República
das torturas, das milícias e das demolições
Diário
da cidade dos leilões de escravos
“Aquele que troca
liberdade por segurança, não a merece como também não a terá.” “Toda a
humanidade está dividida em três classes, aqueles que não se movem, aqueles que
são movidos, e aqueles que movem.” (Benjamin Franklin, 1706-1790.)
No Submarino Angola decorria o congresso do
partido da partitura. Claro que não faltava nada porque o OGP, Orçamento Geral
do Partido, assim o exigia e os recursos da nação estavam apenas distribuídos
para os membros do partido. Bebia-se caviar com lagosta, champanhe e ostras
vindos da França por via aérea no avião particular do politburo. Entretanto a
população perdeu o direito de assim se chamar, cedendo-o para os estrangeiros
que passaram a ganhar esse estatuto, inclusive foram agraciados por decreto que
tinham direito a bilhete de identidade e logo o de cidadãos angolanos. Algum
estrangeiro se lembrou do velho epíteto colonial dos pés descalços e rapidamente
todos como que formando um partido nele votaram na exclusão da população
muangolé, apelidando-a formalmente de pés descalços, e como tal sem direitos,
tinham como deveres servir os senhores estrangeiros e os do Submarino Angola.
Claro, ficaram sem terras, sem nacionalidade, sem trabalho, sem escola e
hospitais – eram de fingir – sem independência, e muito mais grave, abismal,
sem direito a Constituição, sem direitos democráticos, – também eram de fingir
– com direito a casas partidas e sumariamente desalojados sem indemnizações.
Totalmente, radicalmente sem direitos, as mamãs e as suas filhas tinham o
direito de se prostituírem, e sem empregos quem tentasse vender alguma coisa
nas ruas era sumariamente despojado dos seus bens, e também sumariamente “executado”,
enviado para o conglomerado da cidade lata a que chamavam zangos com direito a
numeração, zango 1, até zango 4, não se sabendo se mais virão, dependendo da
rapina chinesa sob o disfarce do apoio financeiro. Com direito à miséria e à
sua companheira inseparável, a fome, os pés descalços lutavam para sobreviver
ressuscitando o velho esquema colonial dos assaltos. De tal modo que um
português aconselhou outro que queria vir para o Submarino Angola que podia
vir, que este país e o seu povo de pés descalços são maravilhosos, que não
podia transferir euros, mas mesmo só com kwanzas, a moeda local, a coisa
prometia, maravilhava, e depois, quem sabe, daqui a alguns anos a situação
voltaria à normalidade e naturalmente se poderiam saquear os dólares e os euros
outra vez à vontade, mas o pior, ressaltava o português, eram os assaltos. Por
exemplo, um vizinho desceu do terceiro andar do prédio onde habita, foi ao
minimercado quase pegado ao prédio e quando de lá saiu com dois sacos de
compras, foi surpreendido por uma criança de dez anos a meter-lhe a mão no
bolso das calças para lhe apanhar dinheiro. Claro, que quanto mais tempo passar
mais as coisas vão piorar, e os estrangeiros não conseguirão escapar da onda do
exército dos famintos que com muito empenho ajudaram a criar. Viver com
famintos por todo o lado é um exercício de alto risco. Creio que me é um pouco
difícil ver tantos portugueses a arriscarem aqui as suas vidas sem necessidade,
mas eles é que sabem, mas é muito triste morrer assim por causa do vir na
aventura do partir sem regressar.
No Submarino bebia-se e comia-se até
cair, faziam-se muitos brindes pelo encarceramento dos presos políticos, “uma
das maiores vitórias de Deus” como disse um padre militante do partido
Submarino Angola. Um deputado bem jiboiado
prestou atenção a um vulto na janela do Submarino que fazia uma espécie de
acrobacias submarinas e se aproximava da janela. Parecia um desses peixes
abissais com lanterna para atrair as suas presas. O deputado olhou-o com muita
atenção e não queria acreditar no que estava escrito na lanterna em letras bem
grandes, LIBERTEM OS PRESOS POLÍTICOS. O deputado sentou-se, levou as mãos à
cabeça, depois nas faces deixando-as escorregar e depois pousando-as nos olhos
convencido que afinal isso de beber à toa não dá, e pensou que encher-se de
álcool só trás coisas assim, visões. Porra, estamos bem lixados, até os peixes
são revolucionários. E mais pensou que o melhor era não dizer nada a ninguém,
senão teria problemas e ainda seria, coisa muito natural, afastado da vida
política, e depois que faria sem o seu partido dos presos políticos? Nada,
absolutamente nada, nadaria no mar da miséria. Por isso o melhor é ficar de
bico calado e apoiar tudo o que estiver errado, como a intolerância política, a
exclusão social, o abandono das populações, e levantar sempre a mão no ar,
votar em tudo, muito em especial na corrupção, que sem ela não é possível
viver.
É com profundo pesar que declaro que a oposição
em Angola chama-se Rafael Marques de Morais.
“O sonho comanda a vida”, em Angola há muito que
não sonhamos porque se vive de constantes pesadelos.
Ó corruptos, o exército de famintos saúda-vos!
Aqui não dá para confiarmos, só dá para
desconfiarmos.
Embora
não o pareça, mas nas nossas casas creio que somos todos presos políticos, e
dezassete já há um ano que estão nas jaulas e nós aguardamos que a polícia
política deste Estado democrático nos invada os nossos domicílios e nos
carregue para as prisões/campos de concentração do Submarino Angola.
Enquanto
continuarmos sob os falsos pilares democráticos, que já ruíram, é que nem o pó
se vê, a direcção dos discursos retrógrados dos comissários políticos do povo,
não será possível – nunca foi e nunca o será – qualquer diversificação da
economia da corrupção, isto é, serão construídos mais gulagui (“sistema penal
institucional da antiga União Soviética, composto por uma rede de campos de
concentração”) seremos, somos, mais uma pátria de presos políticos, pois onde
os há, isso significa miséria, fome, e o falso deus da Igreja que a apoia (a
pátria) é a origem desta suprema merda.
Falsas ilusões,
falsas expectativas, falsos sonhos, falsos governos, conduzem a pesadelos.
A Neusa tem
vinte e nove anos, foi despedida porque faltava muito. Fez da sua casa um salão
de cabeleireira. Mas como a crise da corrupção aprofunda a miséria e a fome, o
futuro desta Angola será uma república de cadáveres. A Neusa está sentada à
espera dos clientes que não aparecem. E ela cabisbaixa diz que “não sei o que
hoje vou dar às crianças para almoçarem.”
E os
portugueses estão outra vez em Angola para definitivamente a evangelizar.
E depois da
independência Angola perdeu-se e nunca mais se encontrou. Alguém sabe onde ela
está?
Um segurança
disse para o colega que ia a casa e que não demoraria. Chegou e matou a mulher
grávida, cortou-a aos bocados, meteu-os na arca congeladora e voltou nas calmas
para o serviço, como se nada tivesse acontecido.
E depois de uma
vida inteira a trabalhar, e no fim ficar sem nada, isto também é terrorismo.
Os partidos
políticos da oposição não conseguem enfrentar o bicho-papão. E de repente senti
tudo a desaparecer e por incrível que pareça divisei a inutilidade dos partidos
políticos no Submarino Angola. Sim, sem liderança não têm nenhuma serventia.
Estão, pode-se dizer, insuportáveis, o Submarino Angola também os levará para o
fundo. No Submarino Angola a desgraça é o que mais grassa. A corrupção é o pai
da nação. Todos lutam em vão contra o mauzão.
E no Submarino
o seu controlo já se dificultava porque o lastro da corrupção o manobrava, e o
seu capitão muito o descontrolava. Pouco irá faltar para o Submarino se
afundar.
Como se pode dizer que estamos em
paz, como se pode dizer não incitar à violência, se ela já nos domina, está
presente em todos os domínios. O fundo está próximo.
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