segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O PARAÍSO PERDIDO A OCIDENTE (02)



Creio que tudo espelha muito bem a nossa actual vivência tão imobilizada, tão amarrada da nossa selva do trabalho e em mais em tudo o que nos rodeia. Afinal passados tantos séculos, tantos milénios conseguimos apenas uma extraordinária vitória… sermos infelizes. Produzimos infelicidade a rodos, a esmo.
Lembro-me muito bem quando na minha juventude subjugado pela superstição e escravidão da religião, onde instigado por todos os poros tinha que ser obediente a Deus e aos grandes senhores e muito especialmente temê-los.
Mais tarde quando comecei a aprender, a descobrir o Caminho, vi que caminhava num reino empestado de hipocrisia. Creio que a Igreja ao impor-nos a sua santa ignorância é a causadora de todos os males que avassalam este mundo e o outro. Essa religião destrói-nos, corrói-nos as almas, coloca-nos prematuramente nos ritos funéreos dos cadáveres.
Continuamos sem rumo e nas mesmas regras das grandes corporações internacionais e religiosas. Numa sociedade doentia porque teimosa na imposição do regresso à ditadura global, do governo electrónico mundial, marcial. Controlados ao ínfimo pormenor por robôs numa Idade Média electrónica. Caminhamos a passos seguros e rápidos para a grande prisão planetária onde já se incrustam os gradeamentos.
Os acontecimentos que se seguem baseiam-se na vivência com um amigo que me acompanhou quando ainda éramos crianças e depois do encontro final quase quarenta anos passados. Depois do seu falecimento lembrei-me de narrar a sua vida. Creio que era muito simples, humilde e humano, daquelas pessoas que dificilmente encontramos. No fundo trata-se apenas de um Homem. Um desconhecido que provavelmente ninguém se lembrará. Mais um… na luta pela sobrevivência na selva da mediocridade humana. Acho que ainda não aprendemos o suficiente para vencer a selva da vida, ou a vida na selva.
Enquanto existirem seres humanos a morrerem de fome neste mundo, dificilmente acreditarei na democracia. Receio que seja mais uma ilusão. Enquanto houver fome no mundo, assassinatos indiscriminados de crianças como no tiro aos patos, ou mortes por falta de assistência médica, porque não têm dinheiro, acredito que a democracia, ou melhor dito, as democracias navegam muito longe da realidade.
Dêem-me uma alavanca e dominarei os aventureiros e especuladores.
No fundo todos procuramos, sermos apenas livres e lutarmos pela pirâmide da vifda.
É que: “Escrever com simplicidade é tão difícil quanto ser bondoso. William Somerset Maugham (1874-1965)


Capítulo I
Resplandecer

Tramagal, Portugal, 1954.

Quando crianças vivemos num mundo de fadas, duendes, na magia de outra dimensão. Pela convivência com estes actos, os adultos estão sempre próximos de nós porque acreditam que não temos a noção do que fazemos. E quando eles se afastam surgem as tragédias da nossa irracionalidade que poderiam facilmente ser evitadas.
Com os meus infantis cinco anos, a minha mãe mandou-me comprar fósforos na mercearia próxima. No regresso, e já próximo da minha casa, havia uma sebe com avantajado volume de vegetação seca que delimitava a propriedade de um agricultor de terrenos vastos. Deu-me para pegar nos fósforos e atear fogo à vegetação para ver como era, mas com o cuidado de o apagar assim que as chamas ganhassem vida. Peguei-lhe fogo por duas ou três vezes e consegui apagar as chamas. Então experimentei ver o fogo mais tempo a arder. As chamas alastravam, tentei apagá-las, mas de repente veio vento mais forte e o reino das chamas revelou-se com grande intensidade.
O incêndio descontrolou-se. Fugi com alto pânico e apresentei-me perante a minha mãe com ar de anjo. A tremer de medo entreguei-lhe os fósforos. Mas já se sentia muito bem o cheiro a queimado. A minha mãe olhou-me desconfiada ao mesmo tempo que observava a caixa de fósforos onde facilmente se notava que tinha sido utilizada. Rapidamente compreendeu. Entretanto, as chamas aproximavam-se da nossa casa, e algumas pessoas com baldes de água e outros apetrechos de ocasião afligiam-se, lutavam contra o incêndio.
Com muito trabalho conseguiram finalmente extinguir as chamas. Nunca ninguém conseguiu saber o porquê do mistério do incêndio, porque a minha mãe guardou silêncio. Receei que ela me mataria de porrada, mas não. Limitou-se a olhar para mim durante um tempo que me pareceu nunca mais acabar, e percebi que ela estava muito preocupada, talvez a pensar que o seu primeiro filho não batia bem da cabeça.
Numa área considerável de terreno contíguo à nossa casa, a minha mãe cultivava feijão verde. Eu ajudava-lhe na rega mantendo os canais da água sempre limpos, livres de obstáculos, de tal modo que quando despejava água, ela circulava livremente e alimentava, chegava a todo o plantio. E o verde feijoal crescia, desenvolvia-se muito rápido. Como não havia ninguém que brincasse comigo, passava grande parte do tempo no que para mim já era uma pequena floresta cheia de gnomos verdes. Até que tive uma ideia.
Decidi arrancar todas as vagens e escondê-las. Não sem antes desfazê-las em pequenos bocados. Para isso abri alguns buracos na terra e nela enterrei tudo. Assim iria fazer com que a minha mãe descobrisse que mistério seria aquele. Como é que as vagens tinham desaparecido misteriosamente. A minha mãe surpreendeu-me porque muito rápido desvendou a cabala. Sem sequer me indagar fosse o que fosse, foi buscar um chinelo daqueles de madeira e desancou-me barbaramente. Não fosse a vizinha acudir-me, acho que o meu corpo ficaria bem amassado. E ela insistia, garantia:
- Eu mato-o! Eu mato-o! Ficámos sem comida. Esse maldito filho destruiu tudo, incluindo a parte que também era para vender.
Pelo sim pelo não, a minha única vizinha achou por bem levar-me para sua casa, e por lá ficar até que a minha mãe se resignasse, se tranquilizasse.
No dia seguinte a minha mãe resgatou-me e levou-me para o seu aconchego. O estado de sítio terminara e quase tudo voltou à normalidade. Uns dias depois seguia tranquilo na segurança de uma das mãos da minha mãe, quando vi uma cobra grande entrar no buraco de uma grande, velha e meditativa oliveira que vivia a escassos metros frente à porta da nossa casa.
Mais uma vez adormeci com fome.
- Mãe! Mãe! Vi uma cobra grande entrar na oliveira!
Ela olhou-me e levantou a mão para me bater. Suspirou, não disse nada, e arrastou-me para casa. Mas no outro dia a vizinha também lhe disse que viu uma grande cobra na oliveira, e a minha mãe confessou-lhe:
- O meu filho já me tinha falado disso mas pensei que me estava a mentir. E como ele só faz asneiras não lhe dei atenção.
Elas falaram qualquer coisa que não entendi. De seguida vieram com panos enrolados, atearam-lhes fogo e colocaram-nos dentro do buraco, e ficaram à espera com uma enxada e uma forquilha. A cobra acabou por sair, mas não teve tempo para nada porque a enxada certeira da minha mãe caiu exactamente na sua cabeça, e a vizinha com a forquilha fez o resto do trabalho. A partir daí nunca mais me aproximei da oliveira.


1 comentário:

  1. É uma vergonha! Alguns de nós seres "humanos" agimos como verdadeiros irracionais...nem os comparo animais, pois os animais não tem esse tipo de conduta com os seus semelhantes.

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