terça-feira, 15 de setembro de 2015

O REI DO PETRÓLEO (08)


RCE - República dos Comités de Especialidade, algures no Golfo da Guiné.

Para explicar o colapso económico da RCE, a fórmula é muito simples: se tudo depende do petróleo, tudo vai falir.
Se os chineses reentrarem aos milhares, ou milhões, em força, os mwangolés rapidamente serão dizimados e as riquezas de Angola saqueadas como nunca jamais visto. Carregarão tudo para a China, e tal como aconteceu nos Estados Unidos da América com os Índios, tal acontecerá com os mwangolés que sobrarem nas reservas criadas, isto é, os jardins zoológicos. Antes, pela Europa e pelo mundo os mwangolés ostentavam a sua falsa riqueza, brevemente andrajosos mendigarão a desgraça da sua pobreza.
Golpe de estado na energia eléctrica. Depois de trinta dias sem falhas de energia eléctrica, o regime dos anos sessenta castigou-nos com treze horas de escuridão nas nossas cavernas. Há três dias que estamos na angústia, sem água. Conseguimos a quinhentos metros de distância no depósito subterrâneo de uma vizinha amiga, cento e sessenta litros de água, distribuídos por oito recipientes de vinte litros que um tarefeiro carregou até ao nosso quarto andar, por mil kwanzas. E dizem que esta falta de água será por duas semanas. Como os chineses estão para aí a trabalhar na manutenção dos serviços da água, ou na nossa rápida exterminação que pelos vistos tudo indica que sim, pois os chineses estão aqui para nos saquearam e nos aniquilarem.
As moscas verdes sentem-se muito felizes, muito orgulhosas pela atenção que o Rei do Petróleo lhes dá, com as novas centralidades do lixo de renda muito baixa. A baixa altitude, de voos rasantes sobrevoam, invadem, atacam o palácio. Como já fazem parte do salutar ambiente, ninguém lhes liga, apenas o único combate que lhes fazem é enxotá-las com as mãos, mas elas logo voltam. Vida de mosca é mesmo assim, é o desenvolvimento económico e social no seu apogeu.
Estão muito mal enganados os que afirmam que isto é uma ditadura. Não, não o é. Muito pelo contrário, é uma aventura dos anos sessenta. A RCE é, e pode-se dizer toda a África negra, são muito saudosistas dos anos sessenta e deles não querem sair. Esta África é uma sucessão de colonialismos porque muita gente continua a desaparecer por motivos religiosos e políticos.
Há debate no palácio, o tema é: como derrubar a oposição. A sala está inundada, apenas a generais reservada, e de outras forças similares fardada. Com semblantes de apocalipse, como se a RCE estivesse no final dos tempos, esperando a vinda de Satanás, de mais chacinas, de mais demolições dos casebres, em suma, os eleitos pela fé da Igreja e das igrejas estavam no altar de Deus, e assim punham e dispunham dos destinos da população da RCE.
Como convinha a sala estava engalanada de vermelho vivo a lembrar a tragédia do sangue dos mártires que não parava, pelo contrário muito aumentava, transbordava. O púlpito, ou melhor, o altar já estava devidamente construído e paramentado por chineses que trabalharam dia e noite para que o Rei do Petróleo discursasse, a cerimónia inaugurasse. Mais um célebre discurso do também célebre divino arquitecto. O Rei entrou. Antes disso as redondezas num raio de vários quilómetros foram passadas a pente fino, melhor, a pentes finos, e centenas de militares da guarda palaciana com equipamentos de guerra como se a terceira guerra mundial eclodisse de um momento para o outro, entrincheirados para contra-atacar a população que a todo o momento se preparava para se revoltar. Quer dizer, a população recebia o tratamento de terrorista e, como tal podia-se dizimar à vontade. Já no altar o Rei do Petróleo começa o seu hino, a celebrar:
- Caros camaradas! Os gigantescos empréstimos chineses que celebrei no mais alto sigilo têm uma componente importante: Os nossos queridos amigos chineses exigem que para poderem funcionar à vontade na RCE, teremos que extinguir as vozes que se elevam mais alto que as nossas e deles. Assim, ao longo do tempo os nossos serviços de segurança têm acompanhado as diversas tentativas de golpes de estado planeadas pela oposição. Esta gente não sabe viver em democracia e nós temos que lhe ensinar como funcionam as nossas instituições democráticas. Quase há cinquenta anos no poder só nós sabemos como se governa e isso vê-se nas nossas grandiosas infra-estruturas que montámos. Escolas, hospitais, estradas, água, energia eléctrica, pleno emprego, recolha do lixo, formação profissional, o fim da miséria e da fome, são exemplos que abundam por aí. Toda a gente o vê, salta à vista, mas essa oposição sedenta do sangue dos golpes de estado, preparou nas trevas das noites um grupo de jovens que especializou nas artes militares e nas artes de tropas especiais… são comandos, tropas de intervenção rápida que depois de actuarem, aparecerão os seus chefes, os cabeças dos partidos políticos da oposição para reivindicarem o poder sufragado finalmente por uma insurreição popular. Os nossos serviços de segurança seguem-lhes os passos, os movimentos dia e noite e em breve as nossas prisões serão insuficientes para tantas detenções em massa que faremos. Já temos dois jovens oficiais subalternos implicados na tentativa de derrube do meu poder. Apesar do óptimo trabalho realizado em defesa da legalidade democrática, isso ainda não é suficiente. Para acabarmos com a oposição definitivamente necessitamos de um peixe graúdo… caros camaradas, só com a detenção, o sacrifício patriótico de um general que defenda a nossa causa… os camaradas estão a perceber, não é?!, então sim teremos motivos mais que suficientes para erradicar de vez do nosso mapa essa torpe oposição que impede por todos os meios o nosso digno e exemplar trabalho. Na vossa actuação sejam discretos. Mantenham-se firmes e vigilantes, usem de todos os meios que a Constituição lhes reserva para a derradeira caça ao homem. Devo esclarecer que os quinze jovens mais um, apodrecerão lentamente na doçura da prisão. Caros camaradas! Declaro aberta a época da caça à oposição!
Depois, num ápice a RCE transformou-se num quartel militar nacional. Tudo e todos estavam sujeitos a um apertado, rigoroso controlo militar cercado. A RCE parecia uma fábrica de armamento e fardamento militares.
Sem se dar conta o Rei do Petróleo comete o erro de todo o filho de deus na terra. Como mau treinador, trata o seu povo como uma equipa de futebol fraca, muito fácil de vencer.
Depois, creio que está impossível, no fim, o como sobreviver numa cidade de bêbados. Esta cidade está escrava do álcool. Já se vê nas lápides: Aqui jaz morto na fogueira do álcool mais um combatente que dele não se conseguiu libertar.
Via-se noutra lápide: os tempos da bebedeira proclamam a nossa bandeira. E ainda noutra: preparem-se na resignação da chinesa escravidão.
Os crentes das igrejas afirmam fanaticamente que na oração está a salvação. Os crentes das confrarias alcoólicas dizem que na alcoolização está a nossa salvação. Em quem confiar então?!
As imposições dos empréstimos chineses mandavam, comandavam nas demolições dos casebres que continuavam em larga escala, mostrando por todos os lados paisagens de destruições ciclónicas, ou destroços de violentas guerras. As vítimas eram consideradas como coisas sem importância, e as crianças não tinham futuro, apenas o da morte, ficavam abandonadas à sua sorte. Se antes nos tempos de ouro do petróleo já era como se não existissem, agora com os preços do brent a estatelarem-se no tapete as crianças caiem como moscas abatidas por insecticidas.

E quando estas coisas acontecem as pessoas ficam possessas pelo demónio, que afinal existe, pois na luta entre a vida e a morte o demónio está sempre presente, consorte. Como sobreviver num gigantesco cárcere cercado de lixo por todos os lados, que até já impede a ida à consulta pelo menos num hospital. Com tanta miséria e fome a luta pela sobrevivência arvora a sua bandeira da maldade. Sim, isto está um campo de batalha da maldade, da morte há muito anunciada. 

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