A zungueira é estrangeira,
levanta-se muito cedo, não dorme, vem de muito longe, entra na cidade poluída,
proibida, e prepara-se para mais uma aventura na selva do exército petrolífero.
A vida está por um fio numa cidade infestada de piranhas. Depois de mais uma
noite perdida à espera de meses sem vencimento, os seguranças são os principais
clientes das zungueiras.
De rua em rua ela devassa
o petróleo que a ultrapassa, passa e ri-se da sua desgraça. Que mais o petróleo
sabe fazer? Desgraçar-nos!
O fumo dos geradores mortifica
que mais uma vez a energia selvática lá se foi para a China. E a criança nas suas
costas agita-se respirando a corrupção. Já está com falta de ar, pois a
corrupção e o fumo dos geradores são mortais. Sim, mortais porque fazem
problemas graves de respiração e cancros. Onde há muito petróleo há muitos geradores
de miséria. E por isso mesmo, com petróleo não há desenvolvimento. Há sim,
atroz sofrimento.
E pelas ruas a zungueira
vê e ouve as sirenes das escoltas dos serviços prisionais, policiais, dos
generais, presidenciais, e também outra escolta: a dos assaltos dos marginais.
Esta é a civilização da
corrupção!
E o que resta aos povos?
Libertarem-se das ditaduras fascistas e votarem nas democracias da corrupção.
A zungueira vê a nova atracção
turística do momento, a única que promete divisas para os senhores do petróleo.
Angolanos e angolanas num dos vários jardins zoológicos espalhados pela cidade,
construídos pelos chineses e de acordo com os projectos das novas centralidades
turísticas do governo. Os porta-vozes da glorificação dos barris do petróleo
aplaudiram de imediato esta inédita forma de ganhar dinheiro fácil. Os tempos
do colonialismo regressaram! É que os angolanos nos jardins zoológicos têm apenas
a protegê-los vulgares chapas de zinco. E a atracção principal desses jardins são
crianças de tenra idade que desfilam, e os turistas estrangeiros e visitantes deste
paraíso presenteiam-nas com jinguba, batata frita e banana, comida predilecta
dos macacos, asseguram eles categoricamente.
A zungueira vê como Angola
descobriu a solução da habitação: Em Luanda há dois tipos de residências: as
casas de chapas são o luxo dos mwangolés com direito a nada. O outro tipo de
casas é os condomínios dos estrangeiros e dos nossos novos-ricos do petróleo.
Lá têm direito a tudo.
E a zungeira ouve um
senhor do petróleo a falar numa rádio instalada num navio-petroleiro, que vender
na rua para não morrer de fome será transgressão administrativa. Porque há muitas
queixas dos estrangeiros que alegam que uma cidade assim com negras e negros a enxamearem
as ruas fica feio, selvagem, muito escuro, com pessoas que parecem lixo, moscas
humanas, etc., e que sendo assim, considera-se um crime grave.
E perante isto a zungueira
medita: Se os seres humanos continuamente se matam entre si, para quê dar-lhes
ouvidos se os falsos noticiários se repetem incessantemente?
Poças! A água deixava-me
um coxito, mas há muito tempo que isso desapareceu. Agora é o negócio das
cisternas dos estrangeiros que bate. Os estrangeiros e os senhores do petróleo
têm direito à água e à energia eléctrica, nós esfarrapadas angolanas só lhes
servimos da cintura para baixo.
E lá no Uganda, o outro
persegue os homossexuais e as lésbicas. Aqui, os homólogos perseguem as
zungueiras. Cada ditadura africana tem o seu estigma.
Um jovem revolucionário
entoa o cântico da sua verdade, e a zungueira pára, escuta-o, mas de olhos e
ouvidos bem despertos, porque a morte está omnipresente:
E deste governo imortal
A zungueira não tem bênção
Já ninguém sabe o que é
legal
Nestas ruínas da corrupção
Poças! Se as milícias
religiosas o apanharem, é mais um que desaparece nesta república dos desaparecidos
de Angola. – Pensou ela.
Num radiorreceptor
ouvia-se a versão oficial dos direitos do Março mulher. A zungeira marchou adiante,
porque essas coisas não dão para ouvir, porque quarenta anos de miséria moral e
intelectual são mais que suficientes para desacreditar seja o que for. Mas as
peças do museu dos esqueletos estão surdas, cegas, paralíticas e sem cabeças,
mas algumas almas religiosas que beneficiam dos poços petrolíferos dizem-lhes
que não.
Quarenta anos depois,
finalmente encontrou-se a resolução da saída da miséria da mulher angolana: a
auscultação à mulher rural.
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