terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

As Aventuras de Akalesela (11). O Mistério do Prédio Enfeitiçado




Já lá vão uns anos que no Roque Santeiro não são pessoas que lá vendem, são almas do outro mundo.

«Apresentamos alguns exemplos de feitiços usados por grupos angolanos.
O «kissola» é um boneco de trapos, de uns 30 cm, preparado pelo adivinho. Enfeitam-no com uma cabeleira de fibra pintada com barro vermelho. O casal que deseja filhos coloca-o debaixo da cama. Em todas as Luas Novas, alimentam-no aspergindo-o com bebidas e alimentos e a mulher pinta-o com pó. Fica simbolizado por uma bananeira plantada à frente da casa e protegida por estacas. É o sinal do «kissola». Ninguém pode falar com a mulher que está sob a sua influência. Se não consegue engravidar, o adivinho arranca as estacas, mata uma galinha e esfrega o «kissola» com o sangue. Se, depois deste sacrifício, não consegue a gravidez, o especialista atribui à mulher a esterilidade.
O adivinho prepara o «nvunji» para o cliente que deseja descobrir um feiticeiro ou um inimigo, autor de algum mal, especialmente doenças. Enche um chifre de antílope com pó da casca da árvore «mbambu», de onde se extrai um dos venenos mais utilizados nos ordálios. No meio do pó coloca duas balas de chumbo. Entrega também uma pequena cabaça, «ndembo», cheia de «nbambu» e de pêlos de várias partes do corpo de uma pessoa. O dono coloca-o num cestito debaixo da sua cama. Quando quer activar a sua força, espeta o chifre junto ao fogo da lareira com a cabaça ao lado e pede-lhe uma doença para o inimigo.
Quando adoece uma criança, esfregam-na com pó de «nvunji». Tem variadas aplicações. Os chefes têm-no sempre porque o «nvunji» é como uma arma que mata tudo.
Quando alguém quer matar um inimigo vai ao adivinho. Esse tem uma arma diminuta em cujo tubo introduz pólvora, dois bocados de agulha e um pouco da terra que o inimigo pisou ou urinou. O cliente tem de matar um gavião e um pássaro selvagem chamado «andúa». Ao primeiro tira uma unha, ao segundo, um pedaço da asa e introduz tudo no cano da arma. A asa serve para levar a carga e a unha, além de ajudar a transportar, também serve para ferir o inimigo. Dependuram um galo de cabeça para baixo e o adivinho, com um só golpe, corta-lhe a cabeça. O queixoso acende a pólvora, saem as balas (agulhas) e espetam-se no galo. Neste momento morre o inimigo. O adivinho atira o galo ao rio, para simbolizar o enterro do inimigo e o queixoso, entretanto, amaldiçoa-o. Manda-o para casa e proíbe-lhe de dormir em sua cama, durante quatro dias. Certificada a morte do inimigo, ele tem de pagar os emolumentos ao adivinho.» In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Ed. Paulinas

De repente muda de conversa:
- Querido, acho que devemos preocupar-nos com a nossa despensa porque está vazia. Vá, vamos fazer umas compras. Aproveito para renovar a minha lingerie e alguns perfumes.
Ele opõe-se:
- Querida da alcova consagrada, podias muito bem obviar o inconveniente dos gastos com lingerie e perfumes.
- Meu querido dos rituais satânicos femininos, se usar a mesma lingerie acabarás por não me prestar atenção. O segredo feminino está na renovação de mostrar a vulva sempre como se fosse diferente. E quando é embebida com perfume não habitual inebria os teus sentidos. Lamento, acho que devias estudar a arte de bem caçar, enfeitiçar.
Depois das compras no supermercado ela seleccionou uma butique que convidava as melhores novidades dos prazeres íntimos de vestir. Peças macias, aconchegantes, rendadas que êxtasiavam e confortavam. Ele ficou no carro à espera, sabia que a demora seria demasiada. Entrou na leitura do Livro dos Mortos do antigo Egipto que narrava os hinos, feitiços, e informações para guiar as almas após a morte para que fossem protegidas do mal. A leitura era interessante e interrompida de vez em quando por vendedores ambulantes que queriam convencê-lo a comprar qualquer coisa. Um deles não largava o vidro do carro, batia insistentemente. Baixou o vidro e aconselhou:
- Já disse que não quero nada. Sai daqui senão vou-te bater.
O miúdo não se intimidou, já estava habituado a impropérios. Meteu a mão para dentro do veículo e deixou cair um papel dobrado. Sem querer saber da resposta foi-se a correr como um rato. Ele desdobrou-o e ficou assustado com o seu teor: «Ela está em nosso poder. Extirparemos e comeremos a vulvovaginal.»
Em pânico tentou ligar para o telemóvel dela. Recebia sempre que estava desligado. Estava desolado, desgostoso, convencido que a perderia para sempre.
Em casa, além de abrir cervejas, não sabia mais o que fazer. Pensou que a actividade de detective de feitiços foi um erro perigoso. Teria sido mais fácil dedicar-se a qualquer coisa de construção civil. Não era difícil, bastava pagar alguma coisa e obter a inscrição como engenheiro. Afinal ele conhecia aprendizes que levantavam muros. Isso era o menos, bastava contratar um desses portugueses que aí andam auto promovidos a engenheiros que as coisas se comporiam. Enquanto conjecturava a luz foi-se. Bradou:
- Malditas serpentes venenosas que estais felizes nos vossos covis.
Kakulu-Ka-Humbi não sabia onde se encontrava. Estava sentada na única mobília existente num pequeno quarto, numa cadeira com as mãos e pés amarrados. Havia uma janela gradeada com vidros foscos. A porta estava fechada. De vez em quando ouvia algumas vozes. Recordou como foi capturada. Quando estava na butique a admirar a beleza do vestuário íntimo, duas jovens entraram pegaram num conjunto de lingerie e aconselharam-na que era ideal para ela. Só que tinha um papel que dizia: «sai calmamente porque temos pistolas apontadas para ti.» Ela assim fez e entraram rapidamente num carro que estava estacionado com o motor a trabalhar mesmo em frente da porta de saída. Vendaram-lhe os olhos e andaram mais de uma hora, talvez para despistar o local para onde iam. Quando acabaram de a amarrar disseram-lhe:
- Antes de seres engolida pelas serpentes farás parte de um ritual orgíaco.
Ela tinha aprendido os métodos de se libertar do célebre mágico Houdini que protagonizou fugas espectaculares. Pôs em prática o que aprendeu e safou-se. Tornou a colocar as cordas para não levantar suspeitas e aguardou pelos captores. Próximo à porta ouviu duas risadas de satisfação. A porta abre-se e entram dois facínoras que metiam medo só de os olhar. Um postou-se quase um metro à sua direita. O outro quase encostado a ela que a assedia:
- Que pena a tua beleza acabar assim. Eras muito bonita. Antes de morreres vou-te dizer um segredo. Queres saber onde está a nossa pedra de fogo?
Olha desconfiado para o outro e segreda qualquer coisa no ouvido dela. Provoca-a com o seu membro. Ela contava com isso, estava mesmo à boca de semear. E zás! Espeta-lhe uma grande dentada. O outro surpreso não teve tempo para reagir porque apanhou um pontapé nos tomates de tal modo que caiu e imobilizou-se. Ela corre para a porta, atravessa-a, entra na sala, vira à direita para a porta da rua, abre-a e alcança as escadas. Pára e espreita para avaliar a situação. Está num segundo andar, descer as escadas não adianta porque já a viram. Com os perseguidores no seu encalço sobe as escadas até acabarem. Está num sexto andar, olha para cima e vê um alçapão. Abre-o e foge para o terraço. Está encurralada, não tem por onde fugir. Quatro bandidos aproximam-se perigosamente com pistolas enquanto ela vai recuando até parar no parapeito. A situação atingiu o ponto crítico, eles param e preparam-se para disparar. Ela olha para o espaço à sua frente e atira-se para o vácuo enquanto grita.  
- Akúlu Tutulukisenu! ! (Antepassados mandem ficar mudado.)
A meio da tarde, muito exausto, Akalesela prepara-se para pedir ajuda à polícia, afinal ainda deixou lá alguns amigos. Mas só o fará no derradeiro momento. Entretanto pressente algo, o Joaninho está na porta da varanda, faz o barulho dele, peculiar:
- Miau! Miau! Miau!
Ele ouve o grito da rainha dos céus. É ela que chega.
Entretanto ouve-se o toque combinado de Injandanda na porta. Ela abre-a e ele diz:
- A filha do Ala Mu Muxitu quer falar.
- Diz lá minha filha. – Pediu carinhosamente Kakulu-Ka-Humbi.
- Quero uma águia para brincar.
- Minha menina, aqui não tem águias.
- Tem sim, eu vi ela entrar.
- Olha, vou fazer queixa ao teu pai, vais levar chapada.
A criança amedrontou-se como argumento e abandonou a porta.
Ela acabava de lhe contar a sua aventura e perguntou-lhe:
- Sabes onde está a pedra de fogo?
- Não.
- No morro do Moco.
Fazem os preparativos para a viagem. Ele informa-a:
- O Morro do Moco tem 2.620 metros, é o pico mais elevado de Angola. Está situado na província do Huambo a Noroeste da sua capital no município de Londuimbali. De Luanda ao Huambo são cerca de 516 quilómetros.
Ela preocupa-se:
- Estamos em Janeiro, a chuva é abundante. As estradas são as mais horríveis do mundo. Receio que a nossa viagem seja uma grande aventura.
- Não receies, a tua plumagem regressará intacta.
Carregaram água, comida e uma caixa térmica com gelo, algumas cervejas, e claro, gambas. Dois cobertores e recipientes com combustível de reserva. Não se esqueceram da caixa dos primeiros socorros. Já estavam bastante adiantados na rota.



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