segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

As Aventuras de Akalesela (02). O Mistério do Prédio Enfeitiçado




Akalesela, um detective angolano que na companhia da sua colaboradora, Kakulu-Ka-Humbi, investigam e desvendam feitiços.

- Qual delas? Estão todas esburacadas e craterizadas.
- Qualquer uma.
Chegam na traseira do lar. Akalesela manobra o comando móvel e acciona o mecanismo electrónico da porta da garagem. Esta move-se e entram. Akalesela acaba de estacionar o jipe. A porta fecha-se, respiram de alívio. Entram no lar, ela lamenta-se:
- Nesta cidade é cada vez mais perigoso andar de noite.
- Com um top tão minúsculo e uma cinta-calça, estavas à espera de quê?!
- Porra! Nunca viram uma mulher!?
- Como tu, de certeza que não.  
São quase duas horas da manhã. Os vizinhos de cima curtem a farra ambiental da identidade perdida, cultural. O barulho da música não obedece a leis. Quanto mais intranquilidade melhor. Os fazedores de ruído não o sentem porque já estão doentes de surdez. Akalesela chatea-se:
- Vamos bazar daqui com o jipe para dormirmos.
- Concordo.
Ao mesmo tempo Injandanda aparece. Implora-lhes:
- Estou com fome.
- Não te trouxeram a comida? – Interrogou Akalesela.
- Não.
- Vai na cozinha e apanha qualquer coisa.
Depois de satisfazer o seu desejo, Injandanda prepara-se para se despedir. Kakulu-Ka-Humbi intriga-se:
- Quanto ganhas?
- Cinquenta dólares.
- Está bem, podes ir, até logo.
- Akalesela estás a ver como é? E nós pagamos quase dois mil dólares por mês, e ainda temos que o alimentar.
- Podemos constituir uma empresa de segurança. Em pouco tempo a nossa riqueza é certa.
Voltaram depois das cinco da manhã. Os festeiros cansados dormiam bem colonizados. Não havia barulho, mas viam-se latas, garrafas e restos de comida espalhados à volta da casa. Ela enfurece-se:
- Ifusa. (Porcos, indecentes)
Akalesela acalma-a.
- Quando tivermos rendimentos vamos negociar com eles para lhes comprarmos a casa.
- Perdi o meu tempo a estudar sociologia.
- Porquê?
- Devia estudar selvajaria.
A residência fica no fim da rua numa pequena colina. Foi-lhe atribuído o número 909 por estimativa, porque quase metade da rua ainda não tem residências. Os construtores chineses trabalham dia e noite no projecto imobiliário do governo para acelerar a especulação imobiliária. Rua das Escoltas porque estão sempre a circular veículos da nobreza presidencial  belicamente escoltados. Circulam afastados do número 909, contudo o barulho dos seus movimentos ouvem-se.
São quase dez horas da manhã. Akalesela está sentado a ler, ou melhor, a ver o jornal dos anúncios, porque de ler não tem nada. Como já foi dito, o dinheiro não chega para comprar as edições dos jornais saídos nos fins-de-semana. Felizmente a Rádio Eclética faz um resumo dos semanários aos sábados. Kakulu-Ka-Humbi está na cozinha. Desperta-lhe a fome, anuncia-lhe:
- Vem comer.
- Já vou.
Beberam chá e ilusionaram os estômagos com algumas bolachas. Akalesela preocupa-se com a presença anunciada da célebre miséria. Mas mesmo assim as vozes do Politburo garantem que a prosperidade do povo nunca virá certamente. Amua-se:
- Se não aparecerem clientes passaremos fome.
Injandanda, irreverente assoma à porta e esmola.
- Não se esqueçam de mim.
Akalesela observa-lhe.
- Estamos a ficar com a casa cheia de teias de aranha.
O lar tem dois quartos, uma cozinha com uma pequena mesa para as refeições, despensa, sanitário simples e uma sala espaçosa, confortável e acolhedora utilizada para escritório. Tem computador com Internet. Uma estante com dezenas de CD-ROM que armazenam vários temas, desde culinária, jardinagem, biologia, espeleologia até plantas venenosas, música medieval, vinhos e várias enciclopédias que na maioria tratam assuntos de feitiçaria, mitos, lendas e mistérios. Vários livros arrumados que informam sobre rituais e religiões.
Um sofá para quatro pessoas ocupa o centro da sala. A estante e o computador estão-lhe atrás. Na parede em frente vê-se a cópia de uma pintura muito ampliada do Café da Noite de Van Gogh. Embaixo, um televisor grande informa o que se passa na parabólica. Antes da porta que dá para a varanda da rua está montado no lado direito um poleiro para águias.
Foi necessário instalar no anexo das traseiras um potente gerador, e construir um tanque de água subterrâneo. Água e luz há muito que o governo os racionou. Kakulu-Ka-Humbi fala o tema musical que há muito se tornou habitual:
- Já nos espoliaram a luz, ligo o gerador?
- Liga.
- O combustível está a acabar, é muita despesa, ficaremos sem energia eléctrica.
Ele replica-lhe:
- Isso é privilégio dos países desenvolvidos.
- Por mais que tentemos não conseguimos copiá-los. – Afirmou ela enquanto caminhava.
Depois do gerador ligado ela regressou e informou-lhe que ia fazer ginástica,  e treinar um bocado.
Um gato deitado numa cesta com os olhos meio abertos indicava que estava contente. Akalesela sorriu ao lembrar-se quando numa noite chuvosa dormia na varanda. O gato acordou-o com miar estridente. Correu a chamar a atenção de Kakulu-Ka-Humbi. Repetia a mesma tarefa sem parar. Akalesela abandonou a varanda e o gato acalmouse.
Ainda com o jornal dos anúncios, Akalesela observou as colunas dos imobiliários. Pela quantidade notava-se que a coisa estava a dar. Não era difícil averiguar que se tratava de pura especulação. Foi interrompido por Injandanda:
- Senhor, a vizinha mandou sal.
- Vai na cozinha e tira um bocado.
Retirou-se. Akalesela voltou aos seus pensamentos mas é de novo interrompido.
- A vizinha mandou jindungo.
-Está bem! Se pedir mais alguma coisa diz que estamos a dormir. Ao que chegámos, nem já neste amargurado reino podemos pensar.
Demorou que Akalesela voltasse a encontrar os caminhos dos seus pensamentos. Lembrou-se das gambas e do molho que sobraram do dia anterior. Transportou o petisco para a mesa que acompanhava o sofá. Sentou-se, petiscou e tornou a levantar-se para buscar uma cerveja. Depois de beber recordou como conheceu Kakulu-Ka-Humbi.
Quando era segundo comandante da polícia, com a função de proteger individualidades diplomáticas, entrou para a universidade com a pretensão de se formar em Direito. Queria com isso obter uma promoção. Talvez porque a concorrência era elevada não conseguiu. Como queria comprar uma vivenda entrou no negócio da legalização de estrangeiros ilegais. A coisa ia bem. Com o dinheiro arrecadado comprou uma vivenda em mau estado de conservação por bom preço. Afinal era comandante da polícia. E isso, ele acreditava, dava-lhe o direito de usar as prerrogativas do seu cargo. Reconstruiu a vivenda.
Na universidade conheceu Kakulu-Ka-Humbi. Ganharam amizade, de tal modo, que passavam grande parte do tempo juntos a estudarem. Até que verificaram que quase não podiam passar um sem o outro. Ela era filha de um novo-rico, mas sentia-se revoltada pelas imposições constantes que o pai lhe fazia em casa. Ele queria moral, mas não era possível porque tinha várias amantes. Coisa corriqueira de mwangole.
Entretanto, na polícia as actividades de Akalesela tornaram-se obviamente suspeitas. Adquiriram o carácter incómodo da denúncia devido a Akalesela não dar um tostão aos seus colegas dos negócios que efectuava. Então, o comandante sentiu a necessidade de falar-lhe e pô-lo ao corrente da situação, convidando-o a abandonar a polícia sorrateiramente. Assim fez e submeteu a intenção da sua ideia a Kakulu-Ka-Humbi. Ela anuiu e conseguiu convencer o seu pai a arrancar alguns ramos da árvore petrolífera. O pai concordou, até porque queria ver-se livre dela, devido aos escândalos que fazia em casa. Continuamente afirmava que o pai era um quilombo poligâmico. No fundo ela apenas queria ter a sua casa, sentir-se independente. Por isso aceitou o que Akalesela lhe propôs.
Akalesela despertou com o miar do gato que caminhava na direcção de Kakulu-Ka-Humbi, enquanto secava a nudez do corpo depois do ligeiro banho, devido aos exercícios que terminara. O gato enroscava-se nos seus pés. Ela já sabia o que ele queria:
- Procura comida não é? Gatinho… Joaninho.
Voltou-se para Akalesela:
- Vejo que já estás almoçado.
- É verdade.
- Vou fazer qualquer coisa para mim e para o Joaninho.
- Kakulu-Ka-Humbi estás nua. O Injandanda pode aparecer.
Ela abusou da observação:
- O coitado vai desmaiar quando enfrentar esta magnifica vulva.
Parece que Injandanda ouviu. Entrou e ficou como uma estátua. Ela não se conteve:
- Lukuka. (Sai). Dá a chave, a partir de agora vais bater à porta.
Akalesela limitou-se a um ligeiro lamento:
- Quando as mulheres sabem que são bonitas tornam-se imprevisíveis como os tubarões.
- Ou como a Helena de Tróia. – Asseverou ela.

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