sábado, 4 de julho de 2015

O REI DO PETRÓLEO (02)




RCE - República dos Comités de Especialidade, algures no Golfo da Guiné.

De um intelectual africano da RDC-República Democrática do Congo, durante um debate em Luanda. “O Japão nunca foi colonizado, depois dos primeiros contactos com os americanos, os japoneses admiravam e queriam saber porque é que a Europa era muito forte. Então decidiram traduzir os livros de filosofia, antropologia e outros e estudá-los, e finalmente descobriram porque é que a Europa era muito forte: porque os seus pensamentos duravam muito tempo… os dirigentes africanos assassinam os seus intelectuais porque têm receio que eles tomem o poder, quando na verdade os intelectuais são críticos e não aspiram ao poder.”
A ONU diz que a África perde anualmente sessenta biliões de dólares devido à corrupção.
Isaías Samakuva, presidente da Unita, disse numa conferência de imprensa em Benguela, que ao encontrar-se com um grupo de jovens alunos da oitava classe, perguntou-lhes quantos são cinco vezes quatro. Os alunos recuaram e alguns responderam que são nove.
José Patrocinio, dirigente da Omunga, uma associação cívica de Benguela, escapou à última da hora de ser assassinado por atropelamento por um camião conduzido por um chinês, (!) porque à última da hora ele desistiu de esmagar a motorizada com que normalmente José Patrocinio se desloca.

O Rei do Petróleo está no seu palácio – ele raramente dele sai, vive lá como um eremita palaciano – a analisar os fracos rendimentos do petróleo, porque a maré petrolífera estava sempre em alta, a encher, os preços baixaram e a maré está a vazar e não se sabe quando vai terminar. Naturalmente assim permanecerá porque o petróleo, como tudo, também acaba. Só os otários que nele tudo apostam e dele dependem porque não sabem fazer mais nada, preferindo viver à sombra e água fresca. E depois surge o desastre já devidamente anunciado por quem entende da matéria. O Rei do Petróleo, ou o Rei da baixa do Petróleo?, tinha uma maneira muito atípica de governar. Enviava os colaboradores que faziam parte da sua equipa palaciana por todo o país, como modernos arautos que lhes faziam relatórios, - ele não governava por decretos, ele era o governo, um super-homem que governava por relatórios e ordens superiores onde neles se lia que na república tudo ia, tudo estava muito bem, tudo funcionava normalmente como num paraíso, e que as populações estavam contentíssimas com a governação. E o Rei do Petróleo sentia-se felicíssimo pelas suas altas qualidades de líder, porque no mundo – apesar de ser considerado pela revista Forbes, como o segundo pior governante africano – não existia ninguém que o ultrapassasse em intelecto governativo. Até dava lições de democracia a países africanos, que quando algum presidente violasse a sua constituição para permanecer no poder, ele logo ensinava que não, não senhor, não deve ser assim. Que o poder tem que ser conquistado por via de eleições livres e justas porque sem isso não há democracia. E que o presidente ao defraudar as regras eleitorais para usurpar o poder defendia democraticamente que a oposição deve negociar com ele.
E como a maré vazava fortemente, quase que se via o fundo do mar do petróleo, não permitindo nele nadar, o Rei do Petróleo fazia cortes e mais cortes fora do OGP – Orçamento Geral sem Petróleo. O último foi na empresa do lixo, a Elisal, pertencente à sua filha, a princesa Bela do Petróleo, assim cognominada devido à beleza do dinheiro do petróleo, pois quem fica sentado à espera dos seus lucros, é uma beleza, não é?! Os trabalhadores dessa empresa de limpeza repentinamente sem qualquer comunicação do comité de especialidade médico ficaram sem assistência médica. Amigo leitor, é fácil verificar que quem anda, melhor, nada no lixo sem assistência médica é como se fosse um assassinato dos desgraçados que nem dinheiro de um barril de petróleo têm. Claro que eles fizeram muito bem em decretar greve.
A crise continuava, o seu cerco apertava, mas isso não afectava em nada a Bela do Petróleo, que comprou uma empresa portuguesa apenas por duzentos milhões de dólares.
Tudo estava cansado, mas o Rei do Petróleo acreditava ser amado. No seu palácio fechado, fortemente guardado e ele maniacamente escoltado, apercebeu-se de alguns zunzuns sobre uma insurreição popular que marchava, se revoltava, e por precaução ordenou reforçar a sua guarda com o dobro de homens, tal e qual como fazem todos os déspotas antes do seu trágico final. Sim, governar pela força das armas é o anunciar projectos da má velha vida, onde qualquer opinião contrária é de imediato castrada.
Não muito longe do palácio ouviu-se um tiro. Era de um assalto seguido do roubo de uma viatura de uma jovem que estupefacta, pois estava muito próxima de uma esquadra móvel da polícia, dirigiu-se-lhe e perguntou se não viram o que se passou, ao que um polícia respondeu que não viu nada. A jovem já aterrorizada ainda conseguiu perguntar se não ouviram o tiro, ao que o mesmo polícia respondeu que também não ouviu nada de anormal. E a jovem já a tremer terminou dizendo que como é possível se os bandidos roubaram o meu carro e deram um tiro mesmo aqui ao pé de vocês? Mas o polícia insistiu que ele e os seus colegas não viram nem ouviam nada. Naturalmente que a polícia segue os ensinamentos do Rei do Petróleo que na República dos Comités de Especialidade tudo está bem.
No exterior do palácio ouvia-se numa rádio que uma parturiente numa maternidade já prestes a dar à luz, era torturada sem dó nem piedade.
O Rei do Petróleo firmou relatório em jeito de decreto – ele afogava-se em relatórios – que criava duas classes: uma casta dos detentores do petróleo e demais riquezas e outra classe dos abandonados que a nada tinham direito. Na verdade tinham apenas um direito: o de morrerem à fome.
O Rei do Petróleo era acérrimo defensor da política do caos, porque onde este sistema existe matar é muito fácil, passa despercebido e como os meios de informação eram seus, quase de propriedade pessoal, na verdade ele era dono de tudo, com o caos implantado fácil era dominar a opinião pública. O cúmulo da corrupção elevou-se a tal nível que a Igreja e as igrejas organizavam manifestações em sua honra, enviando para o lixo os evangelhos porque mostravam fotos suas nas manifestações e nos altares da Igreja e das igrejas. Os pastores corrompidos abençoavam o Rei do Petróleo, oravam e obrigavam os crentes também a fazê-lo dando-lhes a conhecer a boa-nova que o Rei do Petróleo foi enviado por Deus para salvar e manter Angola em paz, livre de manifestantes e das suas manifestações. Inclusive ensinando-lhes que Deus estava contra as manifestações e ordenava prender e torturar quem ousasse se manifestar. E que sempre que alguém este decreto divino contestasse, era-lhes dito que em Angola existem duas constituições: uma terrena para o povo e outra divina redigida por Deus para utilização exclusiva do divinizado Rei do Petróleo. Por aqui facilmente se vê que era impossível uma transição pacífica para a democracia, porque a ditadura do poder de Deus jamais o consente.
O Rei do Petróleo tinha dois punhais cravados no seu corpo. Um era o célebre activista Manuel Nito Alves, o outro era o celebérrimo denunciador da corrupção, o cavaleiro sem medo, Rafael Marques de Morais. Bastava ouvir os seus nomes para que o Rei do Petróleo ficasse com dores no estômago, na cabeça e medonhos desarranjos intestinais. Ainda mais quando Manuel Nito Alves lhe chamava de ditador nojento e de lhe jurar que faria com que ele e a sua equipa repressiva e torturadora caíssem do poder através de uma insurreição da população.
E o Rei do Petróleo ria-se imenso das lamúrias da oposição porque ela não tinha poder de manifestação.

Perante estes notáveis factos e invocando o poder da crise de que não há dinheiro, o Rei do Petróleo decidiu comprar com o dinheiro da fome do povo, um bruto jacto particular que custou apenas sessenta e dois milhões e quinhentos mil dólares, com autonomia ilimitada, tipo reactores movidos a energia nuclear, para o que desse e viesse, isto é: preparar a sua fuga e dos seus mais chegados, pois as coisas iam de mal a pior e homem prevenido vale por dois, ou mais. Então quando a hora do assalto ao palácio iniciar é só correr para o avião e bazar a grande velocidade para um país que o acolherá de braços abertos, provavelmente os homólogos da Coreia do Norte.

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