quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A corrupção é uma religião radical, fundamentalista





República das torturas, das milícias e das demolições
Diário da cidade dos leilões de escravos
30 de Novembro
Manifestação da energia eléctrica. Mais apagões, é só escuridão. Das 06.09 até às 08.44, e pouco depois das 09.50 até às 10.19, e como se não bastasse, de novo das 14.11 até às 15.11 horas.
Não é o Islão que me preocupa, o que receio imenso é a expansão da corrupção, não só em Angola, mas por todo o mundo. Para mim a corrupção é uma religião radical, fundamentalista.
Num minimercado querem impingir-me um tomate importado de Portugal por quase trezentos kwanzas, quando por essa quantia posso comprar algumas dezenas de tomates nacionais. Quanto nos custam os tais acordos gerais de cooperação que disso não contém nada?
01 de Dezembro
Domingo, 06.30 da manhã. Outra vez o chinês?! Parece-me que não, ele não está, foi fazer estragos para outro lado, então quem será? Bom, acordei com o barulho de uma máquina dessas de cortar mosaico, sabem muito bem como esse barulho é horrível. Massacrado, torturado, isto agora está em poder dos maníacos das torturas, levantei-me com a cabeça atordoada. Captei donde vinha o barulho, oh!, surpreendi-me, vem do vizinho português do primeiro andar recentemente chegado, naufragado, do apartamento alugado. Nem ao domingo temos direito de descanso? Outro português que fugiu à perseguição da miséria em Portugal. Há seis meses que faz obras como num palácio, os gradeamentos de protecção são de uma fortificação. Esta interrogação persegue-me: como e onde é que eles conseguem arranjar o dinheiro? Um vizinho disse que ele vai realugar o apartamento a outros portugueses. Esta Luanda está possuída por máfias, é a terra de ninguém.
A energia eléctrica aqui na rua das Sirenes pode-se dizer – em relação à anarquia anterior – que está quase estabilizada, mas nas traseiras do prédio – dos prédios - o cheiro a gasóleo é latente, permanente, o cheiro do estado de sítio da morte. É que são três geradores dos mais gigantescos do mundo, obras e mais obras dos continuadores e invasores desta revolução que está prestes a atingir o seu auge, o seu fim – a democracia está quase, então serão exigidas contas - ainda mais que, essas obras mesmo em estado de não acabadas têm ares-condicionados potentes e outros equipamentos industriais, pois que os invasores estrangeiros e os novos-ricos nacionais têm a mania de industrializar tudo, mesmo nas traseiras dos prédios e como este leninismo tudo permite, a instalação eléctrica não suporta, não está preparada para tal carga. E primeiro os fusíveis queimam, depois os espertalhões da banda reforçam-nos enrolando-lhes um monte de fio para que aguentem, mas não, eles não aguentam, então o cabo queima e então surgem os geradores da nossa morte. Sim, viver com geradores é morrer precocemente. Quando a boçalidade comanda, tudo se desmanda. Esta é a cidade do desmando, do contrabando.
De uma vendedora: Foi na semana passada no mercado dos congolenses, em Luanda, os fiscais exerciam a sua actividade, espoliar os bens das vendedoras sob o pretexto das ordens superiors manu militari. Agarraram-se a uma vendedora que lhes suplicava e ao chefe, ao deus máximo dos martirizados da revolução que lhe deixassem ao menos facturar cem kwanzas para conseguir a miséria permanente do seu jantar, mas os fiscais tal como os chefes da revolução leninista não se compadecem com ninguém. Vai daí, surra na desgraçada que nasceu angolana enjeitada. Um jovem não suporta o tratamento miliciano dado a quem não é estrangeiro, e possuído de compaixão atreve-se imbuído de heroísmo: «Deixem a senhora em paz, quem são vocês para a maltratarem assim?!» Os milicianos não aceitam altercações à ordem pública, ao regime militar democraticamente votado pelo eleitorado e muito naturalmente, como uma possante carga de cavalaria alvejaram-no com cacetada no pescoço. O jovem desmaiou, socorreram-no para o hospital mas lá chegado, a sua vida despediu-se como um grito de combate que ecoou por essa Angola dentro e fora: «Mais um herói anónimo que tombou, que a milícia decepou!»   
02 de Dezembro
22.35 horas. Um casal de portugueses aí para os trinta e tal anos de idade segue na rua das Sirenes, a esta hora já deserta. Um menino de rua – se nas ruas houvesse petróleo seria meninos do petróleo? – aproxima-se deles com um saquito pendurado nas costas. Pede-lhes esmola, mas a portuguesa olha-o assustada e diz-lhe qualquer coisa que o faz mudar de trajecto. O menino da rua sem petróleo corre para o outro lado da rua, lança uns assobios e já na rua a seguir aparece uma operação stop de miúdos de rua. O casal de portugueses teve que despejar alguma coisa da sua bolsa, porque o momento assim o aconselhava.
Os inimigos do progresso e grandes amigos da revolução têm actuações que são nitidamente de estupidez, malvadez natural. Ora, em alguns prédios têm nas traseiras do primeiro andar varandas com espaçosos terraços, que os inimigos do progresso mas grandes amigos do petróleo, fazem as suas anárquicas construções e tapam as saídas da água. Quando chove aquilo fica lago, mas os povos furam as paredes - muros – e a água flui normalmente como antes. Esta cidade está possuída por aventureiros, desventurada, arruinada.
Quando a população se revolta contra os actos ilegais da governação que usa a força para impor a ilegalidade, descarregando a sua fúria contra cidadãos e cidadãs indefesas que apenas gozam da exclusão social, usados como cobaias para ensaios de tortura e pancadaria, a população está a perder o medo e isso que significa? Pois muito bem, significa que depois de muito batido, o ferro quente já se temperou, e a qualquer momento uma revolta da população surgirá, eclodirá.
Recomeçou a época da caça. Desta vez vão todos para a prisão.
"O partido no poder aproveita a oportunidade para alertar a opinião pública nacional e internacional para a gravidade destes comportamentos, que se estendem desde os principais dirigentes políticos da oposição até aos meios de que dispõem, como a Rádio Despertar e insta os órgãos do Estado competentes a tomada de medidas para sanar estas situações."
03 de Dezembro
10.45 horas. Elevação repentina da temperatura, aqui à sombra, 32 graus. O que virá a seguir? 11.35 horas. Temperatura 33 graus. 11.52, temperatura 33.5 graus. Vai sair um ciclone ou quê?
11.30 horas. Consigo ver uma "nuvem branca " no satélite da Internet SAT24, que se desloca "à velocidade da luz" a atravessar o meio de Angola. Pois, é impossível tal velocidade. Que objecto é este?
04 de Dezembro
Os omnipresentes cortes de energia eléctrica. Das 10.01 até às 11.21 horas fomos torturados com mais um.
05 de Dezembro
Quem acolhe os caminhos da violência por eles será violentado.
E quem impõe uma falsa paz nas malhas da guerra perecerá.
Na realidade é preciso ter em conta que o êxodo de estrangeiros para Angola, não vêm para Angola, vêm para um rio infestado de piranhas. É bom que entendam isso, é a luta de um povo pela sobrevivência num ambiente inóspito, onde a todo o momento a morte estende os seus braços implacáveis, e onde mulheres que vendem rezam para conseguirem cem kwanzas para comerem qualquer coisa, mas também a isso não têm direito porque são perseguidas por polícias e fiscais, o que faz aumentar o número de piranhas. Portanto, isto não é a República de Angola, é a República das Piranhas de Angola. É tudo estrangeiro, é bom e eu gosto. Quando uma população está abandonada à sua sorte, fica pior que um cardume de piranhas.
E Nelson Mandela partiu para a terra do descanso final. Para a terra onde há um lago rodeado de vegetação da cor do tempo da sua prisão. Na margem há uma pedra onde ele está infinitamente sentado com o seu sorriso a olhar para o calmo silêncio que enfim o rodeia. Mandela não foi um homem, Mandela foi um super-homem.

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