República das
torturas, das milícias e das demolições
Diário da cidade
dos leilões de escravos
28
de Dezembro
O mwangolé há muito que procurava
emprego. Cansou-se porque só via em todas as portas, em todas as janelas e em
todas as ruas: EMPREGOS SÓ PARA ESTRANGEIROS! O mwangolé teve então a mais
feliz ideia da sua vida e decidiu cobrá-la. Cheio de certeza conseguiu a
nacionalidade portuguesa – a dupla nacionalidade - e logo na primeira porta que
bateu conseguiu emprego.
O fanático político é aquele que segue
cegamente a militância de um partido. E já anestesiado, sem sentido, drogado,
dispara os canhões partidários em todas as direcções, porque perdeu a
capacidade de discernir entre o que é partidário e apartidário. Só a política
do partido – mesmo sabendo que está errada - é que vale, tudo o mais não tem
valor. A intolerância é a constante da vida, a felicidade do dever cumprido,
mesmo não se importando pelos inocentes que tombam à sua volta vitimados pelos
mais obscuros ardis da morte. Não, não, isto não é fazer política, é a prática
do nazismo.
O maior erro dos ditadores e das suas
famílias obcecados pelo poder, é o de acreditarem que com as imensas fortunas
acumuladas da espoliação das populações e do apoio de alguns países e de
milhares de mercenários estrangeiros, que podem comprar quem quiserem e
entenderem. Triste engano, pois não somos todos iguais, e há sempre alguém que
tem sã consciência e não se deixa embarcar nas ondas da maldade e da corrupção.
É a partir deste momento que as ditaduras têm os dias contados.
Enquanto existir corrupção haverá
guerra. A corrupção é a escada da guerra.
29
de Dezembro
Esta democracia continua surrealista. Se
os democratas aceitaram os resultados das eleições, concordando vencidos e
convencidos com a maioria esmagadora do MPLA, porque é que de vez em quando
bradam que as eleições foram fraudulentas? É muito tosca esta democracia, com
democratas que nem ainda com uma simples vitória nos contemplaram.
Assim continua Luanda, sem rei nem Roque
Santeiro. 13.30 horas. A minha vizinha costuma ir aos domingos no mercado dos
congolenses. Procurava a senhora da alface, onde habitualmente a costuma
comprar, quando de repente uma avalanche de mulheres surge em tresloucada correria
perseguidas pelos mabecos fiscais que parecia o fim do mundo. Na atrapalhação,
ela cai e fica estendida no chão. Teme o pior, que a multidão descontrolada lhe
passe por cima, mas não, foi por um triz. Outras mulheres ajudam-na a
levantarem-na e a tremer regressa para casa, no angustiante viver do a qualquer
momento ser assaltada. Mas porquê, os fiscais só perseguem as mulheres, e os
corruptos e os estrangeiros que nos outra vez colonizam não? Pois se todos
sabemos que os estrangeiros em Luanda exercem práticas ilegais? Porque a lei
protege os estrangeiros e persegue os nacionais. Os rendimentos do petróleo têm
que ser devidamente distribuídos pela população. Mais tarde, a vizinha disse
que uma mulher caiu num buraco.
Por favor, não ao sectarismo político,
como se de uma seita religiosa se tratasse. É o que vejo por aqui amiúde.
Na História Universal foram as
manifestações dos povos que obrigaram a mudanças políticas e sociais. Por aqui
– é tudo ao contrário, claro – se declara que a melhor manifestação que conduz
os destinos de um povo, é a passividade.
Nunca Angola esteve tão infestada de
vampiros como agora. Chegam aos milhares. Angola é a capital do vampirismo
mundial.
O nosso petróleo vai longe. É por isso
que não conseguimos sair das vistas curtas, da miragem do bem-estar, do
subdesenvolvimento.
Ainda estamos reféns do princípio, onde
o chefe ordena erradamente e nós obedecemos cegamente.
O comboio da ditadura avança, e o da
democracia ainda nem carris tem.
30
de Dezembro
A Rádio Ecclesia informa que um
indivíduo intitulado secretário-geral do MPLA, anda na espoliação de terrenos
dos camponeses em Viana, para construção de residências. O administrador diz
desconhecer o acontecimento. Claro que o clima é de tensão. Pessoalmente não me
é difícil perceber que por trás disto estão cidadãos estrangeiros. Por exemplo,
grande número de portugueses está na especulação imobiliária. Como conseguem o
dinheiro para alugar apartamentos por cinco mil dólares mensais?
09.01 horas. Repórter da Rádio Ecclesia
informa que há um forte tumulto na cadeia de Viana. Os reclusos revoltaram-se
contra os guardas. Há tiroteio e lançamento de gás lacrimogéneo. O trânsito
está interrompido. A zona da cadeia é definida como extremamente calamitosa.
ANO DE 2014. ANO DA REVOLTA?
Os portugueses caçam os empregos dos
angolanos, poucos lugares vagos existem à disposição. Claro, que a intenção é
desempregar os angolanos para voltar à imposição, à humilhação colonialista,
com a devida coligação interna. E como aos angolanos só lhes resta o desemprego,
a esta gigantesca multidão de desempregados chamam-lhe de bandidos.
Nas cadeias do Inferno de Luanda,
segundo a Rádio Ecclesia, nos tumultos da cadeia de Viana, até ao momento há
quatro mortos e vários feridos.
Porque será que este Governo quando
pretende seja o que for dos cidadãos, o único diálogo que utiliza é o cair-lhes
em cima com extrema violência?
E ainda: porque será que este Governo
para resolver – não resolver – seja o que for, cria a comissão A, a comissão B,
a comissão C, até acabar na letra Z?
Entretanto, numa das muitas
igrejas/seitas de Luanda, afinal Luanda é Angola, o novo bispo está com cartas
de apresentação ao seu público, aos seus fãs religiosos. Uma seguidora olha
para ele, assusta-se, grita no ouvido da sua amiga: «Éh! Eh! Eh! Eh! Esse bispo
é um grande bandido!» E a amiga: «Pois, então, como agora não há empregos,
qualquer um é bispo, porque com as esmolas dos crentes ganha-se muito
dinheiro.»
Os portugueses quando chagam do lado de
cá: «Esta terra é muito bonita. Tem um povo muito pacífico, muito humilde e
muito acolhedor, um povo maravilhoso. Tem um pôr-do-sol também muito
maravilhoso. Angola, quem a conhece, ou a ama ou a odeia. Esta é a terra das
oportunidades. Viver nela é como estar no paraíso. As crianças são muito
bonitas. É um povo que se contenta com muito pouco.»
Os portugueses quando chegam no lado de
lá: «Que povo mais burro! Estão tão atrasados, vivem como porcos, como
selvagens. Só vão a chicote! Não dá para viver com essa gente! Precisam outra
vez de ser colonizados!»
O povo angolano é a chaga do mundo!
Antes, foi o célebre mapa cor-de-rosa
que desenhou, dividiu a África a régua e esquadro. E agora, o novo mapa que se
redesenha será chamado de mapa cor de sangue?
31
de Dezembro
O Iraque em Luanda. No edifício que me
garantem ser do ex/ministro das Finanças, José Pedro de Morais, no largo do Zé
Pirão em Luanda, que tem como inquilinos funcionários das empresas
petrolíferas, fortemente guardado por seguranças que escoltam quem entra e dele
sai, até me garantiram também que têm seguranças americanos. Um jovem pai com o
seu jovem filho quase a atingir os dois anos de idade, passaram em frente a
esse edifício, e o pai assustou-se porque escaparam de levar um tiro, porque
pensaram que o bebé poderia ser uma criança-bomba. Noutra ocasião, a avó seguia
com o seu neto, passou em frente ao edifício e disse para a criança: «Olha! São
coletes à prova de bala!» Um segurança ouviu e perguntou-lhe ameaçador: «O que
é que tu disseste?» E a avó: «Nada, não disse nada!» A avó escapou por um triz
da prisão, e que de mais? Esse pessoal tem ordens para matar ao mínimo gesto
suspeito, e não têm problemas pois as ordens superiores dos senhores do
petróleo – as únicas leis – são lei.
Fui responsável pela execução da
contabilidade de uma empresa de segurança de um luso-angolano. O homem, quando
chegava esta altura do tempo, Natal e ano-novo, transferia a massa das suas
contas bancárias em divisas que omitia na contabilidade – como se não
existissem – para Portugal e só regressava em Fevereiro, deixando toda a gente
sem salários. Ele viajava sem dizer nada a ninguém. Deixava um irmão que vivia
nas barracas em Portugal e que ele mandou vir para aqui, e logo chegado passou
a chefe disto e daquilo. Quando se perguntava ao irmão quando é que ele
regressava, o irmão hipocritamente dizia que não sabia de nada, ele, o doutor
nunca lhe falava dessas coisas. Tudo continua na mesma, nada mudou. Excepto que
pela invasão que todos sabemos, e que fingimos desconhecer, as coisas pioraram,
e muito.
De um vizinho: «Afinal esse Chivukuvuku
da CASA quer fazer guerra?»
22.48 minutos. Aqui na rua das Sirenes,
o trânsito pedestre e automóvel estão engarrafados. Muita, muita gente a
dirigir-se para a baixa de Luanda. Estão todos malucos?
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