República das torturas, das milícias e das
demolições
Diário da cidade dos leilões de escravos
A avó está com o seu neto de quatro anos, ele
vem com um livro da história universal, entrega-lho e diz-lhe: «Avó lê este
livro, é muito bonito.» E a avó: «Tira-me isto dos brancos daqui!»
A mana Minga falou que esses mendigos que andam
por aí todos imundos, que isso é tudo mentira. Eles têm boas casas, chegam aí,
despem-se e vestem roupas imundas e começam a pedir esmola. Ao fim do dia
entregam o dinheiro a um senhor, não se sabe quem é. Esse dinheiro é para fazer
feitiçaria.
Onde há miséria e fome há
guerra.
Creio que quarenta anos de
comissão das lágrimas não são suficientes. Outros infindáveis anos desta vez
nos conduzirão para os pelotões de fuzilamento da fome.
E pelas informações que chegam
brevemente seremos contemplados pelas cadernetas de abastecimento, só faltam os
companheiros cubanos. Voltamos a 1975 e aos anos seguintes do racionamento.
Siona Junior Siona: Fiscal espanca Mulher
grávida e deixa a mesma no estado crítico, aconteceu agora no Bairro São Paulo,
a senhora encontra-se na portaria da Rádio Ecclesia.
Sim! Se contratarem os chineses, o lixo de
Luanda tem os dias contados. Viver da propaganda política não se resolve nada.
A miséria e a fome de Angola e da África que o digam. Mas não é necessário
perguntar-lhes porque Angola e África já eram, continuam na teimosia do não
conseguirem resolver ruínas atrás de ruínas, porque as suas populações são
também ruínas.
Definição de mwangolé: indivíduo que fala muito,
muito, muito, uf!, e não resolve nada.
Da maneira que o regime julga e condena o caso
Kalupeteka, sem dúvida que faz dele um herói nacional. Mais um… e já são
tantos.
Quando estiveres num país de muito calor e não
conseguires beber uma cerveja devido à miséria reinante, foge dele porque está
endemoninhado, e a tua vida corre perigo.
E assim Angola é mais um país africano para o
PAM-Programa Alimentar Mundial, alimentar, mas sem fundos quem as populações da
fome vai salvar.
Já não me surpreende que amanhã desperte com a
notícia de que houve um golpe de estado em Angola. Sim, é ir de mal a pior
nesta banalidade africana.
Há três exércitos com os quais nos defrontamos
todos os dias e todas as noites: o exército dos famintos, dos bêbados e o dos
corruptos.
Contemplaram-nos com quarenta e três horas sem
energia eléctrica como expiação dos males que outrem cometeu.
África, o continente da fome. E oram a Deus e
Ele envia-lhes mais fome. E oram, oram e a fome não acaba.
Depois de 1978, actualmente consegui outra
caderneta de abastecimento. Só que com esta não dá, porque dinheiro para
compras não há.
Angola, desde a sua independência construiu uma
espécie de muro de Berlim, e ainda continua de pé porque não há coragem para o
demolir.
A barulheira prossegue interminável numa
epidemia que se junta às outras, afinal a Angola pode-se aplicar a denominação
de república das epidemias. Os vizinhos que moram no rés-do-chão do prédio
estão convencidos que os outros vizinhos são obrigados a ouvir os jogos de
futebol, as novelas, os noticiários, os filmes, por vezes até às três horas da
manhã, ou quando algum deles se levanta às cinco e meia da manhã e começa logo
a barulheira. Um vizinho comenta para uma vizinha: «Esses deviam estar aí num
zango.» E a vizinha: «Estão na casa deles.» E o vizinho: «Pois, atirar o lixo a
esmo para a rua, sem higiene absolutamente nenhuma, águas paradas por todo o
lado numa terrível produção de mosquitos não admira nada que estejamos a sofrer
com as epidemias de febres hemorrágicas, especialmente a da febre-amarela, e a
cólera que a qualquer momento vai rebentar porque da maneira que as coisas
estão devido às intensas chuvas será muita mortandade. Pois… estão na casa da morte
deles sim senhor!»
De um comentador sobre a falta de divisas nos
bancos na Rádio Despertar. Lavar as mãos a um macaco é gastar sabão.
Creio que é a todos os títulos uma vergonha.
Segundo a embaixada chinesa em Luanda, os chineses disponibilizaram quinhentos
mil dólares para a compra de vacinas contra a febre-amarela. Angola que
transpirava dinheiro por todos os poros mendiga-o. Como já antes disse: Angola
já está devidamente representada no clube dos países africanos da mão
estendida, da fome generalizada porque o petróleo já não dá nada.
E como os corruptos não perdem tempo com
leituras, o povo prefere-se analfabeto, e daí as montanhas de lixo, sem
estruturas que a salvem, uma cidade impossível de reconstruir. Onde não há
leitura há escravidão, não há pão, há sujeição à religião. E quando se depende
da religião a cabeça só funciona a carvão.
No tempo seco as pobres almas eram avisadas para
não construírem nada em cima das passagens de água, mas com um encolher de
ombros construíam e quando a chuva veio com força as casas ficaram alagadas e
os seus recheios num ápice estragaram-se. Muros construídos à toa sem a mais
elementar norma, sem pilares que depois perante a força da água desabam e como
num dique que de repente rebenta, as construções são invadidas como num
maremoto. Não há regras, qualquer um constrói onde bem lhe apetece sem se
lembrar da chuva que virá. E agora perante a ruína económica pode-se dizer que
será impossível reapetrechar o que se perdeu. Milhares de casas desapareceram
de um momento para o outro, não existindo nenhuma necessidade disso. Com o caos
económico presente e as fortes chuvas, é caso para dizer que um mal nunca vem
só. A chuva aliou-se à grave crise económica e dá-lhe uma grande ajuda na
destruição do que resta de Luanda… do que dela restava. E mais vidas humanas
são levadas pela foice da morte o que facilmente se poderia evitar. Assim, a
miséria e a fome se exacerbarão e os discursos das falsas promessas
continuarão.
A estratégia, são tantas, para a saída da crise,
criará decerto outra estratégia: a saída para a saída da crise da estratégia. É
que de estratégias não temos nada porque a única que funciona é a corrupção. Já
não é que por aqui é impossível viver, mas sim, por aqui já não é possível
sobreviver.
As empresas e lojas fecham, pois sem divisas não
têm hipóteses nenhumas de sobrevivência, pois o deus petróleo ordenava que tudo
se importasse, e que a produção interna se lixasse. É o todos para desempregar
ou os que ainda trabalham finge-se que se lhes paga, ficando meses sem receber.
Uns e outros já se filiaram no exército de famintos. Parafraseando Agostinho
Neto: Angola é por vontade própria a trincheira firme dos famintos de África.
Angola, ó Angola dos punhais que nos dilaceram e
entregam os nossos corpos aos abutres. Ó Angola que desapareces e não mais te
encontrarás, o teu povo sem tumbas jaz. Da Central Angola 7311, com a devida
vénia: “A escassez de produtos, principalmente os alimentares, tem estado na
origem destas ocorrências. A afluência aos estabelecimentos comerciais (em
Cabinda) começa a verificar-se por volta das 4h da manhã com filas enormes. A
maioria dos armazéns está a trabalhar perto de uma hora por dia apenas. Abre a
porta ao público às 8h da manhã mas infelizmente as 9h encerra por falta de
mercadoria. “Tem sido assim nos últimos tempos, ontem já cheguei às 4h não
consegui nada, hoje outra vez”, afirmou a Dona Joana uma das concorrentes na
fila. “Na terça-feira encontrei o saco de 25 Kg de arroz à 4 mil, na 4ª a 6 mil
ontem a 8 mil e hoje o mesmo saco já custa 10.000,00 AKZ e ainda assim não
consegui porque acabou. Espero não encontrar amanhã a 20 mil” Verificam-se
subidas vertiginosas nos preços dos produtos principalmente para o arroz,
feijão e o óleo.”
Aqui jaz Angola, paz à sua alma!
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