República das
torturas, das milícias e das demolições
Diário da cidade
dos leilões de escravos
30 de Novembro
Manifestação da
energia eléctrica. Mais apagões, é só escuridão. Das 06.09 até às 08.44, e
pouco depois das 09.50 até às 10.19, e como se não bastasse, de novo das 14.11
até às 15.11 horas.
Não é o Islão que me preocupa, o que
receio imenso é a expansão da corrupção, não só em Angola, mas por todo o mundo.
Para mim a corrupção é uma religião radical, fundamentalista.
Num minimercado querem impingir-me um
tomate importado de Portugal por quase trezentos kwanzas, quando por essa
quantia posso comprar algumas dezenas de tomates nacionais. Quanto nos custam os
tais acordos gerais de cooperação que disso não contém nada?
01
de Dezembro
Domingo, 06.30 da manhã. Outra vez o
chinês?! Parece-me que não, ele não está, foi fazer estragos para outro lado,
então quem será? Bom, acordei com o barulho de uma máquina dessas de cortar
mosaico, sabem muito bem como esse barulho é horrível. Massacrado, torturado,
isto agora está em poder dos maníacos das torturas, levantei-me com a cabeça
atordoada. Captei donde vinha o barulho, oh!, surpreendi-me, vem do vizinho
português do primeiro andar recentemente chegado, naufragado, do apartamento
alugado. Nem ao domingo temos direito de descanso? Outro português que fugiu à
perseguição da miséria em Portugal. Há seis meses que faz obras como num
palácio, os gradeamentos de protecção são de uma fortificação. Esta
interrogação persegue-me: como e onde é que eles conseguem arranjar o dinheiro?
Um vizinho disse que ele vai realugar o apartamento a outros portugueses. Esta
Luanda está possuída por máfias, é a terra de ninguém.
A energia eléctrica aqui na rua das
Sirenes pode-se dizer – em relação à anarquia anterior – que está quase
estabilizada, mas nas traseiras do prédio – dos prédios - o cheiro a gasóleo é
latente, permanente, o cheiro do estado de sítio da morte. É que são três geradores
dos mais gigantescos do mundo, obras e mais obras dos continuadores e invasores
desta revolução que está prestes a atingir o seu auge, o seu fim – a democracia
está quase, então serão exigidas contas - ainda mais que, essas obras mesmo em
estado de não acabadas têm ares-condicionados potentes e outros equipamentos
industriais, pois que os invasores estrangeiros e os novos-ricos nacionais têm
a mania de industrializar tudo, mesmo nas traseiras dos prédios e como este
leninismo tudo permite, a instalação eléctrica não suporta, não está preparada
para tal carga. E primeiro os fusíveis queimam, depois os espertalhões da banda
reforçam-nos enrolando-lhes um monte de fio para que aguentem, mas não, eles
não aguentam, então o cabo queima e então surgem os geradores da nossa morte.
Sim, viver com geradores é morrer precocemente. Quando a boçalidade comanda,
tudo se desmanda. Esta é a cidade do desmando, do contrabando.
De uma vendedora: Foi na semana passada no mercado dos congolenses, em Luanda, os fiscais exerciam a sua actividade, espoliar os bens das vendedoras sob
o pretexto das ordens superiors manu militari. Agarraram-se a uma vendedora que lhes suplicava e ao chefe, ao deus máximo dos martirizados da revolução que lhe deixassem ao menos facturar cem kwanzas para conseguir a miséria permanente do seu jantar, mas os fiscais tal como os chefes da revolução leninista não se compadecem com
ninguém. Vai daí, surra na desgraçada que nasceu angolana enjeitada. Um jovem não suporta o tratamento miliciano dado a quem não é
estrangeiro, e possuído de compaixão atreve-se imbuído de heroísmo: «Deixem a
senhora em paz, quem são vocês para a maltratarem assim?!» Os milicianos não aceitam altercações à ordem pública, ao regime militar democraticamente votado
pelo eleitorado e muito naturalmente, como uma possante carga de cavalaria
alvejaram-no com cacetada no pescoço. O jovem desmaiou, socorreram-no para o
hospital mas lá chegado, a sua vida despediu-se como um grito de combate que
ecoou por essa Angola dentro e fora: «Mais um herói anónimo que tombou, que a
milícia decepou!»
02 de Dezembro
22.35 horas. Um
casal de portugueses aí para os trinta e tal anos de idade segue na rua das
Sirenes, a esta hora já deserta. Um menino de rua – se nas ruas houvesse
petróleo seria meninos do petróleo? – aproxima-se deles com um saquito
pendurado nas costas. Pede-lhes esmola, mas a portuguesa olha-o assustada e
diz-lhe qualquer coisa que o faz mudar de trajecto. O menino da rua sem
petróleo corre para o outro lado da rua, lança uns assobios e já na rua a
seguir aparece uma operação stop de miúdos de rua. O casal de portugueses teve
que despejar alguma coisa da sua bolsa, porque o momento assim o aconselhava.
Os inimigos do
progresso e grandes amigos da revolução têm actuações que são nitidamente de
estupidez, malvadez natural. Ora, em alguns prédios têm nas traseiras do
primeiro andar varandas com espaçosos terraços, que os inimigos do progresso
mas grandes amigos do petróleo, fazem as suas anárquicas construções e tapam as
saídas da água. Quando chove aquilo fica lago, mas os povos furam as paredes -
muros – e a água flui normalmente como antes. Esta cidade está possuída por
aventureiros, desventurada, arruinada.
Quando a
população se revolta contra os actos ilegais da governação que usa a força para
impor a ilegalidade, descarregando a sua fúria contra cidadãos e cidadãs
indefesas que apenas gozam da exclusão social, usados como cobaias para ensaios
de tortura e pancadaria, a população está a perder o medo e isso que significa?
Pois muito bem, significa que depois de muito batido, o ferro quente já se
temperou, e a qualquer momento uma revolta da população surgirá, eclodirá.
Recomeçou a
época da caça. Desta vez vão todos para a prisão.
"O partido no poder aproveita a oportunidade para alertar a opinião pública nacional e internacional para a gravidade destes comportamentos, que se estendem desde os principais dirigentes políticos da oposição até aos meios de que dispõem, como a Rádio Despertar e insta os órgãos do Estado competentes a tomada de medidas para sanar estas situações."
"O partido no poder aproveita a oportunidade para alertar a opinião pública nacional e internacional para a gravidade destes comportamentos, que se estendem desde os principais dirigentes políticos da oposição até aos meios de que dispõem, como a Rádio Despertar e insta os órgãos do Estado competentes a tomada de medidas para sanar estas situações."
03 de Dezembro
10.45 horas.
Elevação repentina da temperatura, aqui à sombra, 32 graus. O que virá a
seguir? 11.35 horas. Temperatura 33 graus. 11.52, temperatura 33.5 graus. Vai
sair um ciclone ou quê?
11.30 horas. Consigo ver uma "nuvem
branca " no satélite da Internet SAT24, que se desloca "à velocidade
da luz" a atravessar o meio de Angola. Pois, é impossível tal velocidade. Que
objecto é este?
04
de Dezembro
Os omnipresentes cortes de energia
eléctrica. Das 10.01 até às 11.21 horas fomos torturados com mais um.
05 de Dezembro
Quem acolhe os
caminhos da violência por eles será violentado.
E quem impõe uma
falsa paz nas malhas da guerra perecerá.
Na realidade é
preciso ter em conta que o êxodo de estrangeiros para Angola, não vêm para
Angola, vêm para um rio infestado de piranhas. É bom que entendam isso, é a
luta de um povo pela sobrevivência num ambiente inóspito, onde a todo o momento
a morte estende os seus braços implacáveis, e onde mulheres que vendem rezam
para conseguirem cem kwanzas para comerem qualquer coisa, mas também a isso não
têm direito porque são perseguidas por polícias e fiscais, o que faz aumentar o
número de piranhas. Portanto, isto não é a República de Angola, é a República
das Piranhas de Angola. É tudo estrangeiro, é bom e eu gosto. Quando uma
população está abandonada à sua sorte, fica pior que um cardume de piranhas.
E Nelson Mandela
partiu para a terra do descanso final. Para a terra onde há um lago rodeado de
vegetação da cor do tempo da sua prisão. Na margem há uma pedra onde ele está
infinitamente sentado com o seu sorriso a olhar para o calmo silêncio que enfim
o rodeia. Mandela não foi um homem, Mandela foi um super-homem.
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