sexta-feira, 24 de junho de 2016

O SUBMARINO ANGOLA (05)



Na imensidão do Submarino Angola, que mais parecia uma cidade submarina, nada faltava. A área mais imponente era a das reuniões do comité central do partido, e também o espaço de compartimentos dedicado aos presos políticos que estava sempre repleto, pois onde há muita repressão há muitos presos políticos.
Antes das reuniões do comité central, fazia-se um rigoroso controlo de tudo e de todos, de tal modo que nas ruas circundantes ninguém se atrevia a caminhar, os habitantes da área ficavam bem escondidos sempre à espera do pior. É que até não se ouvia o mais leve rumor de ratos ou baratas, tal era o controlo absoluto. E quando se ouvia algum ou mais disparos significava que mais alguém perdeu a vida porque assim a revolução o exigia. E na zona do cais de embarque estavam posicionadas forças militares de ar, mar e terra. O aparato era impressionante, esperava-se uma invasão de um país estrangeiro, - diziam - ou um ataque das forças imperialistas que pretendiam a todo o custo o retrocesso dos gloriosos caminhos socialistas, adiar a felicidade eterna do povo angolano.
É claro que os membros do comité central antes de se reunirem despediam-se dos seus familiares e até passavam a orar a Deus, pois não sabiam se regressariam das profundezas marinhas, ou em caso de desgraça se os seus corpos viriam à superfície, pois por motivos de segurança, o Submarino Angola mergulhava muito fundo e a maioria dos membros do comité central ficava aterrorizada, em estado de choque, e quando regressavam à superfície iam para as clínicas médicas e outros para estâncias de repouso. Muitos queriam renunciar ao comité central inventando os mais díspares pretextos, mas sem efeito porque de imediato sumariamente acusados de alta traição à pátria e logo rumavam para os calabouços do Submarino Angola, ou também sumariamente fuzilados por abandono dos ideais socialistas e da corrupção, assim como uma espécie de estado islâmico.
A estrutura de apoio ao aparato submarinista quase que consumia o orçamento-programa, e o pouco que restava fingia que a saúde apoiava e na educação muito pouco dava, faltava. Portanto era impossível resgatar, edificar o tal homem novo, que passou a homem doente, sempre deprimente, muito dotado, desesperado esfomeado.  
Claro que a vida não se movia, na desesperança se engolia. As noites estavam catastróficas com constantes assaltos, pois perante o marasmo social e económico atribuído à crise do afundamento do preço do petróleo, quando na realidade palpável a corrupção solavancava a nação. Há muito que existiam provas mais que evidentes, – alguns diziam descaradamente que a corrupção era um fenómeno impossível de combater, e como tal o melhor era encostar-se a ela, assim como outros diziam que a melhor forma de combater o capitalismo era encostar-se a ele – mas os partidários do sistema afirmavam categoricamente que sem provas não era possível levar ninguém a julgamento, e a coisa caía no esquecimento até à próxima rodada de outro rombo nos cofres privativos do familiar Orçamento Geral Familiar, até que a galinha dos ovos de ouro fosse abandonada por já não os pôr.
Até que a vida já não caminhava aos solavancos, mas aos saltimbancos que usando diversos trejeitos assaltavam e as nossas mentes e os nossos esqueléticos corpos espoliavam de acordo com as leis da corrupção instituída, desmedida pelos países amigos de Angola e da África  
Apoiar as guerras civis em África é o supra sumo ocidental e mundial porque os seus governantes são a mão-de-obra ideal.
A morte pela fome da população africana é o novo mapa cor-de-rosa. Quer dizer, antes dividiu-se a África com régua e esquadro, desta vez não, é a solidão da exterminação pela fome. Amigo leitor, desculpe-me mas não me posso calar perante tão atroz silêncio mundial, um conluio demasiado evidente, neocolonial: o desejo mais que acentuado de exterminar a raça negra e recolonizar a África Negra servidos pelas populações das negras servidões. Onde só funcionam os palácios dos vilões.
Desde o dia 10 de Junho de 2016 que uma pobre e pacata transferência bancária foi ordenada do Banco Bai Directo por um amigo para a minha conta no Banco Sol, uns míseros quinze mil kwanzas, e até agora, 17 de Junho de 2016 nada. Isto é ou não a falência do sistema bancário?! Claro que é! Angola é o país das falências sucessivas, do imponente esclavagismo praticado por um punhado de indivíduos que ainda sobrevivem graças à manutenção, ao desvio do erário público para a sua eternização no poder, mas tudo isso são quimeras, porque ninguém enriquece a vender ovos. E o principal veículo dessa transferência destinava-se a alimentar o meu telemóvel e o acesso à Internet, porque actualmente – e no futuro - ninguém consegue sobreviver sem Net, e é por isso que sem ensino e Internet é muito fácil governar, pois povo informado sob a égide da Igreja corrupta e de um governo que a alimenta com o sangue da população, essa Igreja vive opulenta, cercada de bandidos perigosos que a todo o momento procuram sobreviver, pois sem o dinheiro do petróleo e dos dízimos é impossível viver. O dinheiro petrolífero cai nos sacos dos donos de Angola, e presentemente a população nem direito tem a esmola, pois tal é considerado subversivo.
O meu filho passa fome, foi recrutado pelo exército dos famintos, há quatro anos que não lhe pagam o subsídio de férias do trabalho escravo nas empresas e do país pertença de generais. Já disse ao meu filho algumas vezes que aqui é impossível viver, temos que bazar enquanto é tempo porque com esta gente só a morte prevalece, e só a fome se enaltece.
A jovem vizinha de trinta anos escapou da morte por estrangulamento porque conseguiu abrir a porta e vir para a escada mostrar o espectáculo habitual de matar com a total impunidade que caracteriza um qualquer governo africano, angolano. Eram vinte horas e o seu avô estava com as mãos prontas para a estrangular, ela já não tinha forças para lutar, no portão de ferro gritei com toda a força: “vizinho, deixa a tua neta não a mates. Pára, pára!” Na atrapalhação consegui abrir o portão de ferro, pois tal assassinato presenciado não é tarefa fácil de se ver, viver, logo, mais dois vizinhos chegam e o vizinho avô vê que já não consegue matar a neta – isto é uma matança diária – arrasta a neta para dentro e ouve-se o barulho de vidros partidos. Os vizinhos do quinto andar esquerdo, os únicos, perguntam-me o que se passa, digo-lhes que é o vizinho que está a matar a neta. Ligo para o 113 da Polícia, o número do azar, pois raramente é atendido, típico do africanismo onde a vida não tem valor, e isso faz com que a África desapareça sem esperança, só os tolos acreditam na esperança, uma invenção da Igreja e da sua religião. E claro, desisti de ligar para o 113. E a vizinha não tendo mais para onde ir, depois de ser desalojada da casa onde habitava quase há trinta anos, carregou o seu recheio junto com o seu filho de sete anos, também abandonado pelo seu avô, e abri-lhes a porta da minha casa e cá estão refugiados desde o dia 14 de Junho de 2016. Não adianta apresentar queixa na Polícia porque ninguém liga a essas coisas. Afinal, o avô quer meter em casa algumas mulheres e gozar os prazeres do sexo, e por isso correu com a neta e com o seu filho. Angola, África onde estas coisas são tão banais, não se dá nenhum valor à vida, já não se sabe o que isso é, e então, Angola, África, é o continente da morte, da fome, o continente sem futuro, o continente da extinção, o continente de outros colonizadores.   
Carlos Gonçalves: “E estamos assim… Boião de sangue no hospital... se precisas pagas 30 mil Kzs senão não tens direito a ele! Vacina da Febre Amarela...18 mil Kzs
e é preciso que haja disponível… Marcação de Consulta de Dentista... se não trouxeres luvas e máscara não te fazem a marcação...”


Sem comentários:

Enviar um comentário