A água deslizava como que sorrateira acariciando
as pedras e caía parecendo um volumoso fio de prata, que a cerca de dez metros
de altura libertava-se formando um lago sempre rejuvenescido. O lago estava
ladeado por mangueiras que vaidosas ostentavam suculentas mangas, e aves
viuvinhas passeavam, saltavam de ramo em ramo brincando tranquilamente.
Do lado oposto estava como que encomendada uma
saliência de pedra natural que servia para dar mergulhos tipo prancha de
piscina, para sentar, descansar ou admirar tão magnífica paisagem que obrigava
os sentidos a se enfeitiçar.
Depois de uns mergulhos, os jovens, Lukeni e
Mita, sentados na saliência conversavam ao mesmo tempo que balançavam as pernas
que pendiam no vazio. Pararam de balançar e acto contínuo decidiram os corpos
encostar. Lukeni segredou no ouvido dela “és mesmo tu que eu quero, jamais te
esquecerei, jamais o teu amor abandonarei. Prometo amar-te para sempre. Prometo
que serás para sempre a fonte da juventude do nosso eterno amor que jamais
secará.” E ela sentindo arrepios de amor por todo o corpo, esfregava as pernas
e acariciava o corpo entregando-o à irresistível lascívia. Abraçaram-se e
beijaram-se convictos de que para eles o tempo parou, e que o mundo era só
deles como se fosse uma gigantesca ilha, a aldeia global do amor.
Era no tempo da estação quente. O apogeu do
calor incomodava os corpos, Lukeni e Mita caminhavam de mãos entrelaçadas no
início da tarde na direcção de um grande lago abundante de cacussos (Tilapia rendalli).
Lukeni retirou a sua pequena cana de pesca previamente anzolada, iscou-a e
lançou-a para o sorteio da água. Não demorou quase nada e logo um cacusso se
prendeu num anzol. Pescou mais um, encostou-o ao outro e passou-lhes pelas
bocas um fio de tecido vegetal. Continuaram a caminhada, colheram da terra
fecunda duas brutas batatas-doces garantindo o maná do dia. Mita, esticou as
mãos e colheu duas orgulhosas mangas.
De repente, como que por magia o céu escureceu, nuvens
escuras moviam-se rapidamente, não tardaria e a chuva presente se faria.
Correram para o refúgio de um casebre estrategicamente edificado para o efeito,
instalaram-se e viram o dia a se transformar em noite, tal era a intensidade do
breu. Antecedendo a chuvada, o vento assobiava e soprava de tal modo que
parecia que tudo pelo ar voaria. Parecia uma procela, era tal o ímpeto da chuva
que fazia lembrar o déjà-vu. Mita começou a preparar os cacussos com a água da
chuva, enquanto Lukeni preparava a fogueira com a lenha seca retirada do improvisado
aprovisionamento. Depois de saciados deitaram-se bem colados, sentia-se frio
porque a temperatura baixou. Taparam-se com uma manta a tresandar a pó. A chuva
continuava a bater forte e sem se darem conta adormeceram profundamente.
A Aldeia do Lago era muito pacífica, os seus
habitantes viviam em – pode-se dizer – harmonia absoluta. O sustento diário
estava garantido, miséria e fome eram totalmente desconhecidos, e talvez também
porque não existiam partidos políticos nem feitiçaria, porque as contendas eram
geridas pela jurisprudência do Sábio do Lago, assim cognominado porque vivia no
penedo do lago. Ele também educava as crianças e os adultos dando-lhes
instrução primária, secundária e até superior, porque era da tradição e ele
detinha os conhecimentos do legado dos antepassados.
Lukeni e Mita cedo se levantaram e já pela aldeia
circulavam a distribuir os bons-dias pelos aldeãos. De mãos entrelaçadas iam
para o seu poiso habitual, o Lago da Cascata.
Já lá estavam quando dee repente o céu foi abalado por
um barulho muito conhecido, ouvia-se distintamente o som característico de
hélices de helicópteros. Eram três que de imediato se fizeram a terra, enquanto
vários camiões estacionavam e deles saíam tropas especiais, e dos helicópteros
desembarcavam pára-quedistas. Pela movimentação a aldeia ficou pejada de pó,
como se de um nevoeiro apocalíptico se tratasse. Estranhamente, a cena lembrava
o filme Apocalipse Now de 1979, do célebre realizador Francis Ford Coppola, só
lhe faltava o napalm. Um militar com um megafone em punho fazia-se ouvir muito
estridente “petróleo à vista!” Os aldeãos em pânico corriam de um lado para o
outro sem saberem o que fazer, acreditando piamente que as suas vidas chegaram
ao fim.
Creio que uma das principais funções dos seres humanos
é destruírem os paraísos dos povos, ainda há quem lhes chame de descobertas,
mas descobrirem o quê? Mas como se pode dizer que se descobriu um país, um
povo? E indo nessa, serve-lhes de jurisprudência para colonizarem outros povos,
alegando que eles são inferiores, que andam vestidos com um pequeno pano a
tapar-lhes os órgãos sexuais, alcunhando-os de pagãos e com a tenaz da religião
e a união de uma ditadura, estão lançados os dados da jurisprudência para a
anexação subtil ou não desses países e povos. Modernamente usa-se o paradigma
da cooperação vantajosa e a amizade entre países e povos.
Imagem: autor desconhecido
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