Akalesela, um detective angolano que na companhia da sua
colaboradora, Kakulu-Ka-Humbi, investigam e desvendam feitiços.
- Qual
delas? Estão todas esburacadas e craterizadas.
- Qualquer
uma.
Chegam na traseira
do lar. Akalesela manobra o comando móvel e acciona o mecanismo
electrónico da porta da garagem. Esta move-se e entram. Akalesela acaba de
estacionar o jipe. A porta fecha-se, respiram de alívio.
Entram no lar, ela lamenta-se:
- Nesta cidade é cada vez mais perigoso andar de
noite.
- Com um top tão minúsculo
e uma cinta-calça, estavas à espera de quê?!
-
Porra! Nunca viram uma mulher!?
- Como tu, de certeza que não.
São quase duas horas
da manhã. Os vizinhos
de cima curtem a farra ambiental da
identidade perdida, cultural. O barulho
da música não
obedece a leis. Quanto
mais intranquilidade melhor. Os fazedores
de ruído não
o sentem porque já
estão doentes de surdez. Akalesela chatea-se:
- Vamos
bazar daqui com o jipe
para dormirmos.
-
Concordo.
Ao mesmo tempo
Injandanda aparece. Implora-lhes:
- Estou
com fome.
- Não te
trouxeram a comida? – Interrogou Akalesela.
- Não.
- Vai
na cozinha e apanha
qualquer coisa.
Depois de satisfazer
o seu desejo, Injandanda prepara-se para se despedir. Kakulu-Ka-Humbi
intriga-se:
- Quanto ganhas?
-
Cinquenta dólares.
- Está bem, podes ir, até logo.
-
Akalesela estás a ver como
é? E nós pagamos quase
dois mil
dólares por mês,
e ainda temos que
o alimentar.
-
Podemos constituir uma empresa
de segurança. Em
pouco tempo
a nossa riqueza é certa.
Voltaram
depois das cinco
da manhã. Os festeiros
cansados dormiam bem colonizados. Não
havia barulho, mas
viam-se latas, garrafas
e restos de comida
espalhados à volta da casa. Ela enfurece-se:
-
Ifusa. (Porcos, indecentes)
Akalesela acalma-a.
- Quando tivermos rendimentos
vamos negociar com
eles para lhes comprarmos a casa.
- Perdi
o meu tempo
a estudar sociologia.
- Porquê?
- Devia
estudar selvajaria.
A residência fica no fim
da rua numa pequena
colina. Foi-lhe atribuído o número
909 por estimativa,
porque quase
metade da rua
ainda não
tem residências. Os construtores
chineses trabalham dia e noite no
projecto imobiliário do governo para acelerar a especulação imobiliária. Rua das Escoltas porque
estão sempre a circular veículos da
nobreza presidencial belicamente escoltados.
Circulam
afastados do número 909, contudo o barulho dos seus movimentos ouvem-se.
São quase dez horas da manhã.
Akalesela está sentado a ler, ou
melhor, a ver
o jornal dos anúncios,
porque de ler
não tem nada.
Como já
foi dito, o dinheiro não
chega para comprar as edições
dos jornais saídos nos fins-de-semana. Felizmente a Rádio
Eclética faz um
resumo dos semanários
aos sábados. Kakulu-Ka-Humbi está na cozinha.
Desperta-lhe a fome, anuncia-lhe:
- Vem comer.
- Já vou.
Beberam
chá e ilusionaram os estômagos com algumas bolachas.
Akalesela preocupa-se com a presença anunciada da célebre miséria. Mas mesmo
assim as vozes do Politburo garantem que a prosperidade do povo nunca virá
certamente. Amua-se:
- Se não aparecerem clientes passaremos fome.
Injandanda,
irreverente assoma à porta e esmola.
- Não se esqueçam de mim.
Akalesela
observa-lhe.
-
Estamos a ficar com
a casa cheia
de teias de aranha.
O lar tem
dois quartos,
uma cozinha com
uma pequena mesa
para as refeições,
despensa, sanitário
simples e uma sala
espaçosa, confortável
e acolhedora utilizada para escritório.
Tem computador com
Internet. Uma estante
com dezenas
de CD-ROM que armazenam vários temas, desde culinária,
jardinagem, biologia,
espeleologia até
plantas venenosas, música
medieval, vinhos
e várias enciclopédias que na maioria tratam assuntos
de feitiçaria, mitos,
lendas e mistérios.
Vários livros
arrumados que informam sobre rituais e
religiões.
Um sofá
para quatro pessoas ocupa o centro da sala. A estante
e o computador estão-lhe atrás. Na parede
em frente
vê-se a cópia de uma pintura muito
ampliada do Café da Noite de Van Gogh. Embaixo,
um televisor
grande informa o que
se passa na parabólica.
Antes da porta
que dá para a
varanda da rua
está montado no lado
direito um
poleiro para águias.
Foi necessário instalar no anexo das traseiras
um potente
gerador, e construir
um tanque
de água subterrâneo.
Água e luz
há muito que o governo os racionou. Kakulu-Ka-Humbi fala
o tema musical que há muito se tornou habitual:
- Já
nos espoliaram a luz, ligo o gerador?
- Liga.
- O combustível está a acabar, é muita
despesa, ficaremos sem
energia eléctrica.
Ele replica-lhe:
- Isso é privilégio
dos países desenvolvidos.
- Por mais que tentemos não
conseguimos copiá-los. – Afirmou ela enquanto caminhava.
Depois do gerador
ligado ela regressou e informou-lhe que
ia fazer ginástica, e treinar um bocado.
Um gato deitado
numa cesta com
os olhos meio
abertos indicava que
estava contente. Akalesela sorriu ao lembrar-se
quando numa noite
chuvosa dormia na varanda. O gato acordou-o com miar estridente.
Correu a chamar a atenção
de Kakulu-Ka-Humbi. Repetia a mesma tarefa sem parar. Akalesela abandonou a varanda
e o gato acalmouse.
Ainda com
o jornal dos anúncios, Akalesela
observou as colunas dos imobiliários. Pela
quantidade notava-se que
a coisa estava a dar. Não
era difícil
averiguar que
se tratava de pura especulação.
Foi interrompido por
Injandanda:
- Senhor, a vizinha
mandou sal.
- Vai
na cozinha e tira
um bocado.
Retirou-se.
Akalesela voltou aos seus pensamentos
mas é de novo interrompido.
- A vizinha mandou jindungo.
-Está bem! Se pedir mais alguma coisa diz que estamos a dormir. Ao que chegámos, nem já neste amargurado reino podemos pensar.
Demorou
que Akalesela voltasse a encontrar
os caminhos dos seus
pensamentos. Lembrou-se das gambas e do molho que sobraram
do dia anterior.
Transportou o petisco para
a mesa que
acompanhava o sofá. Sentou-se, petiscou
e tornou a levantar-se para buscar
uma cerveja. Depois
de beber recordou como
conheceu Kakulu-Ka-Humbi.
Quando era
segundo comandante
da polícia, com
a função de proteger
individualidades diplomáticas, entrou para a universidade com a pretensão de se formar em Direito. Queria com isso obter uma promoção. Talvez porque a
concorrência era
elevada não
conseguiu. Como queria comprar
uma vivenda entrou no negócio da legalização
de estrangeiros ilegais.
A coisa ia bem. Com o dinheiro arrecadado
comprou uma vivenda em
mau estado
de conservação por
bom preço.
Afinal era
comandante da polícia.
E isso, ele
acreditava, dava-lhe o direito de usar as prerrogativas
do seu cargo.
Reconstruiu a vivenda.
Na universidade conheceu Kakulu-Ka-Humbi. Ganharam amizade, de tal
modo, que
passavam grande parte
do tempo juntos
a estudarem. Até que
verificaram que quase
não podiam passar
um sem
o outro. Ela
era filha
de um novo-rico,
mas sentia-se revoltada pelas imposições constantes
que o pai
lhe fazia em casa. Ele
queria moral, mas
não era
possível porque
tinha várias amantes.
Coisa corriqueira de mwangole.
Entretanto,
na polícia as actividades de Akalesela
tornaram-se obviamente suspeitas. Adquiriram o carácter
incómodo da denúncia devido a Akalesela não
dar um tostão aos seus
colegas dos negócios
que efectuava. Então, o comandante sentiu a necessidade
de falar-lhe e pô-lo ao corrente da situação, convidando-o a abandonar
a polícia sorrateiramente.
Assim fez e submeteu a intenção da sua
ideia a Kakulu-Ka-Humbi. Ela anuiu e
conseguiu convencer o seu
pai a arrancar
alguns ramos
da árvore petrolífera. O pai concordou, até
porque queria ver-se livre dela, devido
aos escândalos que
fazia em casa.
Continuamente afirmava que
o pai era
um quilombo
poligâmico. No fundo ela apenas
queria ter a sua
casa, sentir-se independente.
Por isso
aceitou o que Akalesela lhe propôs.
Akalesela
despertou com o miar
do gato que
caminhava na direcção de Kakulu-Ka-Humbi, enquanto secava a nudez
do corpo depois
do ligeiro banho,
devido aos exercícios
que terminara. O gato
enroscava-se nos seus
pés. Ela
já sabia o que
ele queria:
- Procura comida não é? Gatinho… Joaninho.
Voltou-se
para Akalesela:
- Vejo que já estás
almoçado.
- É verdade.
- Vou fazer qualquer coisa para mim e para
o Joaninho.
-
Kakulu-Ka-Humbi estás nua. O Injandanda pode aparecer.
Ela abusou da observação:
- O coitado vai desmaiar quando enfrentar esta
magnifica vulva.
Parece que Injandanda ouviu. Entrou e ficou como uma estátua.
Ela não
se conteve:
-
Lukuka. (Sai). Dá a chave, a partir de agora vais bater à porta.
Akalesela
limitou-se a um ligeiro
lamento:
- Quando as mulheres
sabem que são
bonitas tornam-se imprevisíveis como os tubarões.
- Ou como a Helena
de Tróia. – Asseverou ela.
Sem comentários:
Enviar um comentário