quinta-feira, 10 de abril de 2014

Perseguir as zungueiras é acabar com a corrupção



A zungueira é estrangeira, levanta-se muito cedo, não dorme, vem de muito longe, entra na cidade poluída, proibida, e prepara-se para mais uma aventura na selva do exército petrolífero. A vida está por um fio numa cidade infestada de piranhas. Depois de mais uma noite perdida à espera de meses sem vencimento, os seguranças são os principais clientes das zungueiras.
De rua em rua ela devassa o petróleo que a ultrapassa, passa e ri-se da sua desgraça. Que mais o petróleo sabe fazer? Desgraçar-nos!
O fumo dos geradores mortifica que mais uma vez a energia selvática lá se foi para a China. E a criança nas suas costas agita-se respirando a corrupção. Já está com falta de ar, pois a corrupção e o fumo dos geradores são mortais. Sim, mortais porque fazem problemas graves de respiração e cancros. Onde há muito petróleo há muitos geradores de miséria. E por isso mesmo, com petróleo não há desenvolvimento. Há sim, atroz sofrimento.
E pelas ruas a zungueira vê e ouve as sirenes das escoltas dos serviços prisionais, policiais, dos generais, presidenciais, e também outra escolta: a dos assaltos dos marginais.
Esta é a civilização da corrupção!
E o que resta aos povos? Libertarem-se das ditaduras fascistas e votarem nas democracias da corrupção.
A zungueira vê a nova atracção turística do momento, a única que promete divisas para os senhores do petróleo. Angolanos e angolanas num dos vários jardins zoológicos espalhados pela cidade, construídos pelos chineses e de acordo com os projectos das novas centralidades turísticas do governo. Os porta-vozes da glorificação dos barris do petróleo aplaudiram de imediato esta inédita forma de ganhar dinheiro fácil. Os tempos do colonialismo regressaram! É que os angolanos nos jardins zoológicos têm apenas a protegê-los vulgares chapas de zinco. E a atracção principal desses jardins são crianças de tenra idade que desfilam, e os turistas estrangeiros e visitantes deste paraíso presenteiam-nas com jinguba, batata frita e banana, comida predilecta dos macacos, asseguram eles categoricamente.
A zungueira vê como Angola descobriu a solução da habitação: Em Luanda há dois tipos de residências: as casas de chapas são o luxo dos mwangolés com direito a nada. O outro tipo de casas é os condomínios dos estrangeiros e dos nossos novos-ricos do petróleo. Lá têm direito a tudo.
E a zungeira ouve um senhor do petróleo a falar numa rádio instalada num navio-petroleiro, que vender na rua para não morrer de fome será transgressão administrativa. Porque há muitas queixas dos estrangeiros que alegam que uma cidade assim com negras e negros a enxamearem as ruas fica feio, selvagem, muito escuro, com pessoas que parecem lixo, moscas humanas, etc., e que sendo assim, considera-se um crime grave.
E perante isto a zungueira medita: Se os seres humanos continuamente se matam entre si, para quê dar-lhes ouvidos se os falsos noticiários se repetem incessantemente?
Poças! A água deixava-me um coxito, mas há muito tempo que isso desapareceu. Agora é o negócio das cisternas dos estrangeiros que bate. Os estrangeiros e os senhores do petróleo têm direito à água e à energia eléctrica, nós esfarrapadas angolanas só lhes servimos da cintura para baixo.
E lá no Uganda, o outro persegue os homossexuais e as lésbicas. Aqui, os homólogos perseguem as zungueiras. Cada ditadura africana tem o seu estigma.
Um jovem revolucionário entoa o cântico da sua verdade, e a zungueira pára, escuta-o, mas de olhos e ouvidos bem despertos, porque a morte está omnipresente:

E deste governo imortal
A zungueira não tem bênção
Já ninguém sabe o que é legal
Nestas ruínas da corrupção

Poças! Se as milícias religiosas o apanharem, é mais um que desaparece nesta república dos desaparecidos de Angola. – Pensou ela.
Num radiorreceptor ouvia-se a versão oficial dos direitos do Março mulher. A zungeira marchou adiante, porque essas coisas não dão para ouvir, porque quarenta anos de miséria moral e intelectual são mais que suficientes para desacreditar seja o que for. Mas as peças do museu dos esqueletos estão surdas, cegas, paralíticas e sem cabeças, mas algumas almas religiosas que beneficiam dos poços petrolíferos dizem-lhes que não.
Quarenta anos depois, finalmente encontrou-se a resolução da saída da miséria da mulher angolana: a auscultação à mulher rural.

Sem comentários:

Enviar um comentário