sábado, 27 de dezembro de 2014

No amor da minha princesa sem mar






Há muito tempo que espero por ti
Foste tu que sempre escolhi
Apesar de que nunca te conheci
Mas continuo à tua espera aqui

E no rio da água do sol dominado
Na vegetação do verde dourado
Na margem do rochedo esverdeado
As nuvens pairam no céu algodoado

Nos baixios azuis brancas espumas
Desafiam promontórios cinzentos
Nas solitárias palmeiras as brumas
Nascem nos rochedos truculentos

Nas mansas águas dorme a vegetação
Nas margens sonolentas a mansidão
A água agita-se e depois descansa
Como o navegar da milenar dança

E a força do vento dobra as palmeiras
E a água azul clara e escura dá saltos
E os seus troncos descem, esteiras
No refúgio da ditadura dos assaltos

E a água persegue o poder da areia
Na constante luta entre terra e mar
Esta sempre será a sublime epopeia
Até o nosso amor querem dizimar

Ramos libertam-se e acariciam a areia
E aprisionam a sombra convidativa
E tu sabes que não há mais lua cheia
Pois neste mar de petróleo és cativa

E nesta ilha deserta do petróleo jaz
Outra ilha aos nativos espoliada
Proibidos de amar não haverá paz
A minha princesa foi expropriada

E dos nossos tesouros afastados
Das ilhas do petróleo proscritos
Eu e a minha princesa decapitados
Nos interiores dos castelos bonitos

E a luta do nosso amor é irresistível
Nas águas dos rios ainda impolutas
O nosso amor continua incorruptível
Há 40 anos nas maiorias absolutas

E uma palmeira olha o infinito mar
Ó minha princesa já te vou salvar
Já nada mais há para privatizar
E do nosso amor nascerá o revoltar













domingo, 21 de dezembro de 2014

O Paraíso Perdido a Ocidente (14)





À noite depois do jantar fui como habitualmente para o Café do Frederico. Lá estava todo o grupo. Muito animados, comentavam uma pequena crónica do suplemento literário Juvenil do Diário de Lisboa. Quitério era o alvo das atenções. Pensei que estava outra vez metido em sarilhos, porque adorava polémica. Já me preparava para o apoiar, e sempre que necessário, se tivesse argumentos, claro. Mas não. Eram elogios devido a ele ser o autor da crónica que falava do abate de uma árvore. Aqui ganhei-lhe uma grande admiração. Afinal não só dizia o que bem sabia, como também escrevia. Para publicar trabalhos nesse suplemento o rigor era enorme. Aproveitei e cumprimentei o Quitério de modo não habitual. Fiz-lhe uma grande vénia com a cabeça muito inclinada. E todo o grupo em coro me agradeceu:
- Chegou o Zé Maluco!
- Meus senhores acabem com isso. Acho que já é tempo de acabar com o andarmos assim a maltratar o homem. – Lamentou o Quitério.
Ouviu-se na plateia:
 - Aplaudido, aplaudido por maioria silenciosa.
E o Quitério:
- Da discussão nasce a luz ou funde-se a lâmpada. Proponho que a partir de agora o chamemos de fusível.
Foi assim que o meu nome foi alterado para fusível. Perguntei ao Quitério o porquê deste novo nome. Explicou-me que eu andava sempre em risco de queimar os fusíveis e daí o nome. Fiquei-lhe com uma grande raiva e apeteceu-me bater-lhe. Mas ele a rir levou-me à certa. Que fusível sempre era melhor que Zé Maluco. Depois pensando bem, não me preocupei mais com isso. Achei até que era um bom elogio, porque o Quitério elucidou-me que provinha de um grande filósofo da antiguidade, um grego de nome Platão.
Quando os outros intervinham eram interrompidos sistematicamente porque os argumentos do Quitério eram arrasadores. Deixava-os prostrados no terreno das ideias tal era a força de conhecimentos que possuía. A nossa admiração por ele aumentava a cada dia porque já ninguém ousava fazer-lhe frente. Passou a ser o nosso líder incontestado. Acho que se aproveitou dessa circunstância quando anunciou sem meias medidas, como uma ordem:
- Tive uma ideia. Vamos fazer teatro. Vamos começar com Ionesco. Já consegui reunir alguns actores. Os ensaios vão começar dentro em pouco. É importante que saibam que quem nunca esteve nos bastidores, nunca saberá o que é teatro, por isso estudem muito bem as obras de Ionesco.
Aproveitei para saber qual seria o meu papel.
- Como és o fusível vais ficar com a responsabilidade da iluminação. Os ensaios vão começar na próxima semana.
Seguindo as instruções fui ver no Instituto Superior Técnico uma peça de teatro amador que salvo erro tinha por título, As Guerras de Arlequim e o Mangerão, de Bertolt Brecht. Tentei o impossível. Não consegui saber quase nada. Os meus conhecimentos eram muito limitados. Mas insistia. Estava com os Sequestrados de Altona de Sartre. Convencido de que quanto mais estudasse e quando chegasse a hora da nossa representação teatral decerto teríamos êxito considerável.

Mas o Quitério como todos os seres humanos não resistiu aos encantos do amor, da São. Ela era muito encantadora, disso todos sabíamos. Nunca namorou com ninguém e foi uma grande surpresa para todos quando isso aconteceu. Creio que não era muito atraente porque a barriga parecia estar sempre grávida. Os seios ousavam envergonhar o resto do seu corpo porque eram pequenos para um porte tão avantajado. Mas o seu rosto era agradável como uma estátua grega a que alguém tinha eliminado o resto do corpo. Conseguia manter qualquer diálogo com quem quer que fosse. Surpreendia-me tal talento porque nunca a vi ler nenhum livro. No fundo parecia quase Afrodite renascida nos Olivais-Sul. Houve festa na sua casa quando o Quitério foi pedir a sua mão, para surpresa geral. Ela que tinha sido desprezada por todos e quase já na despedida da juventude a caminhar para o templo perdido da gerontologia e por isso mesmo deixava o seu pai muito preocupado, porque ninguém gostava nem queria a sua filha.

De repente o Quitério conseguiu com que a São fosse o alvo de todas as nossas atenções. Passou a ser a nossa Deusa. Quando ela surgia no nosso seio, ele pegava-lhe nas duas mãos e beijava-as com inusitada ternura. A partir daí deixou de conviver connosco, só ocasionalmente. Ela, quando ele foi chamado para cumprir o serviço militar apresentou-se com uma vestimenta de princesa medieval. Parecia um filme sobre a Guinevere. O cabelo longo guardado nas costas. Um vestido transparente que lhe chegava aos pés e deixava a descoberto o seu corpo que ela queria que todos vissem que afinal era sensual. O decote apertado mostrava os seus seios virgens, ávidos para as aventuras do amor. No fundo pretendia demonstrar-nos que era bela e que a sua beleza seria sempre para o Quitério. Sempre à espera dele. Que ele regressasse vivo da guerra do Ultramar.
O Quitério sentenciou:
- E depois de um regresso vertiginoso que encetámos à Idade Média a partir de...
A São interrompeu e exclamou:
- Meu amor não fales agora dessas coisas, o meu coração não suporta tal!
- Sim é verdade, as mulheres são conservadoras por natureza. Não entendo porque é que os governos não as colocam no poder. Acho que o mundo seria bem melhor se elas nos governassem. Mas apesar de tudo, o nosso maior erro foi termos ficado fora da guerra. Deveríamos ter participado na segunda guerra mundial, foi um erro a nossa neutralidade. Orgulhosamente sós na destruição irremediável do nosso dia-a-dia. Destruindo o nosso futuro. Quebrando os restos do espelho dos nossos antepassados.

Entretanto, mantinha correspondência regular com a Belita. Já fazíamos promessas de amor. A nossa correspondência pelo correio, as cartas que enviávamos era muito regular. Quando a imprensa noticiava que chovia muito e que o Tramagal estava a ser afectado, ficava muito preocupado e escrevia logo uma carta. Perguntava como estava a situação. Ela respondia que o Tramagal estava no mesmo sítio. Que o comboio não circulava porque árvores tinham caído sobre a via, e que também alguns desabamentos de terras pioravam mais a situação. 




Fotos:
Da grinalda:  comquemsera.com

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

05-15Dez14. República das torturas, das milícias e das demolições





Diário da cidade dos leilões de escravos

05 de Dezembro
Às 11.30 horas, barril do petróleo cotado nos 66.81 dólares. O xerife de Nottimgham já prepara as suas tropas para a chuva de impostos.
Quando num país se autoriza, legaliza a invasão de estrangeiros, e regra geral aventureiros da pior espécie, esse país acaba sempre por gerar uma violenta resposta de libertação da sua população condenada à mais elementar servidão. Esta invasão estrangeira rapina tudo, incluindo as vidas da população. A repressão acelera-se, há uma perseguição constante sobre as vozes que exigem justiça e liberdade. Para os incautos é bom lembrar sempre que onde há violenta repressão, há também luta de libertação, revolução. Angola, pode-se dizer, está em chamas. Qualquer pobre de espírito e de “pobreza” aqui ordena e daqui rapina a riqueza. Os abutres coloniais devoram Angola e obrigam as suas populações ao acantonamento. Inundam a população de bebida para depois sarcásticos zombarem que os mwangolés são alcoólicos. Roubam-lhes os empregos e depois apregoam que esta gente é preguiçosa, não gosta de trabalhar. E servindo-se deste slogan mandam cartas de chamada para familiares e amigos, sempre sob a troça constante de que: «Estes povos estão muito atrasados.»
19.56 horas. Impressionante, o minimercado Pomobel na rua rei Katyavala está a atirar com o seu lixo para o prédio mais próximo, para indicar que o lixo não lhe pertence. Isto já acontece há muitos anos, que mais se espera numa cidade sem lei? Absolutamente nada! Sim senhor, impressionante como se mantém a impunidade destas quadrilhas empresariais que fazem o que querem. E ninguém tem coragem para lhes fazer frente. Luanda/Angola, adeus terras de ganguesteres.                                                                                              
06 de Dezembro
09.02 horas. Petróleo a… 65.84 dólares. Vivam para sempre as conquistas revolucionárias do nosso glorioso partido marxista-leninista do petróleo. Depender em absoluto do petróleo é uma conquista revolucionária.
07 de Dezembro
Se o nosso presidente de todos os angolanos foi eleito por Deus – assim o bestificam as congregações deificadas de toda a espécie – porque é que os angolanos vegetam na miséria? A explicação é muitos simples: mais uma vez Deus errou! Sim, esta entidade inventada é a que mais erra e a que mais se presta aos desígnios demoníacos dos sacerdotes do Deus demoníaco.
08 de Dezembro
Os tugas até fazem cartões-de-visita. Coisa mais que corriqueira, pois há muito é produção dos mwangolés. Até este emprego lhes roubam?! Tudo lhes serve para provocar confusão, é assim que funciona o ladrão!
“Não vamos fazer da fome do sul de Angola um caso político.” Disse o político Vitor Fontes. Ele até tem razão porque não é um caso político. É muito mais grave do que isso. É mais um caso da corrupção administrativa.
09 de Dezembro
E a chinesa continua todos os dias a carregar o grande saco cheio de kwanzas para depositar no banco. E os pobres mwangolés na penúria alimentar, na arquitectura da fome lamuriam: «Mas como é que ela consegue arranjar tanto dinheiro?!»
A empresa mandou o jovem levantar dinheiro no banco, mas ele não regressou porque os bandidos assaltaram-no e deram-lhe um tiro na cabeça.
10 de Dezembro
E neste dia da fundação do partido sem estruturas – esqueceram-se dos pilares e por isso o edifício desabou mas eles até agora não se deram, nem nunca se aperceberão disso – o nosso glorioso partido da vanguarda do cântico dos abutres, soma derrotas, batalhas perdidas, nunca ganhou uma. Vai cantando os feitos da glória das receitas petrolíferas, dessa coisa efémera.
11 de Dezembro
17.09 horas, petróleo a 60.94 dólares. Mais uma grande chuva de miséria se aproxima.
Atenção! Muita atenção! O índice de hipocrisia está elevadíssimo, não dá para confiar em ninguém. Isto vem a propósito da prisão há alguns dias em local incerto do jovem Nito Alves. A outra é a invasão de estrangeiros que fará com que brevemente teremos um presidente estrangeiro. Este deixa andar está como uma infiltração de água num apartamento que não sustida, reparada a tempo, fará com que se alastre e depois surja uma cratera, uma ravina de vastas proporções.
12 de Dezembro
14.10 horas, petróleo a 59.95 dólares. Que belos tempos, que paraíso nos espera. Que tempos de maravilhas se anunciam. Os idiotas da Igreja e das igrejas dizem que este é o tempo das maravilhas, do tempo da chegada do Senhor… da miséria. Mais um. São tantos os senhores do Deus da miséria que não é possível contabilizá-los.
Quando um governo para a manutenção de um simples passeio na rua contrata estrangeiros, esse governo não nos merece a mínima credibilidade. Não é um governo é um caso perdido.    
13 de Dezembro
O petróleo às 14.20 horas… 57.81 dólares. Vão subir os preços dos combustíveis… vão subir tudo para que isto rebente, acabe de vez. Quem poderá mais sustentar este comunismo demasiado primitivo? NINGUÉM! Nem sequer eles!
Brevemente teremos anúncios – ou já temos – de restaurantes especializados em iguarias de cães e gatos à escolha do cliente. Abatidos e confeccionados pelos melhores especialistas chineses. É por isso que antes víamos cães e gatos a circularem por aqui e de repente desapareceram. É mais por isso que quando os mwangolés se enfrentam com chineses a fritarem carne logo denunciam: «Aquela carne é dos gatos e dos cães que andavam aí e nunca mais ninguém os viu!»
14 de Dezembro
A mana Paulina vai fazer operação ao osso do ouvido na África do Sul. Foi o marido, um chefe da Polícia que lhe bate bwé, deu-lhe um monte de socos, coisa habitual nesta arrepiante cidade das mulheres escravas, martirizadas, e ela não tem como se queixar pois que eles são a lei e resolvem tudo a tiro, quer dizer, o marido vai-lhe encher de balas sem problemas.
Estimado leitor, em Luanda estão-se a formar quadrilhas de crianças. Pelas noites, aí a partir das vinte e duas horas é vê-las nos roubos de sobrevivência. Aproximam-se sorrateiramente de qualquer pessoa distraída e roubam-lhe. Chegam a formar bandos de doze crianças e na zona do Hotel Alameda uma outra criança que vendia bolos teve que fugir, ficou sem nada porque há que matar a fome, e quem assim está nada o detém. As pessoas fugiram da área incluindo as kinguilas. Isto está muito, muito difícil porque os planos da miséria programada dos nossos defensores dos direitos humanos se legitimou, e a fome transformou em ratos aqueles que nada beneficiam das riquezas de Angola. E assim caminhamos para o estado de sítio da cidade policial, como se isso resolvesse alguma coisa. Se não se acabar com a imposição da pobreza, os nossos dias serão de extrema incerteza.
15 de Dezembro
Estão a badalar que o feitiço era nas Lundas, porque agora já está em Luanda. E que o feitiço em Luanda está a matar muita gente porque todos querem ficar ricos de um dia para o outro.
“Olha ao nosso redor… prostitutas, hermafroditas e bajuladores. Este é o nosso exército, agora. Isto… é o que nos resta.” Marco António para Cleópatra, perante a derrota iminente comandada pelo jovem Octávio, o César. In último episódio da série televisiva, Roma.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

As castas das barras de ferro de Luanda







O banco millennium é um ás
Na rua rei Katyavala lança gás
É uma quadrilha muito voraz
Mata-nos, as nossas vidas desfaz

Não se pode conceber, perceber
Pois, é uma tirania democrática
Que só eles têm o régio viver
E nós o momento de desaparecer

Na oposição do galo nos vigarizaram
Serviços prestados não pagaram
E no mutismo não se envergonharam
Outros do dinheiro que mal lavaram

Primo paga-se aos brancos portugueses
Os angolanos são imigrantes ilegais
E os angolanos recebem algumas vezes
Nasceram de relações extraconjugais

A vida dos colonos está a melhorar
Com o dinheiro que nos andam a roubar
Enquanto a corrupção não se derrubar
As ondas das marés humanas o agigantar

As castas do poder nos mandam matar
Porque não nos podemos manifestar
Com tanto petróleo angolano espoliado
E o povo tão abandonado, esfomeado

A palavra de ordem do Poder é saquear
De mais um congresso nada há a esperar
E no final quando a desgraça lhes chegar
Não contem comigo para lhes apoiar
Muito pelo contrário vou-me baldar

Lídimas castas quadrilhas internacionais
Que inventam seminários nacionais
Angola é outra Lampeduza está demais
Polutos servem-nos os poderes judiciais

Honra e glória às nossas heroínas
Laurinda Gouveia foi massacrada
Por botas militares pisoteada
Com barras de ferro amassada
Pela democracia ocidental torturada

E no senhor dos seus exércitos
Vivemos de duas democracias
Uma ocidental e outra africana

A nossa Igreja está de debandada
A rádio da desconfiança comprada
De estrutura corrompida, abalada
De quem não sabe fazer mais nada