quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Os Jasmins da Lwena (25) Como pode uma escrava ser libertada, na liberdade iletrada




Neste mar imenso, profundo, com pessoas rasas, pequenas/ superficiais com meios poderosos imensos e profundos/ lançam dejectos intensos nos mares lamacentos e infecundos.
Enquanto o chapéu de palha que esconde a cabeça do sol quente e teimoso/ avista-se a carroça com as rodas de madeira no caminho cheio de pedras chiando.
O homem sentado quase adormecido chicoteia o cavalo que indiferente arrasta tudo isto seguindo no indiferente caminho/ perdido na escuridão, na solidão sonolenta da minha alma.
Descobriram-me nas Montanhas da Lua/ no monte Quilimanjaro, no Lago Vitória, Tanganica e a minha tanga/ antes deles, passei lá as férias com as minhas amigas/ agora sinto medo do mar estão tubarões nos seus altares dos holocaustos/ nos pedestais, multidões de condenados e esfomeados sofrem os horrores dos ditadores democratas sem democracia noite e dia/ margens adormecidas despertadas pelo mar sem sono/ alto o luar querendo iludir o mar/  perto a aragem da noite revela as sombras dos mangais na vegetação marginal/ depois de uma angustiante e longa ausência fito-me para longe dos tormentos por momentos Indecisa, perdida, que o amor não vê/ corremos loucos uns contra os outros desviamos o encontro dos nossos olhos/ não conseguimos abraçarmo-nos durante um momento e prometemos que seríamos escravos dos novos senhores.
Canso-me tanto destes príncipes e princesas tão distantes e tão próximos sempre com a mesma estrela embandeirada, enganadora Tudo tão próximo, tão distante.
Com petróleo e diamantes em excesso preparo a fuga/ o regresso do insucesso, da ecuménica economia/ quando roubam… é aos milhões. O FMI apoia, lembra que a actual, mundial democracia é demoníaca. Grande invento, esse da democracia para nos continuarem a escravizar subtilmente.
Para as praias da braça das barcas da ignomínia/ mais regresso forçado para os colonizadores, que me esperam além dos Açores/ perdida nas marés negras petrolíferas sem diamantes/ Das forças, forcas policiais, militares e políticas do desespero das crónicas epidemias mortais.
Corria no dia afogado pela chuva, vagueava para não molhar o cabelo/  para não surgir com a minha feminilidade desfeita/ como é belo amar o meu cabelo molhado.
Quando a guerra começou… começou há milénios/ começou com os homens e acabará com eles/ não é significativo pensar que as guerras acabarão porque os homens ainda não acabaram/ mas é significativo pensar que o amor acabará com as guerras.
Esqueci que sou africana, sou uma fulana, mendiga mundana/ salvei um branco da morte, estava pronto para imolar/ pus o meu corpo à sua frente, depois cantou-me uma canção para me desprezar/ e muitos segredos se perderam na Ocidental civilização, arderam/ voltei à escravidão, sem livros na mão/ é o corpo deles que governa, domina o mundo.
Não usam a mente/ não sou produtora, sou caçadora predadora/  dialogo sem pensar/ a farra da minha mente é uma imensa discoteca barulhenta, ferrugenta.
Nos prédios que herdamos dos colonos, revivem/ vivem na gótica imaginação fluorescente do passado/ ando sempre a procurar e encontro-me sempre no mesmo lugar/ não consigo sair, porque não tenho dinheiro para nada adquirir.
Vivo na dimensão do ar, enquanto me deixam respirar/ e na panela de lata importada não encontro nada para me alimentar/ sem ensino não consigo escolar/ não desisto da desgraça enquanto existir a miséria. Estou na penitência, na negra existência do zénite/ não há ninguém que se disponha a lutar e só pensar que existe sempre alguém iluminado/ existirá sempre alguém que nos mostra o despertador. Existirá sempre um Velho Mundo
O Novo Mundo, já ancestral descoberto Com o desejo de acabar, alienar a nossa raça cumpriu-se Em breve passaremos a armazém zoológico extinto A filme de dinossauros e pterodáctilos Assim foi com os Índios americanos com todos Uma exterminação democraticamente eleita porque imperfeita O ouro negro é muito valioso. Eu dourada de negro não Fizeram com que os meus feitiços perdessem o poder, um feitiço atómico destronou-me
Sou bela como flora fora E que se decrete para sempre As mulheres belas, a beleza delas será para sempre Plantada no jardim Universal no regadio da aurora polar
Apesar de tudo a suave brisa marítima paira sob o meu semblante E por vezes as montanhas me parecem humanas Quem diria que nas grandes viagens parecemos mais humanos Quem diria que os seres humanos perdem-se na aventura Quem diria que dos intermináveis diálogos nos tornamos desumanos, selvagens, doces e amargos Quem diria que não podemos sobreviver sem insónias Quem diria que do encorpado final vinhateiro ficaria uma doce recordação
O apogeu, o fausto do Velho Mundo contendia Não entendia a recente civilização, nova do Novo Mundo A época medieval destruiu os resquícios das antigas civilizações, e o homem aprendeu fortemente a cultivar o instinto mortal De rasgar, destruir os povos que viviam em harmonia com a Natureza A gritaria assustava a vida dos mares, dos rios, das montanhas, das florestas: «Onde está o ouro!?.. Onde está o ouro!?» A inocência do húmus na terra guardava-o
Os milhares de cadáveres humanos que não atribuíam valor ao metal da discórdia foram martirizados e abandonados na terra virgem, insatisfeita. A Natureza iniciou a revolta gigantesca que perdura, perdurará, até apagar a tocha do incandescente humano. Não mates para não seres morto!
A meio da manhã serviste-me cacusso que ainda vivia, assado na delícia agitada do carvão em brasa Olhámo-nos profundamente, muito para além das nossas almas Oh!.. como depois foste tão delicioso Quando recebi os teus lábios e espoliei a morada do teu coração
As guerras trabalham a tempo inteiro de manhã… de dia e à noite Foi num desses períodos que perdi para sempre o gosto de amar A guerra dos falsos libertadores Assassinaram o teu amor no Dondo
Ainda resguardei tempo para te ver, enquanto vivias nos relâmpagos da trovoada canhoneada Difundiam as divisões militares da divisão da Nação Depois impediram-me de voltar de te olhar pela última vez Sei que deixaste de existir para sempre numa catacumbal cratera Numa abertura de terra chamada meu amor de Ndalatando
Os nossos gladiadores espadeiravam-se E chamavam-se de movimentos de libertação Andavam na busca do Santo Graal finalmente encontraram-no Escondido no petróleo, no brilho dos diamantes e nas especiais especiarias Das esmeraldas dos nossos corpos preciosas mercadorias que vendiam e revendiam no ciclo vaivém infernal das carnais naus Não se importavam com a exportação corporal do meu belo corpo, atraente e sensual tão natural, carnudo de polpa mangal Quem inventou o ser humano deixou-o com vários curto-circuitos
A escrava nunca esquece a pessoa amada é o amar como uma escrava Sem nunca esperar um sorriso e confiar na espera eterna de um carinho Um beijo nas ondas do meu corpo sem olhar para os teus olhos Conservando o sofrimento das lágrimas quando obediente sigo os teus passos sempre unidos no meu íntimo areal O meu destino é a posta-restante Oiço as vozes celestiais do meu canto perdido nos florestais encantos A minha simplicidade e humildade continuam comoventes Ser ou não ser, eis a questão?! Puro e ledo engano Ter ou não ter eis a imperfeição! do meu Taj Mahal debaixo de cada árvore um templo sem reino, expatriada
O tempo do templo deste outro colonialismo é uma teia e nela continuo enredada Sim! O tempo é um templo, o meu relógio parou já não sei o que são horas Porque demoras Liberdade?!.. Cativa da Santíssima Trindade
Como pode uma escrava ser libertada, na liberdade iletrada
Aos que faleceram com as guerras e levaram guardaram escondem os seus silêncios nas sepulturas Fiz muitas promessas no cume do Quilimanjaro olhei para muito longe e confundi-me Cercada pela savana perdida de verde apenas restava o halo das ditaduras como um astro sem brilho Muito longe, muito longe das promessas que me fizeram Que tudo seria maravilhoso Mas tudo continua muito longe do alto do monte Das promessas teimosas não acontecidas Vejo vultos e imagens sem corpo que não sonhei. Continuo muito longe do teatral perto
Viajo muito na recém opulência das negreiras cavernas das naus Ouvia o comovente embalar salgado da água agitada agora estou na escuridão da terra até ela me voltam a espoliar no regresso da expiação dos crimes da governação
Não construímos, destruímos nações Prometemos, ficamos, africamos, daí não passamos Gloriosamente apreciamos o extinguir da chama Libertadora, opressora que ateámos, e não sabemos mais não podemos controlá-la Apreciamos a luxúria do automóvel brilhante do fato e gravata ocidental. Fazemos muitos internos discursos e a Nação avança com ténues palavras perdidas No vento desolador, nos incomensuráveis desígnios pessoais do chefe africano Povo é uma só pessoa. Povo, objecto de uso, de âmbito pessoal.
Desconhecidos pelos colonizadores que hoje subtilmente são nossos grandes amigos Nos anos da espera que são sempre muitos que Deus deseja primeiro e nós esperamos Ele promete Ramos balsâmicos do eucaliptal na cafreal terra outrora mapeada Da amizade não retribuída é difícil voltar atrás Como são difíceis e complicados estes dias Nos mercados compra-se, vende-se miséria Para viver e sofrer, edifico a minha prostituição a vida fácil, da difícil existência. Corpos nus, no relento ambiental. Tudo o que é matéria tem limites
Tempestades ventosas
Obrigam-me a fazer muitos filhos, na esperança inglória que algum chegue a presidente, ou ministro Não consigo reverter a minha mente colonizada perdida. Perdi a minha identidade cultural Sorrio a minha angústia na companhia feérica dos esgotos Até as praias me roubaram, a África privatizaram
Estes descolonizadores começaram e ainda não se acabaram
No início continuam a ensinar-nos que o mundo é muito bonito Tudo cheio de flores. E que é tão lindo amar no mundo Que merecemos ser felizes e que para isso devemos Ser sinceros como a água pura apenas quando a bebemos e saciamos a sede
Imagem: Aléxia Gamito

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os Jasmins da Lwena (24). Dirigir é tão suave, simples. O ditador complica o que é tão fácil




Como impressionam os discursos que correm os seus trâmites normais sobre as poupanças. Que se deve consciencializar as populações de que as suas poupanças devem seguir para o circuito bancário. Pois… mas quem é que confia nos bancos depois de tão últimos infaustos acontecimentos. É desventura dos aventureiros demasiada! Como é que pode uma população ter poupanças se lhes destroem as casas, espoliam-lhes as terras… ficam sem nada. As poupanças são demolidas… isto é a apologia dos incendiários.


A vida é um forte distúrbio anseio alcoólico. Foge toldada do suave e abrupto nevoeiro do palmar. Onde os álcoois perseguem a nossa existência. Os vapores são intensos, agradáveis intentos. Se conseguimos despertar, despeitados e frustrados abismamos na invasão do torpor, do clamor medíocre, logo existo! Da vitória universal: bêbados de todo o mundo, uni-vos!
A proa da neblina não se rompe, recomeçam as nuvens neuronais da existência, da angústia como veículos na cidade sem luz. Com apenas os seus faróis encandeados em movimento. Como jasmins amarelecidos tentando reencontrar a seiva perdida da vida. Sombras escondidas das noites perdidas. Não há dias, apenas monumentais estátuas estáticas sem alvorecer. Nos olhares vazios, inchados do silêncio perdido algures. Este é o mar, o nosso navegar dos petroleiros alcoólicos.
Como a dificuldade de obter a simplicidade da aragem silenciosa da flor-de-Diana. Natureza abandonada aos fogos florestais. Verde-cinza sem ondulação, no sonolento sol dos dias sem fim.
O rejuvenescer para envelhecer, nascer para recomeçar, morrer sem transformar o que nos rodeia. Aprisionados na cor da nossa dor. Folhas de palmeira pesadas dobradas pelo verde da dor. E o tempo não é eterno. Na tragédia da noite pedi a Deus que me inspirasse. Mas, olhar? Sim! As paredes de casa têm fissuras por onde a minha liberdade pode espreitar.
Reconheci-te fugitiva da janela do avião furtiva. Numa tarde africana sem fim sempre demasiado pálida, sem serenidade, desgastada, com muita chuva tropical. Sempre no sonho que corria para ti e abraçámo-nos. Olhámo-nos durante quase cinquenta anos desta História que nos persegue.
Da doce ternura apunhalada, enquanto a chuva violentava a nossa fragilidade, porque o Universo deixou. É apenas um homem e uma mulher fingindo amarem. Despertei, perdi-te para sempre. É por isso que viajo na esperança de encontrar-te à janela de um avião furtivo.
A minha terra natal era o meu mundo. Lembro-me de sentir a sua força quando caminhava no seu chão fecundo. Agora ando carregada, perfumada, lançada ao imundo. Das gerações sem vida da ditadura angolana, do seu petróleo, dos seus diamantes, do futebol e dos estádios reais inflamados, infamantes.
Era graciosa, sem correntes, aprisionada no trânsito dos riachos, e dos seus jardins celestiais que me ensinavam a ser mulher. Divina como uma sinfonia no capim celestial. Diziam-me que a Natureza era um quadro, uma pintura executada pelos meus antepassados. Que vieram de muito longe, e que os bebés amamentavam-se da seiva das flores. Diziam deles que eram outras frágeis pinturas. Outras criaturas, outras flores no jardim celestial para sempre proibidas de serem colhidas.
Que foi assim que tudo começou no nosso Mundo. Os rios eram serpentes e o sol convidou-os a meditar na vida. Continuava tudo assim até que um ditador vendeu-nos, vendeu os raios do sol que brilhavam nas pedras transparentes. Perdi o presente e hipotequei o meu futuro.
Sentava-me amanhecida no alto do morro do Moco. E esperava que o sol me cativasse. Em baixo as pessoas floresciam na transparência matinal, movendo-se para a tristeza do infinito estender suplicante. Das mãos, do corpo na solução mendicante. Sem rumo, sem universo visual, que jaz no palácio presidencial dele, deles.
O meu quotidiano terminou. Era um conjunto de recordações permanentes. É imperador, rei, o nosso presidente decerto de Shaka Zulu descendente. Em pré guerra civil sempre vivente. Desesperando que o mandato messiânico arquitectado sem eleições presidenciais perdure nas gerações vindouras, perpetuado.
Governar é uma arte, os idiotas acham que não. Com as cabeças de picos agrestes tão distantes. Como uma sensibilidade difícil, onde não se planeja.
Dirigir é tão suave, simples. O ditador complica o que é tão fácil. Não sou independente, ressalto a minha personalidade. Não realizei este sonho… continuo muito infeliz no meu descontentamento porque nunca serei feliz. Proibiram-me de admirar as grandiosas obras de arte que humanos semelhantes produziram, apesar que sou uma obra-prima. Não me deixam transmitir os meus sentimentos. Tudo o que sinto e penso, um oceano de perenidades, uma beleza de imensidades, uma importação de sem serenidades.
Uma ténue demonstração de beleza, uma mostra fugaz de humanidade, da qual o ser humano parece amedrontar-se. E só a demonstra quando vê destruição?! Aí a sua vida parece protegida nesse elo desconhecido. A genialidade despertou-me a maldade da Ocidental civilização atómica. Chegou a independência dos libertadores negros. Com novas promessas, novos colonizadores.
As trombetas tocam, alteram a tranquilidade. Os ditadores comerão as suas palavras e durante milénios serão odiados. Os medíocres acompanhá-los-ão com ou sem quatro estações. Não sou genial, apenas procuro o Caminho da independência que me espoliaram. Nem nas ruas posso vender para sobreviver, porque logo soltam os cães e todos me querem morder.
Desta minha desgraça, o petróleo enegrece-me. O sol reflecte-se na pele branca, na minha absorve-se. De manhã sou azul do céu, à tarde amarela do sol, à noite sou chocolate Jasmim da Noite.
Algo tão fundamental como o amor, que aparece tão distante, longínquo. Como por vezes me parece o meu desespero. Tanta maldade me fizeram e fazem, desfazem-me.
Não acredito em nada!
Não surge ninguém em quem acreditar. Só ditadores e corruptos eleitos nas falsas eleições que o Ocidente me impõe. Acredito em mim como um ser divino. Procuro o apoio, a saída da desesperança da tortura das palavras dos meus manos intelectuais (!)
Das torturas, tonturas do meu coração. Alguém em quem confiar com todas as minhas forças. Acreditar, confiar, amar ninguém. Que esteja sempre por perto e me diga: Levanta-te e caminha que te amparo, no infinito dos céus e dos tempos. No finito terror bancário dos números sem universo.
Vieram para descobrir as riquezas, o cheiro da vida do solo.
Depois da Gonduana chuva caída, e do meu grito de vitória da águia ao pairar nas alturas, descer e caçar a presa sem amargura. No som do silêncio da água do rio sombreado pelas verdes, esvoaçantes ramagens das aves, nas naves nidificadas. Depois ele desmatou.
El Che chegou, mentiu-me, não me libertou.
A minha amiga condessa de Monte Cristo ensinou-me: usa o sorriso da Mona Lisa e espera até conseguires reaver tudo o que nos hostilizam. Os bancos roubam, roubam-nos, assaltam-nos. Ficámos invisíveis, transparentes, uma coisa é impossível nos roubarem… a fome.
Estava deitada em cima do fim-de-semana. Na praia o meu corpo saboreava a areia demasiado atraente, quente do sol. Senti um estranho impulso a correr para a transparência da água. Mergulhei rapidamente, mergulhando cada vez mais. Estava prestes do fundo quando abri os olhos ávidos de crianças que não viam o futuro nos campos de concentração angolanos. Sentei-me no fundo marinho para sempre a pensar que é nos silêncios ondulatórios que nascem as reflexões. Perdi a coragem de regressar à superfície.
Sou pura e límpida como a noite. A sua beleza persegue-me com o aroma da minha vaidade. Falo, ordeno às florestas que dancem. As minhas histórias chegam do céu. Não preciso de melhorar a minha beleza, nem o meu aspecto, gosto dos meus olhos escuros. Sou bela como a noite. Passeio no mar, da ondulada vegetação plantada. As montanhas, os montes, os campos, obedecem aos meus desejos, ao caminho sem amor eterno do meu paraíso perdido. Os tesouros da vida que me roubam depositam-nos nos bancos deles das ordens superiores, hostilizam e espoliam neste terror negro incomparável. A glória perdida jamais volta, enterra-se nos museus.
Receamo-nos, evitamo-nos como se fôssemos assassinos. Viajo no tempo da dissensão, as leis da física atrapalham-me, durmo à beira da electrocussão. Nos sinais luminosos extemporâneos do amanhã, porque não consigo saltar, soltar-me desta dimensão. Estendo os braços, fecho os olhos na direcção do porto mais visível do espaço. Aí sempre começa e acaba o meu diálogo. Venham meus tesouros da selva, sigam-me! Sigam-me! Recordemos o enigma da chaminé das ruínas da nossa civilização no Zimbabué.
Carregar no gatilho é fácil, carregar na mente é difícil.
Quando ando, gosto de entregar, sentir saltar os meus seios, desprendê-los ao salutar, saudável retorno solar.
Garantem-me que a guerra é necessária e que o homem é necessário para ela, para que haja violência nas palavras. Guerra!.. Na minha África (?) do contrabando de armas, e dos campeões do poder corrupto e vitalício. Como rochas afastando-se do luar antes da tempestade.
E a chama do fogão possuindo a cafeteira líquida antes da ebulição. O fardo pesado na formiga leve antes da fome dos Invernos sem vida. O sol vigoroso brincando com as folhas das árvores antes das queimadas. Negros que deixaram de ser homens perseguidos pelo sono das madrugadas, sempre caminhando antes do sol nascer. A encosta deixando rolar a pedra antes do solo plano. O barulho do cair da chuva no fritar das batatas antes de tragadas.
Os esgotos não canalizam, edificam a democracia incipiente. Sim! O ar livre dos esgotos esgota o caudal democrático na refulgente riqueza dos novos-ricos do petróleo, do diamante luminescente. Riqueza incomparável na pobreza miserável. Os meus pés da fome não andam, rastejam como as serpentes que enfeitiçam nos trilhos dos caminhos sinuosos, impetuosos soçobram os rios auríferos, petrolíferos, diamantíferos. Nos pontos fracos dos calcanhares ricos resta-me a realeza dos tormentos dos lamentos intemporais. Tanta riqueza à minha volta nesta cidade sem revolta. Vejam! A pobreza deixou de ser tristeza.
Imagem: Aléxia Gamito

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Os Jasmins da Lwena (23) Querem-me sem instrução para a escravidão.



Com dignidade suporto os desprezos da independência lançados pela FAMÍLIA, e pela desprezível diplomacia da Ocidental hipocrisia. Outra vez na condição desumana ultrajada, arrastam-me na negra existência. Sim, sou negra como o terrorismo internacional que vos persegue, e vos atormentará. Querem-me sem instrução para a escravidão. A minha liberdade é o luar da noite angular, angolar. Mancharam a minha beleza, deixaram-me alvar, secar. Sou negra na indigna independência inventada só deles, sem hino, sem bandeira, é independência?! Não! É apenas um pardieiro de multidões famintas e de comandantes de campos de concentração de exterminação 11 de Novembro, da luta de libertação ainda não encetada.

Pocahontas
Acompanhei a minha amiga Pocahontas a Londres. Fomos recebidas pelo rei Jaime I e Ana da Dinamarca. Os ingleses olhavam-nos como… como jasmins exóticos. Entrámos na corte erigidas pela melodia, heroína expressiva, melódica da música barroca. À nossa dignidade principesca passagem, a nobreza desconjuntava-se nas maneiristas vénias do palácio real de Whitehall. Acabámos o percurso do chão recto axadrezado. Ajoelhamo-nos majestosamente aos pés dos reis do mundo. Depois a minha amiga Pocahontas segredou-me: O amor não nasce, está dentro de nós porque ambas sabemos perdoar. Éramos, era, mais uma princesa arrebatada ao Novo Mundo. Vida nova apresentada na corte da lisonja. Novo Mundo, novas riquezas.
As proezas dos heróis elisabetanos, vitorianos que serão versificados, imortalizados. Os feitos dos nossos heróis permanecerão ridicularizados.
Pocahontas faleceu dois anos depois, com vinte e dois. Deixou de fazer orações e vénias à pureza das árvores, e águias que amava. Vítima da impureza humana, tudo! Toda a poesia da vida Powhatan na Virgínia esmoreceu.


Phillis Wheatley
A saudade dói, é uma ferida ao lembrar o valor da amizade de uma amiga. Um caçador de escravos privou-a da liberdade com apenas oito anos. Obrigaram-na a não apanhar mais mangas, abacaxis, bananas, as frutas dos selvagens.
Perdeu para sempre o interior, os segredos do feitiço da sua Mãe, a selva africana. Embarcou órfã na mãe negreira. Oh! Não me façam mal! Prometo nunca mais fugir dos brancos.
Não subirei mais às costas das palmeiras. Não mais me refrescarei, saciarei na água dos cocos. Porque não mais os verei, comerei. Os meus pais, irmãos, amigas, recordarei. As marés nas areias não abraçarei. A manhã está tão cercada, sombreada irreal. Desnudou-se para me saudar. Vejo a proa do navio negreiro que me há-de levar, a deslizar. Não há, não vejo, não vem ninguém para me apoiar, ajudar a salvar. A margem afasta-se, acho que me envia um sorriso. Já estamos longe. Não sabia que o mar era assim grande, tão imenso. Ainda bem que o navio negreiro não tem medo dele, parecem tão amigos. Deve ter muitas mãos que o seguram, senão afundava-se. Sinto medo desta grandeza e desato a chorar. O traficante de escravos grita-me. A sua voz é tão potente que o oceano treme: «Ó especial especiaria recolhe-te no cubículo!!!» Gravou na memória os sulcos da proa negreira que rompia avidamente as correntes marítimas. As vagas revoltadas acompanhavam a pressa da chegada sem destino. De tão longe conhecida aportou em Boston, um Novo Mundo desconhecido. Alguns dos modernos navios negreiros que refazem a rota antes africanizada, juram com pavor que viram um navio fantasma, o Wheatley voador. Um comerciante rico comprou-a, ofertou-a como criada para a sua esposa. O senhor dos escravos nunca poderia saber que importou, comprou uma poetisa, um condor. As plantações das ilusões escravizam-nos, como multidões. A senhora deu-lhe a estudar geografia, história e latim. Se todos estudassem… aos treze anos demonstrou afamada poesia. Com vinte anos na Inglaterra publicou-a. Exótica africana com escala no Novo Mundo, Phillis Wheatley acabou na lei da selva. Trinta e um anos de fervor cristianizado, imposto, longe do calor silencioso, da brisa acariciante, selvagem terna dos rios engolidos pelos vales da poesia negra. Apagada, desconhecida, viva no seu coração negro, conhecida nos seus pensamentos, de muito claros e intensos movimentos.


Tatiana Rusesabagina
O feitiço do Ruanda uniu-nos quando abracei a minha querida amiga Tatiana Rusesabagina. Resta sempre a lembrança da Ocidental matança. Que as guerras dos negros só a eles pertencem. Têm o direito ancestral adquirido de se matarem como bem entenderem. É a guerra deles, é entre eles. Que se matem, que óptimo! Exterminarem-se! Quantos mais melhor porque incomodam muito. São desvios da civilização, convertidos à força, à forca do cristianismo. Como sempre os brancos fugiram. Deixaram, abandonaram nas ruas feitas de pó que não se comoviam perante os necrotérios. Cemitérios ao ar livre, improvisados, massacrados, esquartejados, assim ficaram os corpos, e os seus restos abandonados. Desprotegidos, entregues ao sol que no solo os requeimava, decompunha-os. Parecia tudo tão irreal, como sementes lançadas à terra sem estar lavrada. Agricultores loucos que plantam cadáveres e aguardam que nasçam plantas para renovar, continuar a matar. Estimular o ódio para que sirva de pretexto ao genocídio e depois apelidá-lo de Estados Bárbaros. Antes eram as cruzadas para libertar Jerusalém, agora são para libertar negros, e todos os dias há cruzadas negras, matanças de pagãos. Cadáveres espalhados, habituados porque perderam a importância, ganharam o desprezo da abundância. A África Negra é um Ruanda diário.
Os campeões da democracia são perenes na convivência, conveniência, apoiam as ditaduras amigas que garantem a sua sobrevivência. É como a literatura militante, defende o passado, obscurece o presente, elimina o futuro.
Somos nómadas, passamos o destempero a fugir dos tiros e das catanas. Somos alimento para chacais, hienas e abutres. E os partidos políticos partem-se na mama da dinheirama. Há muitos brilhos, mas os sonhos permanecem escuros, obscuros.


Aretha Franklin
E de glória me glorifiquei quando a Aretha santifiquei e no seu halo me cantou. Espiritualizou o reino da Rainha da minha alma. Não canta para nós, encanta Deus. Ela transferiu-me a dimensão da Paixão do esconderijo evangélico. Quando enfrentamos problemas, redobremos, cantemos, cantemos!
Os governantes oprimem os povos. Queremos uma resposta, não duvidamos da aposta da intolerância da fome. Governar é esfomear! E os espirituais são uma Aretha de alerta. As vozes tão celestiais, tão, tão… espiritualmente negras.
Deus ofereceu a distinção negra à melodiosa Negra, com voz tão imortalizada, tão celeste. Se essa voz é o Céu, quero ir já para lá. Há dois Céus: um do Senhor, outro da Aretha, adoro ambos. Aretha segredou-me o porquê do sorrir, do estender do seu dedo: «Indico o bom caminho da Redenção. Só há um Deus no Caminho do abrir um sorriso no meu dedo» Embeveci-me, acho que me clarifiquei muito bem: «Aretha! É fácil apontar para a degradação moral e social mas o nosso olhar rebaixa-se perante quem governa tão mal» Experimentámos um barco pacífico a remos e remámos no lago de águas remadas, acalmadas, aclamadas, e o Senhor evangelizou as águas angélicas. Pregou aos jasmins e as águas muito suavemente agitaram-se, intensamente penetradas, perfumadas. E revelaram-se e possuíram todo o vivente. E todos rejubilaram. Deus existe sim senhor! Revelou-se!  Aretha Franklin, encomenda do hino da festa especial de Deus. E o Mestre das Estátuas deu-lhe som e tom, esculturou-a Universal.

Dos meus idiomas suaíli, bambara, ioruba, umbundu, kimbundu, fizeram, inventaram um parque jurássico amacacado. A mareante escolha, dos escolhos da especial especiaria. A primeira descoberta que os mareantes, navegantes em terra toparam de chofre foi a minha sensual nudez. Há séculos que fui descoberta, quase, quando chegaram a coberto na coberta das naus e não viram que me descobriram, já estava há muito descoberta. Na nudez que inventei gritaram-me cafreal quando impus o biquíni, no nu, na nua quente céltica ritual africana floresta. Ainda conservo o quente da tez, da minha nudez.
Continuo lenda tua, Montanhas Lendárias da Lua. Não acreditavam que os cumes do Kilimanjaro nevavam.
O meu nome é muitos nomes inventados: Indígena, nativa, cafre, gentia, negra, macaca, escura. E na região da religião… demónio. Violentada dos que vieram dos mares violentos e viram outros calmos. Não tínhamos que trabalhar, a Natureza era o nosso senhor.
Chamaram-me cafre porque amo as cachoeiras. E ouviram-me falar com as minhas amigas dos troncos, das ramagens e folhas verdes, das águas dos rios e das árvores. Inventaram o recuo do tempo porque não tínhamos palácios iguais aos deles. Os edifícios que os nossos deuses construíram são o que resta da civilização branca. Redescobriram os velhos mares antes navegados, ainda hoje estou encoberta, por isso teimam que continuo descoberta. Era, sou diferente por causa do amarelo tórrido do disco solar, equatorial tropical.
A púrpura das Montanhas da Lua atira os cumes da nobreza da pérola. Tenho esperança em dias piores. A vida é muito simples mas complicamo-la. Sem pensar, preferimos a dor da perda da voz, da fuga com passos apressados, incertos, incerta vou, onde ninguém me espera.
Neste lado deste lago estou na ansiedade do peixe sem água. A sua mágoa nadou na noite fria, lamento-lhe o chorar. Porque não me limpam o meu mar de lágrimas?! O meu amor negro trocou-me por uma branca, por outro amor. Aguardo exausta que Job me recompense, que ouvirei os anjos no céu cantarem. Que estarei muito perto deles como aqueles que acreditaram em mim e fugiram do desprezo. Como farão todos os que esperavam o fim da escravidão. Que aparece, perece, parece que só depois da morte. Que triste final acreditar sempre na invenção dos homens… um não! São muitos lobos disfarçados, mas onde estás tu?! Porque não me dás uma esperança? Basta uma ténue recordação para ousar ser feliz. A verdade é como os restos de um espelho que restou do construir, e assim nos ensinaram a desistir, a destruir. Só nos reconhecemos quando estamos frente das suas ruínas.

Imagem Pocahontas: co.henrico.va.us
Imagem  Phillis Wheatley: pwacleveland.org
Imagem: Tatiana Rusesabagina: sageslowdive.blogspot.com
Imagem: Aretha Franklin:  rappamelo.com