RCE - República dos Comités de
Especialidade, algures no Golfo da Guiné.
Para explicar o colapso económico da RCE, a
fórmula é muito simples: se tudo depende do petróleo, tudo vai falir.
Se os chineses reentrarem aos milhares, ou milhões,
em força, os mwangolés rapidamente serão dizimados e as riquezas de Angola
saqueadas como nunca jamais visto. Carregarão tudo para a China, e tal como
aconteceu nos Estados Unidos da América com os Índios, tal acontecerá com os mwangolés
que sobrarem nas reservas criadas, isto é, os jardins zoológicos. Antes, pela
Europa e pelo mundo os mwangolés ostentavam a sua falsa riqueza, brevemente andrajosos
mendigarão a desgraça da sua pobreza.
Golpe de estado na energia eléctrica. Depois de
trinta dias sem falhas de energia eléctrica, o regime dos anos sessenta
castigou-nos com treze horas de escuridão nas nossas cavernas. Há três dias que
estamos na angústia, sem água. Conseguimos a quinhentos metros de distância no
depósito subterrâneo de uma vizinha amiga, cento e sessenta litros de água,
distribuídos por oito recipientes de vinte litros que um tarefeiro carregou até
ao nosso quarto andar, por mil kwanzas. E dizem que esta falta de água será por
duas semanas. Como os chineses estão para aí a trabalhar na manutenção dos serviços
da água, ou na nossa rápida exterminação que pelos vistos tudo indica que sim,
pois os chineses estão aqui para nos saquearam e nos aniquilarem.
As moscas verdes sentem-se muito felizes, muito
orgulhosas pela atenção que o Rei do Petróleo lhes dá, com as novas
centralidades do lixo de renda muito baixa. A baixa altitude, de voos rasantes
sobrevoam, invadem, atacam o palácio. Como já fazem parte do salutar ambiente,
ninguém lhes liga, apenas o único combate que lhes fazem é enxotá-las com as
mãos, mas elas logo voltam. Vida de mosca é mesmo assim, é o desenvolvimento
económico e social no seu apogeu.
Estão muito mal enganados os que afirmam que
isto é uma ditadura. Não, não o é. Muito pelo contrário, é uma aventura dos
anos sessenta. A RCE é, e pode-se dizer toda a África negra, são muito
saudosistas dos anos sessenta e deles não querem sair. Esta África é uma
sucessão de colonialismos porque muita gente continua a desaparecer por motivos
religiosos e políticos.
Há debate no palácio, o tema é: como derrubar a
oposição. A sala está inundada, apenas a generais reservada, e de outras forças
similares fardada. Com semblantes de apocalipse, como se a RCE estivesse no
final dos tempos, esperando a vinda de Satanás, de mais chacinas, de mais demolições
dos casebres, em suma, os eleitos pela fé da Igreja e das igrejas estavam no
altar de Deus, e assim punham e dispunham dos destinos da população da RCE.
Como convinha a sala estava engalanada de
vermelho vivo a lembrar a tragédia do sangue dos mártires que não parava, pelo
contrário muito aumentava, transbordava. O púlpito, ou melhor, o altar já
estava devidamente construído e paramentado por chineses que trabalharam dia e
noite para que o Rei do Petróleo discursasse, a cerimónia inaugurasse. Mais um
célebre discurso do também célebre divino arquitecto. O Rei entrou. Antes disso
as redondezas num raio de vários quilómetros foram passadas a pente fino,
melhor, a pentes finos, e centenas de militares da guarda palaciana com
equipamentos de guerra como se a terceira guerra mundial eclodisse de um
momento para o outro, entrincheirados para contra-atacar a população que a todo
o momento se preparava para se revoltar. Quer dizer, a população recebia o
tratamento de terrorista e, como tal podia-se dizimar à vontade. Já no altar o
Rei do Petróleo começa o seu hino, a celebrar:
- Caros camaradas! Os gigantescos empréstimos
chineses que celebrei no mais alto sigilo têm uma componente importante: Os
nossos queridos amigos chineses exigem que para poderem funcionar à vontade na
RCE, teremos que extinguir as vozes que se elevam mais alto que as nossas e
deles. Assim, ao longo do tempo os nossos serviços de segurança têm acompanhado
as diversas tentativas de golpes de estado planeadas pela oposição. Esta gente
não sabe viver em democracia e nós temos que lhe ensinar como funcionam as
nossas instituições democráticas. Quase há cinquenta anos no poder só nós
sabemos como se governa e isso vê-se nas nossas grandiosas infra-estruturas que
montámos. Escolas, hospitais, estradas, água, energia eléctrica, pleno emprego,
recolha do lixo, formação profissional, o fim da miséria e da fome, são
exemplos que abundam por aí. Toda a gente o vê, salta à vista, mas essa oposição
sedenta do sangue dos golpes de estado, preparou nas trevas das noites um grupo
de jovens que especializou nas artes militares e nas artes de tropas especiais…
são comandos, tropas de intervenção rápida que depois de actuarem, aparecerão
os seus chefes, os cabeças dos partidos políticos da oposição para reivindicarem
o poder sufragado finalmente por uma insurreição popular. Os nossos serviços de
segurança seguem-lhes os passos, os movimentos dia e noite e em breve as nossas
prisões serão insuficientes para tantas detenções em massa que faremos. Já
temos dois jovens oficiais subalternos implicados na tentativa de derrube do
meu poder. Apesar do óptimo trabalho realizado em defesa da legalidade democrática,
isso ainda não é suficiente. Para acabarmos com a oposição definitivamente
necessitamos de um peixe graúdo… caros camaradas, só com a detenção, o
sacrifício patriótico de um general que defenda a nossa causa… os camaradas
estão a perceber, não é?!, então sim teremos motivos mais que suficientes para
erradicar de vez do nosso mapa essa torpe oposição que impede por todos os meios
o nosso digno e exemplar trabalho. Na vossa actuação sejam discretos. Mantenham-se
firmes e vigilantes, usem de todos os meios que a Constituição lhes reserva
para a derradeira caça ao homem. Devo esclarecer que os quinze jovens mais um,
apodrecerão lentamente na doçura da prisão. Caros camaradas! Declaro aberta a
época da caça à oposição!
Depois, num ápice a RCE transformou-se num
quartel militar nacional. Tudo e todos estavam sujeitos a um apertado, rigoroso
controlo militar cercado. A RCE parecia uma fábrica de armamento e fardamento
militares.
Sem se dar conta o Rei do Petróleo comete o erro
de todo o filho de deus na terra. Como mau treinador, trata o seu povo como uma
equipa de futebol fraca, muito fácil de vencer.
Depois, creio que está impossível, no fim, o como
sobreviver numa cidade de bêbados. Esta cidade está escrava do álcool. Já se vê
nas lápides: Aqui jaz morto na fogueira do álcool mais um combatente que dele
não se conseguiu libertar.
Via-se noutra lápide: os tempos da bebedeira
proclamam a nossa bandeira. E ainda noutra: preparem-se na resignação da
chinesa escravidão.
Os crentes das igrejas afirmam fanaticamente que
na oração está a salvação. Os crentes das confrarias alcoólicas dizem que na
alcoolização está a nossa salvação. Em quem confiar então?!
As imposições dos empréstimos chineses mandavam,
comandavam nas demolições dos casebres que continuavam em larga escala,
mostrando por todos os lados paisagens de destruições ciclónicas, ou destroços
de violentas guerras. As vítimas eram consideradas como coisas sem importância,
e as crianças não tinham futuro, apenas o da morte, ficavam abandonadas à sua
sorte. Se antes nos tempos de ouro do petróleo já era como se não existissem,
agora com os preços do brent a estatelarem-se no tapete as crianças caiem como
moscas abatidas por insecticidas.
E quando estas coisas acontecem as pessoas ficam
possessas pelo demónio, que afinal existe, pois na luta entre a vida e a morte
o demónio está sempre presente, consorte. Como sobreviver num gigantesco
cárcere cercado de lixo por todos os lados, que até já impede a ida à consulta
pelo menos num hospital. Com tanta miséria e fome a luta pela sobrevivência
arvora a sua bandeira da maldade. Sim, isto está um campo de batalha da
maldade, da morte há muito anunciada.
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