RCE - República dos Comités de
Especialidade, algures no Golfo da Guiné.
No palácio, a festa dos biliões de
dólares chineses não acabava, há alguns meses que durava. Festejos como estes
duram intermináveis meses, e ninguém no seu perfeito juízo – desconhece-se quem
o tinha – estava disposto a encerrá-la. Biliões de dólares não é todos os dias
que se conseguem, e a classe dominante, sempre a mesma até que já pareciam
fantasmas, prometia eleições mas perante uma oposição de lesmas o Rei do
Petróleo fazia o que queria e bem entendia, porque nenhum partido político com
assento parlamentar numa assembleia nacional que só tinha esse nome, onde o ridículo
se impunha e a oposição muito anedota se queixava nos órgãos ditos de
soberania, mesmo sabendo de antemão que isso não resultaria, continuava,
chorava sem nada digno de louvor, como pobres peixes na boca do tubarão que os
engolia sem dó nem piedade… e os pobres de espírito da oposição continuavam,
nadavam a lengalenga do sem solução, a queixarem-se aos estrangeiros em vão.
Quer dizer, a RCE arde e para apagar o fogo pede-se auxílio aos bombeiros
internacionais. E o Rei do Petróleo sorria e na sua falsa complacência para si
dizia: «Mas que manada de parvalhões que
tanto me fazem rir. Ó, como adoro este circo onde imensos palhaços não lhe
faltam. Um dia destes vou contratá-los para um espectáculo de grande
envergadura no meu palácio. Confesso que me sinto abismado por não ter nenhum
líder da oposição que me possa enfrentar. E onde os presbíteros se rendem sob
as minhas ordens, estou mandatado a fazer muitas desordens porque só a Deus
devo contas tal e qual como por Ele fui eleito. Não sou das coisas terrenas,
tenho o poder divino de chacinar e esse poder Deus mo concedeu.»
Os acontecimentos sucediam-se até
chegarem ao horripilante ponto da mortandade vulgar. A morte sucedia-se
inexorável como se constasse num artigo da constituição. A RCE ia para os
precipícios da matança africana sob o esgar da máscara da morte da Igreja que
os abençoava, pois, depois da matança vem a cruz levantada ao céu sob o
ajoelhar dos crentes da religião da escravidão. Onde há excesso de religião há
destruição da nação. É inconcebível que as instituições da Igreja funcionem
como um partido político de um país. Sim, o Vaticano é um país com um único
partido, a Igreja.
A RCE tornou-se no grande escoadouro
da miséria internacional. Exércitos de moribundos económicos chegavam, como o
rastejante exército português de miseráveis que declaravam que vinham ajudar os
seus homólogos da RCE. Dono de uma extraordinária visão empresarial, Pedro
Passos Coelho, primeiro-ministro português, ordenou o envio de milhares de
portugueses para o Vietname da RCE. Os pobres coitados não sabiam que a
qualquer momento a morte os aguardava na insegurança do dia-a-dia, pois onde há
muita miséria, há muita fome, e quando estas duas coisas se combinam as nossas
vidas não têm nenhum valor.
Tudo se desmoronava, nada restava.
Era arrepiante ver os escombros do terramoto político e social da extinta
sociedade onde os valores se perderam, se abandonaram, ao esterco da vida se
entregaram. Esta gente adoptou a lei da palhaçada do: já vou aí, depois
falamos, daqui a pouco falamos, ou, amanhã passo aí sem falta, significando que
não conseguiram sair da escravidão colonial portuguesa e muito menos serão
capazes de saírem da escravidão chinesa ou de qualquer outra. Como ninguém sabe
o que é um compromisso, e claro, não está em condições de o honrar, então não adianta
pensar no projecto Nação, porque está definitivamente encalhado. A RCE não é diferente
dos outros países africanos, é em tudo semelhante.
E os agentes secretos do Rei do Petróleo
lavam as mentes dos que saíram de uma escravatura e entram noutra: «Antes fomos
colonizados pelos portugueses, agora pelos chineses. Vamos ver se a colonização
chinesa é melhor que a portuguesa.»
E que não devemos depender do dólar.
Pois não, se não os há, claro que deles não se dependerá. E aqueles economistas
pobres coitados que defendiam que graças á divina clarividência do eterno
grande líder – apesar de os países de todo o mundo serem afectados pela crise –
na RCE nunca, jamais, porque era um Estado governado por um deus e um povo
muito especial. Agora já declaram solenemente que a crise afinal está aqui, e que
daqui não quer sair. E que se não fossem os chineses, ai que seria de nós!
Da RCE nada há a fazer, a não ser
vê-la desaparecer.
Os vizinhos dizem para termos
cuidado com o que falamos, porque andam muitos nas ruas a escutar o que dizemos
para depois entrarmos na lista dos alvos a abater.
As demolições dos casebres continuam
para criar estaleiros para o milhão de chineses que aí vêm. Mas, a trapalhada é
os saques, pois carregam bens dos desalojados, como geradores, arcas de
congelação e outros bens.
Entretanto o Banco Mundial alertava
que a RCE não tinha dinheiro para pagar as suas dívidas.
Os colonos chineses chegavam e um
exército de escravos os aguardavam, saudavam, pois, com uma população e oposição
que são como cães que ladram, logo não mordem. Alguma gente nascida na
colonização portuguesa resignada, com a maior naturalidade da fatalidade
estampada nos rostos dizia que já estavam habituadas a isso, e que se os
chineses reinauguravam a colonização, preparavam os corpos para os novos/velhos
chicotes, pois a vida de africano é para escravizar, neocolonizar. Mas a
juventude não ia nessa conversa, pois não nasceu sob as ordens coloniais, e
como tal o poder do Rei do Petróleo não lhes resistiria.
Em todo o lado a revolta fervilhava
e uma insurreição geral se preparava, escutava. Quando a fome aperta, nos
estômagos acende-se o rastilho da revolta, pois a fome não se combate com balas
e exércitos presidenciais ou nacionais. Quando isto acontece, e na RCE
acontecia, já era lugar-comum, aos poucos ouvia-se a música do número dos descontentes
que davam os primeiros passos de gigantes para acabar com o sofrimento, com a
humilhação, com a fome, com a escravidão. Para fechar para sempre os portões
dos condomínios dos que têm tudo e dos que nada têm.
Governar sob a desgraça do petróleo
é a população matar.
A população vivia como que preparada
para o outro matadouro asiático que à força despontava. Nunca com tanta
facilidade se conseguiu abocanhar, espoliar a terra dos autóctones entregue de
bandeja a invasores chineses que decerto empregarão as mesmas tácticas que os
franceses usaram na Argélia colonial.
Que Estado, que país, que nação é
esta que entrega as terras, as instituições e as suas populações a gente que
nunca esteve na RCE? Não é normal, é a mais terrível monstruosidade praticada
por quem não tem escrúpulos pelas leis do Direito, pela sua advocacia e pela
morte definitiva da Constituição. E viver com estas coisas é salvar-se da outra
constituição instituída, a dos demónios infernais.
As leis nascem e logo morrem, porque
aqueles que as criam não as cumprem. Então, governar é o tudo adiar, às hienas
e abutres nos entregar, devorar.
A noite chega, e com ela o silêncio
do nada mais há em que acreditar e em quem confiar. Há tantos e tantos anos que
a parca oposição se deixa manietar, e sem chefes para nos comandar, o Rei do
Petróleo está à-vontade para a RCE hipotecar.
Onde estão os homens honestos e as
mulheres libertadoras desta terra? Jazem algures por aí na terra que muito
brevemente os chineses as suas ossadas desenterrarão, e logo como heróis se
levantarão e esta terra LIBERTARÃO!
Os analfabetos dominam, dominam-nos!
Imagem: autor desconhecido
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