domingo, 26 de fevereiro de 2017

FICÇÃO CIENTÍFICA. AS CRÓNICAS DO MARCOS (02)



Ao Marcos
meu neto

“Avô! Avô! Os beija-flores chegaram!” O Marcos fez-me sinal com o dedo no nariz para que eu me calasse. Depois silenciosamente pé ante pé com ele no comando obriga-me a segui-lo, passámos a porta da varanda e espreitámos para os beija-flores que pairavam agitando repetidamente as suas asas como se fossem helicópteros, com os bicos compridos a sugarem o pólen das flores que eu intencionalmente plantei para atrair o casal de beija-flores, que antes de aparecerem anunciavam a sua aparição ruidosamente como que a avisar o Marcos da sua presença. 
Até aconteceu por duas vezes quando o Marcos foi para o zango de Viana, os beija-flores apareceram pouco depois como que a despedirem-se.
Também plantei um jasmim, que creio ser um jasmim-porcelana, também para atrair os beija-flores para gáudio do Marcos. Também apareciam abelhas que poisavam e extraíam o néctar das flores para fabricarem o mel. O Marcos pegava na sua lupa, apontava-a para as abelhas para as estudar mas quando elas mudavam de direcção, ele entrava em pânico, fugia, apanhava objectos e atirava-os para as abelhas que saíam incólumes, mas as plantas que não tinham culpa nenhuma sofriam as consequências, as pobres ficavam como que mutiladas. Outra observação que ele gostava de fazer com a lupa era nas formigas e nas minhocas. Parecia Lineu, (1707-1778) apanhava-as com as mãos, sem antes me perguntar se mordiam, metia-as em embalagens de margarina, acrescentava-lhes terra e lá ficava a brincar durante muito tempo até se cansar. Ao jasmim-porcelana passei a chamar-lhe jasmim do Marcos.
Pode-nos faltar tudo mas creio que ainda nos resta alguma fortaleza quando olhamos para as plantas que se movem alegremente pela força do vento. E isso faz-nos viver.

Há vários dias que o tempo anunciava chuva, porque o céu continuamente mostrava nuvens daquelas escuras de chuva.
E o céu escureceu como breu. O dia fez-se noite. E veio vento muito forte, as árvores pareciam que iam voar. Por todo o lado se ouvia o bater de portas e o barulho característico de chapas metálicas onde algumas não suportando a pressão voavam como folhas de papel. Algumas antenas parabólicas também voaram confundindo-se com óvnis. E a chuva começou a cair com muita força, transformou-se em nevoeiro de tal modo que apenas permitia escassos metros de visibilidade.
Foram três dias entrecortados por algumas horas de chuva fraca.
Desde muito jovem sonhava com tudo inundado de água, apenas restando um monte muito alto, vasto com uma grande árvore, pedras e mais algumas árvores de menor porte.

“Avô, a nave espacial ainda não chegou”! Vou para a varanda e o Marcos foge deixando um rasto de gargalhada, contente por atrair o avô. Persigo-o e ele aumenta a correria e a gargalhada. Preocupado pelo receio de ele bater com a cabeça em qualquer lado, pois faz como que voos rasantes, ou qualquer outra lesão, paro. Mas ele incita-me, não quer parar de brincar, mas faço-lhe uma finta dizendo-lhe que os gatos estão na outra varanda, o que não é verdade. Mas por sorte surge um helicóptero, ele corre na sua direcção e lá fica a gritar e a acenar com as mãos: “Tchau helicóptero! Tchau helicóptero! Tchau! Tchau!

A água da chuva já fazia estragos e pela paisagem do céu mais tempestade viria, cairia. Instintivamente lembrei-me da Arca de Noé, ou melhor, da Epopeia de Gilgamesh.

Uma das lendas mais fantásticas dos povos sumérios e que mostram a riqueza de sua literatura foi a Epopeia de Gilgamesh. Possivelmente a obra literária mais antiga já produzida pelos seres humanos, ela é composta por doze cantos com cerca de 300 versos cada um. A lenda conta a história de Gilgamesh, rei sumério e fundador da cidade de Uruk que governou a região por volta do ano 2.700 a.C. Esta epopeia é conhecida graças à descoberta de uma placa de argila escrita em caracteres cuneiformes em ruínas da região mesopotâmica, sendo traduzida por volta de 1890 d.C.
A trajetória de Gilgamesh o mostra como um grande conhecedor das coisas do mundo, inclusive de sua origem e de coisas existentes nas profundezas dos mares. Mas o rei Gilgamesh era despótico e dentre as várias obrigações que impunha a seu povo encontrava-se a construção de uma gigantesca muralha fortificada ao longo da cidade de Uruk. O povo amedrontado com o trabalho imensamente fatigante clamou pela ajuda da deusa Ishtar, que os ouviu e enviou Enkidu. Este, que era protegido da deusa e vivia nas florestas de cedros, deveria desafiar e vencer Gilgamesh em um duelo, matando-o em seguida. Ao chegar ao palácio do rei, iniciou o combate. Entretanto, não houve vitoriosos, sendo que Gilgamesh e Enkidu se tornaram amigos. A amizade os levou a diversas aventuras, destruindo monstros e harmonizando o mundo.
Porém, Ishtar sentiu ciúmes da amizade e tentou seduzir Gilgamesh que, sabendo que aquele que amasse a deusa morreria, não aceitou ser seu amante. A deusa com muita ira pela recusa decidiu matar o amigo de Gilgamesh, Enkidu, infligindo a ele uma doença que o deixou agonizando por doze dias antes de morrer. Com a perda do amigo, Gilgamesh resolveu ir atrás de novas aventuras, o que o levou a encontrar Utnapishtim, um homem imortal que revelou um triste mistério dos deuses: em tempos remotos os deuses haviam decidido submergir a terra de Shuruppak, mas que ele, pela sua devoção, havia recebido ordens de construir uma arca no meio do deserto e abrigar seus familiares, amigos e os quadrúpedes e aves de sua escolha. Utnapishtim assim o fez e, depois de seis dias e seis noites, salvou as pessoas e os animais, conseguindo em troca a imortalidade.
Esse trecho da Epopeia de Gilgamesh é um dos mais conhecidos e influenciou várias lendas na Antiguidade oriental, inclusive a lenda bíblica do dilúvio hebreu, famosa pela arca de Noé. Sendo a produção da Epopeia de Gilgamesh anterior à história bíblica, pode-se perceber a influência que a cultura suméria exerceu sobre os povos da Mesopotâmia e do Oriente Médio.
Gilgamesh ainda tentou conseguir a imortalidade, chegando inclusive a descer ao fundo do mar em busca de uma planta que seria capaz de evitar sua morte. Mas o rei perdeu a planta no caminho e, com medo da morte, já em sua cidade Uruk, evocou seu amigo Enkidu, que lhe contou sobre a vida no mundo das trevas.
A epopeia se tornou famosa no mundo pela sua antiguidade e pela semelhança com a lenda do dilúvio bíblico hebreu.
http://m.mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/a-epopeia-gilgamesh-diluvio.htm


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