados pelos quilates das diamantíferas gemas gemidas e
petrolíferas doentias. A bantologia abre os alicerces da vozearia: amanhece, a
bronzeada levanta-se, sai à busca sem vida. Andou, navegou, olhou, sonhou.
Regressa, não encontrou o tempo perdido. Esta bronzeada agora, adora sonhar.
Reverteu, perdeu o caminhar, continua a recuar sem independência.
Convidaram-me para passar o ano novo. Recusei.
Obstinei, passei-o na apanha de mabanga, assada, saboreada com maluvo na
companhia honesta dos mangais. Divertimo-nos imenso. Como o cessar-fogo, e tudo
continua na mesma. Não temos quadros, não os queremos, corremos com eles para
manter a desorganização que conduz à mãe da corrupção. E tudo não se enquadra…
retrocede à Idade Média… às origens de Richard Leakey. Povo que não lê é cego…
e não vê. Só os esgotos são livres e o tema nunca se esgota. Vi que
caminhávamos irremediavelmente para a destruição e sorríamos como sempre.
Estávamos finalmente livres, independentes. Donos do nosso destino, do nosso
futuro, Livre! Na minha bifurcação da mabanga, no mangal genial! Como chamar
alguém, ou dizer que é génio porque há muitos idiotas. Que estancam uma
comporta e as outras continuam com fugas. Nesta Angola não podemos fazer nada
certo porque tudo está errado.
Desfaço-me nas escarpas dos meus cabelos à espera que
tudo se conceba num minuto de vida. Permanece na eternidade da intranquilidade.
Observo muita gente lutar a favor e contra. Os contras são muitos, poucos os
defensores. Aguardo o vencedor nos contrários. A sua balada dos dias melhorar
sem lutar!? Na Terra restam os últimos raios de fogo e nela nada de humano,
ninguém para os deter.
Ouço duas pessoas numa só. Com qual devo falar?! Com o
são ou o bêbado? Qual dos dois devo escutar?! Prefiro consultar o meu estatuto
de cidadã da exclusão social sem casebres. Enquanto isso, o circo das
organizações não governamentais prossegue. Os descolonizadores da infame
hipocrisia evoluem no trapézio. Os homens são todos iguais, os sistemas
políticos não. Os homens são diferentes na cor da pele mas as mentes estão
intactas, não diferem, convergem. A genética é bem conhecedora: a maldade não
tem cor, hipocrisia também não. Até os filhos renegam os pais, estes também. A
árvore cresce para estar mais próxima do Sol. O filho deixa os pais morrerem à
fome, os pais também. Os pássaros voam para as árvores porque se sentem seguros.
Amanhecem com o silêncio porque a noite foi ruidosa.
Vendem-se armas a prestações a qualquer estado falhado.
O fornecimento do armamento garante o exercício do poder ao exército. Os
fabricantes incentivam a violência para o fabrico de mais armas. É por isso que
as guerras modernas se fazem, se prestam a prestações. As fábricas da morte
encorajam-se. Há sempre alguém que diz: as armas são necessárias para o
desenvolvimento económico e social do nosso povo. E as populações correm para o
seu destino da morte. A fugirem dela e da corrupção dos ditadores. Eles e ela
estão sempre presentes. Estamos perante eles, quer queiramos quer não. Sem
dúvida que isto é uma dádiva demoníaca que facilmente se verifica nos espaços
dos cemitérios. Porque não fazemos de todos esses funerais o despertar da nossa
luta contra a fome!? Os rostos das multidões dos mortos não são iguais.
Sempre a dependência, não a independência, surge
quando a leitura não mora nos hábitos de um povo. Depois qualquer importação
serve. E que por vezes a desunião faz a força. A demagogia constante é a
inconstância da verdade. Não necessito do Ramadão para jejuar. A fome é a minha
religião, nada tenho para adorar. Não posso evacuar a minha tristeza, disso
tenho a certeza. Falar da SIDA é como o alastrar da guerra no Iraque, noutro e
noutros como um comboio sem paragens, sem estações. Quantos mais morrerem,
menos interesse despertam.
Quando o horror é trivial, habituamo-nos ao seu efeito
mortal. É o quotidiano. Quando a monotonia das situações se repete como nos
campos de concentração nazis, na companhia dos espectros da morte, o
inimaginável acontece. Ficamos cúmplices dos algozes. Nas amarras dos malditos
que ainda fazem dos seres humanos, o regresso aos campos dos membros
esquartejados, acompanhados de uma sinfonia filosófica que orienta o final
cadavérico da espécie humana.
A diferença que existe entre um cavalo e um homem é a
seguinte: O cavalo tem quatro patas, o homem tem duas mãos e dois pés. O homem
tem cérebro, mas muitas cavalgaduras não.
Mal governar é morrer rapidamente, é um suicídio não
necessário, mas está sempre presente. É brincar com o fogo, queimar-se,
abandonar o povo, demitindo-o das eleições. Ainda resta algo: a serenidade
perdida jamais é restituída.
Isto não é Angola, são banqueiros e demais carniceiros
na carnificina. Se fosse como eles, se roubasse estaria rica. Este é o único
meio que ainda subsiste para enriquecer, que me provem o contrário. Não haverá
ninguém que me atire o primeiro milhão de dólares para me desenganar porque a
lei protege-os. Os poderosos e a gatunagem protegem-se dos fracos e
desprotegidos, e daí o atroz terrorismo.
Não adianta recorrermos porque existem duas
advocacias: uma para pobres, outra para ricos, e os deserdados… não foi em vão
que esta palavra foi pela primeira vez pronunciada. Deserdados… porque os
cancerosos poderosos a herdaram. A garantia da minha recente liberdade era
atirar para o lixo os livros técnicos deixados pelos colonialistas, porque na
nova vida não teriam nenhum proveito. Era assim que pensávamos na nova
ideologia revolucionária: só os livros marxistas-leninistas eram edificantes, e
ainda o são. Quando demos pelo engodo era demasiado tarde. Voltámos às
cavernas, aos túneis do espírito sem luz. Novamente nas garras dos vampiros, a
ouvir cigarra cantar e a ver formiga guardar
MEU POVO!
Quando ouvirem os políticos a falarem guardem silêncio.
Quando eles se cansarem falem e sereis escutados. De noite não tenham medo das
sombras das ditaduras deles. Pelo contrário, congratulem-se pelo luar que vos
oferece a democracia. Não confiem em nenhuma igreja porque vos levam à
escravidão. Porque nos tempos que correm devemos agradecer tão sublime jornada
libertadora. Quando virem outros esfomeados passarem ao vosso lado não os
desprezem. Eles indicam-vos os caminhos que esperam aos que desviam maliciosamente
os caudais das nossas riquezas. Diariamente ouvirão muitos cantos de promessas.
As mesmas músicas tocadas sempre nas mesmas rádios, jornais, TVs. Existirão
sempre muitos ditadores com ares místicos mas poucos serão escutados. Nas
tormentas das cidades aprendam a mergulhar nas multidões. Afastem-se e
observem-nas. Verão oradores nos circos com muita palhaçada. Nas muitas horas
vadias contem o tempo que resta para viverem. Verão depois que passaram muitos
anos colonizados. E não terão mais horas vagas para recuperar o tempo perdido.
Conhecem muitos governantes mas não pessoas. Nunca conhecerão ninguém se não
conhecerem profundamente uma delas. E quando finalmente sós e abandonados, lembrem-se
que os vossos pais nos silêncios das tumbas aguardam a vossa companhia e
estarão sempre convosco.
E pior que o pior é ser melhor.
Talvez sejam os dias sem sol que nos fazem tristes e
agressivos. Os dias quando nascem não são para todos, continuam apenas para
alguns. Sempre os mesmos como uma dinastia milenar. Nesta terra nada mudou,
muito pelo contrário, tudo piorou.
Não apreendo a matriz genética dos nossos políticos
Há armas nos quintais, nas ruas, nos lares, nos
carros… e nas crianças. Postos de controlo disseminados, com carteiristas
fardados. Sem civilização, com máfias, sociedades secretas. E atributos
genéticos que nos condicionam. Como o gene que bloqueia a noção de compromisso,
de responsabilidade: «Está bom, não há problemas. Daqui a pouco já passo por
aqui. Depois telefono, amanhã passo aí. Vou telefonar sem falta. Na próxima
segunda-feira, volto mais tarde.» É a política dos apocalípticos. Um passo em
frente e três atrás. O pressuposto de uma política congénita: o mais importante
é acabar com o povo.
Imagem: Aléxia Gamito
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