sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O REI DO PETRÓLEO (05)



RCE - República dos Comités de Especialidade, algures no Golfo da Guiné.

Que lamento… os quadrúpedes destruíram os bípedes… ficaram feras em festim que infestam o reino com festas numa invasão de predestinados, doutores e poetas institucionalizados. Poetas, todos com o dom que Deus lhes deu. Doutores evidenciados anunciam-se: «A montante e a jusante do sistema desestruturado, ainda sem condições psicológicas objectivas e subjectivas, de efeitos endógenos e exógenos, porque as estruturas não confinam, foram-se, estão debalde abaladas. É o binómio da aderência positiva e do saneamento básico do meio… do lixo que invade as ruas e que não se recolhe porque a perseguição e a tortura na prisão dos jovens inofensivos é o mais importante.».
E o auditório em uníssono aplaude a sapiência do grão-mestre mandatado pelo Rei do Petróleo. «Com o analfabetismo a oitenta, noventa por cento, os doutores e poetas excedem as esquinas. Nestas se acotovelam, atropelam-se, e nãoMuro das Lamentações. Donde repentinamente veio tal avalanche de avatares? Ninguém sabe, mas desconfia-se que é devido às alterações climáticas, ao calor abrasador que faz ferver os cérebros. E se instituiu a novel classe social do doutor general-poeta, doutor novo-rico, poeta novo-rico. É a abertura da marcha do desenvolvimento económico e social. É mais fácil ser superficial, porque aprofundar exige muito trabalhar.»
O estatuto de doutor e poeta permite-lhes reuniões, debates, conferências, seminários, assembleias, tertúlias, e agenda nacional de consenso, onde no fim os participantes descobrem estupefactos que não há concerto de ideias. Há unanimidade em que as questões económicas e sociais de um país decidem-se com intermináveis palermices partidárias. Entretanto, desconhece-se quem está disposto a trabalhar. Um participante desiludido questionou: «A democracia é a aspiração do voto em dias melhores que nunca surgem. É o eterno voto do permanecer sempre na mesma. As tradições orais foram-se, perdemos a nossa identidade cultural. O desenvolvimento económico e social é sustentado pelos doutores e poetas dos planos quinquenais. O melhor desenvolvimento económico é matar o povo à fome. E a militância poética glorifica os feitos do Rei do Petróleo. «Ah! poesia da terra oca, vazia, sem conteúdo mas terrivelmente real da orgia das chacinas.»
E o poeta militante, milita, afia as goelas, palavreia:
Os meus punhais anoitecem na destruição sistemática/ Do que resta, foi, era, não mais será/ Punhais ferrugentos das águas impuras/ Corroídos, perdidos nos quilombos. Corruptos, corrompidos! / Ao libertarmo-nos do colonialismo tínhamos o desejo do regresso/Aos nossos gloriosos eternos quilombos. Estamos imensamente felizes/ Todos mandamos, somos chefes, somos a anarquia/ Somos livres na nossa feitiçaria, na nossa monarquia/ E quem é que manda? Os donos do petróleo e diamantes!/ Ser patriota é passar fome, e nunca venceremos a guerra/ Porque é atrozmente difícil. Fácil é carregar no gatilho/ Sem bibliotecas públicas e com milhões de gatilhos/ Pereceremos vencidos, vendidos, rendidos à fome.

Dos poderes da magia, eis que surge o último trovador profissional da tradição oral: «Bantus, à procura do Graal, da perdida tradição oral! Canto a trova dos deserdados das fortunas, desesperançados da riqueza aviltados. Nos poderes exteriorizados. Poder, são os povos a sofrer. O poder da miséria é histórico. Morrer, padecer à fome é um acto heróico. São tantos os soldados conhecidos. A vida da miséria é revivida. Nos tostões parcos da despedida. O poder de Kalunga é incomensurável. nos lembramos Dele quando a miséria bate brutalmente no coração. Que antes era ferro ferrugento, e que repentinamente se purifica. E a lepra subsiste. Símbolo da miséria é andar de mão estendida, com o filho às costas, a chorar, a desesperar. Por entre carros desumanizados, sem conseguir mendigar. Os passos encurtam-se, está a acabar a luz solar. O chão de dormir endurece a noite sem luar. Fome é desfalecer, desarrumar a esperança sem forças para lutar. É triste morrer , abandonado em qualquer lugar. A fome não tem moradas, mas os seus caminhos estão localizados. Os ignaros sacralizam-nos, presenteiam-nos os caminhos da fome. Sem estrada, ponte, rua, sem nada. Os abarrotados protegem-se oprimindo os miseráveis. Os miseráveis bebem água inquinada, os abarrotados água engarrafada. O calendário da vida está prenhe de dias injustiçados
Faz uma pausa, retoma a memória: «Fora de questão: não é o menino das chuvadas, é o homem. É isso! E num país de sol ardente um carro aportado, abortado sem ar condicionado. As pessoas estão sempre a morrer e a nascer, a chorar e a cantar. Uns vão mais cedo, outros mais tarde. Mas todos vão. Idiotas com uma bandeira e um hino! A questão é: sem um tostão. Isto não é uma nação, é o fundamentalismo da escravidão. Uma agenda sem consenso, sem referendo da fome
Recupera o fôlego, remata: «Ó Bantus! Há crescimento económico no PETRÓLEO E DIAMANTES! Nós, o povo, estamos na escuridão e na sede, no reino do morrer à fome. Vejam o que fizeram às nossas mulheres! Negra é como mosca! Enxota-se, pisa-se, esmagasse, elimina-se, mata-se. O lixo é mais valioso. Este é o reino em que o mais essencial é o aniquilar o outro por todos os meios possíveis
A Pax Angolana chegava e as estradas se esburacavam. Os conquistados, parados, observavam e comentavam: «vamos ver o que estes chineses nos trazem». Depois: «Ah… trazem-nos subdesenvolvimento
Agora, na moda do falatório do desenvolvimento sustentado das conferências não auto-sustentadas, temos estradas com buracos, buracões, crateras, cavernas, abismos. Acreditamos que são perfurações petrolíferas e escavações diamantíferas. Que ultraje! ultrapassam os incontáveis doutores e poetas doutra tempestade que surge, outra grande epidemia, estamos certos
Vias, antes primárias, secundárias, agora na era terciária, quaternária, por culpa da chuva que nos deixa atrasar. É bom sempre ter desculpas para continuar com tão mal governar.
tantos anos que as chuvas foram previstas, revistas, anunciadas, proclamadas, trovejadas, ciclonadas. É mais fácil para quem finge democraticamente governar, esperar a destruição e culpar a chuvada, e depois remeter a responsabilidade para o auxílio internacional. Se não vier apoio é porque os Britânicos e Americanos estão apostados no derrube do sempre mesmo governo vitalício e pela batota democraticamente reeleito. 
Alguns escravos de intelecto apurado, bombardeiros habituais, criticam a sua exterioridade pedante. Os outros ouvem-nos e prosseguem-nos. Falarfalar é preciso. Das palavras até surgir a acção outro milénio de palavreado é esperado. E os escravos rejubilam-se porque falaram, repetiram-se muito comnão é! Não é!?
Todos a com os arcos, as flechas e as tangas da ancestralidade, ressorrindo na imposição do retorno comunista. E os arautos da descolonização libertadora copiam manuais médicos, e estrelam dos seus palácios que andar a , é bom, eficaz para a saúde. E chega-se ao local do trabalho cansado, ensonado, com grande apetência para sonecar. É a dádiva do remetente comunismo. E as multidões passeantes cantam como se enchessem escunas na busca do tesouro perdido: «Ió-hó-hó, e uma garrafa de aguardente!» 
Enquanto sem jindungo, muitos frutos da nação desbaratam os contentores do lixo nos prédios moribundos, mas independentes. O Vladimiro, maluco itinerante ergue o seu punho. Apenas conserva na memória os gritos intencionais do ensino três vezes ultrajante: «Pelo poder popular! Pelo poder popular! Pelo poder popular
Deste ensino que o elevou à loucura.
Passeiam-se os novos-ricos insensíveis, que vivem neste novo mundo petrolífero Hummer, desafiam, incumprem as leis, porque ainda não justificaram a origem das suas riquezas
Ao longe escuta-se o ruído da chuva estridente da padiola do desenvolvimento insustentável, dos subdesenvolvidos contaminados pela cólera.

Com fornecimentos de energia eléctrica e água medidos em onças, um aviltado sonda as vagas da repressão do novo navio negreiro a estibordo e a bombordo. Temeroso, brumoso, inseguro, mas mesmo assim grita:  «A FOME… CONTINUA! A MISÉRIA… É CERTA!» Tantos alienados, por causa das estradas das chacinas desoladas.

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