quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O EMPRESÁRIO LUSO-ANGOLANO (14)





Liguei o portátil e verifiquei que o disco rígido tinha pouca capacidade:
- Olhe meu amigo, infelizmente não lhe posso fazer nada. O seu disco rígido não suporta mais nada. Só dá para um sistema operativo. Não sobra mais espaço.
- Mas como não tem mais espaço!? Não estou a entender.
- Terá que comprar um disco com mais capacidade.
O Chileno decide-se, ordena-me:
- Está bem, então faça isso.
- Desculpe, agora sou eu que não estou a entender… tenho que comprar um novo disco?!
- O Dr. Vieira disse-me que o senhor trataria de tudo o que fosse necessário. Também necessito que compre um modem para ter acesso à Internet, para entrar em contacto com os meus amigos na Espanha, por causa dos negócios.
Mais uma embrulhada do Vieira, achei que devia esclarecer o Chileno:
- Acho que o melhor é o senhor falar com o Dr. Vieira.
- Meu amigo, preciso da sua ajuda. Encontro-me numa condição miserável.
Ficou muito pensativo, o seu rosto transformou-se numa profunda amargura. Caminhou lentamente na direcção das janelas. Parou numa, depois avançou para outra. Continuou a arrastar-se por entre elas. Por fim parou ao acaso numa delas. Encostou os braços no parapeito e estendeu o olhar para a rua de areia. Ficou assim como que pretendendo mostrar que não queria mais sair dessa posição. Comovido, caminhei na sua direcção, encostei-me bem próximo dele e perguntei-lhe:
- Parece-me que está muito abalado, porquê?
- Há vários dias que sinto dores de cabeça.
- Felizmente que raramente sinto isso. Posso quase assegurar-lhe que nunca tive dores de cabeça.
- Isso, meu amigo, é porque você tem boa circulação sanguínea no cérebro.
- Mas, o que é que o afecta?
Olhou-me, depois desviou o olhar para o chão. Agitou as mãos e o corpo, e caminhou na direcção da cafeteira eléctrica do café, parecia muito estranho, muito sem soluções:
- Pois é! Agora ninguém sabe como fazer para sair da grande depressão. Mas, que eu saiba… gatunos só sabem roubar. Não sabem fazer mais nada, não é?!
E a menina de nove, dez, onze anos, passeia na noite, aproxima-se de um segurança e quase lhe grita: «Vá, puxa comigo, são só cem kwanzas!» Vou aquecer o café… também quer?
Não me apetecia mas dadas as circunstâncias achei por bem aceitar.
- Sim, faço-lhe companhia.
Preparámos os cafés. Pegámos nas chávenas e dirigimo-nos para a que já era a sua secretária. Arrastei uma cadeira e sentei-me o mais próximo dele. Bebemos e quase ao mesmo tempo acendemos cigarros. Sentia que ele tinha necessidade de falar o que lhe ia na alma. Olhava para um lado e para outro, como que a buscar auxilio. Tardava a falar. Já sentia vontade de me retirar. Ele sentiu o meu nervosismo, ganhou coragem e começou lentamente:
- Sou… vizinho… do Dr. Vieira… num condomínio. Ele também conseguiu lá uma residência. Vim para Angola como refugiado político. Fugi do regime do Pinochet. Sou engenheiro mecânico de máquinas agrícolas. Quando estava no Uíge em serviço, conheci uma formosa e simpática senhora que tinha trinta anos. Enamorámo-nos e depois formámos família. Tudo corria muito bem, lutei… trabalhei imenso para que nada nos faltasse. Já tínhamos um bom pé-de-meia. O nosso lar já estava bem mobilado, não muito luxuoso, mas agradavelmente confortável. A nossa conta bancária era conjunta. Ela conseguiu emprego numa empresa de um amigo, que frequentava habitualmente a nossa casa. Vivíamos felizes. Que me lembre, nunca ouve entre nós nenhum episódio desagradável.
Ele guardou o que parecia um precioso silêncio. Vi lágrimas lentamente saírem dos seus olhos e espalharem-se pela face. Queria continuar mas não conseguia. A voz prendia-lhe na garganta, ávida mas interrompida por soluços. Conseguiu controlar-se, respirou fundo:
- Ela…ela…ela…fugiu… e roubou tudo. Até a minha roupa roubou. Deixou-me sem dinheiro. Estou… completamente… na miséria.
Deixou-se dominar por um choro quase intenso. Retirou um lenço do bolso das suas calças. Limpou as lágrimas, lamentou:
- O pior é o nosso filho… tem apenas sete anos… também o abandonou. Como tenho uma filha no Chile, que está com os meus pais, vou enviá-lo para lá. Não quero que a criança sofra. Lá, a educação e o ensino não se comparam com esta merda.
- Onde supõe que ela esteja?
- Não sei, não faço a mínima ideia. Em casa da família não está. Eles dizem que desconhecem totalmente o seu paradeiro. Mas verifiquei que não estão muito preocupados. Uma irmã dela alertou-me que o seu amigo também não está em Angola. Presume que fugiram os dois para França, porque de vez em quando falavam que seriam felizes lá.
- Inclino-me a apoiar a sua opinião, e confesso que os dois se aproveitaram da sua franqueza.
O dia renasce, clareia, ilumina-se. Os pilotos-taxistas acomodam-se nos cokpits. Levantam voo como se estivessem num aeroporto militar. À velocidade supersónica conduzem os seus caças-bombardeiros Hiace. Hoje, quantos mais mortos e feridos juntaremos?! Podemos chamar este acontecimento de epidemia supersónica.
- Sim, também já cheguei a essa conclusão. Custa-me a entender como isto foi possível. Ela era tão agradável, tão amorosa, muito minha amiga.
Queria dar-lhe algum alento, mas não sabia como. Consegui emitir uma opinião:
- Acho que durante esse tempo preparou o terreno para lhe dar a golpada, quando visse o momento oportuno.
- Já não confio mais nestas mulheres!
- E agora, o que pensa fazer?
- Estou a trabalhar com o Vieira. Tudo o que conseguir importar dos meus amigos, ganho uma comissão. Agradeço que me auxilie no computador, especialmente na Internet, porque pouco sei disso.
Peguei nalgum dinheiro que tinha comigo e entreguei-lho. Disse-me:
- Obrigado. Vou-lhe devolver assim que o Vieira me pague. Até para comer, neste momento, é graças a ele que o consigo.
Chegaram dois cubanos. Disseram-me que apenas utilizariam o meu computador de manhã, durante uns breves minutos para enviarem um e-mail, e verificarem a sua caixa do correio. Na primeira manhã ficaram ocupados durante cinco minutos. No outro dia meia hora. A seguir duas horas. Passaram também a ocupar-me as tardes. Os seus textos eram longos, cada vez mais longínquos.
O Chileno também reclamava constantemente a minha presença. Conseguiu junto dos seus amigos um novo disco rígido e um modem. Reinstalei tudo o que era necessário no seu computador. Configurei-lhe o acesso à Internet. Estava tudo ok. Mas mesmo assim estava sempre com dúvidas. O trabalho que eu tinha para fazer, era minimamente executado, pois que o tempo que me restava era curto. Preocupado dei conhecimento ao Vieira do que se passava. Mas os meus protestos foram em vão.
À noite verifiquei a minha caixa do correio. A minha esposa confirmava que uma transferência bancária tinha sido efectuada. Protestava com veemência a falta de atenção que eu lhe dispensava. Fiz-lhe recordar como tudo está tão difícil, e que as vicissitudes são de grande monta. Ela não se fez rogada e escreveu que provavelmente eu já tinha arranjado uma preta, e que se isso acontecesse também arranjaria um amante.
Vieira entra, bate com a porta de tal maneira que parece uma explosão. Depois do susto diz-me com cara de caso:
- Já sabes o que aconteceu no meu prédio esta noite?
- Não, não faço a mínima ideia.

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