segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

As Aventuras de Akalesela (Fim) O Mistério do Prédio Enfeitiçado




«Para compreendermos como o jogo mágico pode conduzir a aberrações e criar uma atmosfera de terror, vamos descrever alguns feitiços preparados só para fazer mal ou para defender e vingar supostas acções mágicas maléficas. É cega a fé no poder e, embora ninguém os tenha visto, acreditam na sua existência. Certos feiticeiros podem vivificar um cadáver com fórmulas secretas, medicamentos e invocações mágicas. Quando o conseguem, transforma-se num feitiço visível apenas a quem o fez. A uma ordem do feiticeiro, ele dirige-se à pessoa indicada e torce-lhe o pescoço até a matar. As outras pessoas apenas vêem a vítima caída no chão com o pescoço torcido e a gritar de dores. Pode-se afugentar queimando um pouco de farinha.
Em várias regiões de Angola, existe a convicção de que os chefes podem preparar um feitiço especial. Apanham uma criança e enterram-na viva. Durante duas semanas, desenterram-na diariamente e mumificam-na com lavagens e irrigações. Transforma-se num feitiço invisível que o chefe utiliza para matar os seus inimigos desta forma: aproxima-se da pessoa indicada com uma arma ao ombro e um chicote; dá-lhe uma chicotada e introduz-se no seu sangue. A vítima começa a tremer até morrer. Também se servem de meninas para conseguir os mesmos objectivos. Mas a estas matam-nas espetando-lhes um punhal no peito, depois de seduzidas, e levadas para um lugar escondido.»
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Ed. Paulinas

A paisagem é, pode-se dizer, das mais belas do mundo. O verde espraia-se por todo o lado parecendo o início dos tempos, pois que ainda está incólume. A contrastar, as pessoas, quase sempre mulheres, acompanham o que resta das estradas a pé. Carregam lenha, água e produtos das suas lavras longínquas. Ela dá uma ideia:
- A NASA podia muito bem simular aterragens espaciais nas crateras destas estradas.
Ele dá outra ideia:
- Acho que deviam deixar isto como está e promover o turismo de aventura, por exemplo com ralis sucessivos. Era uma boa fonte de divisas.
Chegaram ao destino. Ela sai do jipe, abraça-o enlevada. Recomenda-lhe:
- Não é aconselhável ficares aqui à minha espera. Vai, se não voltar dentro de quatro ou cinco dias faz as minhas exéquias. Não te esqueças de pôr água nas flores e dar de comer ao Joaninho.
Embrenhou-se no capim até desaparecer de vista. Ele ficou à espera da transformação. O tempo ia passando, ligou a ignição e preparou-se para o retorno. Depois de poucos quilómetros decorridos ouviu o som estridente dela no alto à sua frente. Voava fazendo o sinal de adeus com as asas. Ela rumou para a esquerda e deixou de a ver.
Fez alguns voos em círculo à volta do morro, não notando nada de anormal. Como já era noitinha poisou para descansar. Recomeçaria no dia seguinte. Quando o dia clareou voltou aos voos circulares rasantes sobre o pico. Planou assim até quase ao fim do dia, quando viu numa saliência um ninho de águia abandonado. Como a noite se aproximava poisou no cume para refazer as forças. Na manhã a seguir voou directamente para o ninho abandonado. Os seus olhos potentes viram uma cobra-capelo. Era a guardiã da pedra de fogo.
Tentou chegar-se mas viu que não dava porque a cobra estava sempre em posição de ataque. Recorreu a um expediente. Carregou nas suas garras uma pedra de dimensões consideráveis, pairou sobre o ninho e deixou-a cair em cima da cobra. O ninho desfez-se arrastando consigo a pedra de fogo e a cobra. Fez um voo picado e não lhe foi difícil apanhar a pedra de fogo. Sem se dar conta a pedra que ela deixara cair desprendeu-se, batendo-lhe numa asa. Começou a voar com dificuldade, sentiu que a sua vida estava em perigo.
Akalesela esperava ansioso pelo seu regresso. O espaço de tempo determinado chegara ao fim. Para exprimir os seus sentimentos recorreu a Camões:
Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo de Luanda descontente
Repousa lá no Huambo docemente
E viva eu cá em Luanda sempre triste.
Se lá na saudade onde subiste
Sempre com o meu amor ardente
Na manhã calma doce e quente
Nos meus sonhos como nunca viste.
E se achares que posso merecer-te
Tal como uma nuvem que ficou
Como não regar as tuas flores e perder-te
E na distância como algo te levou
Brevemente quatro dias volto a ver-te
Vou-te amar como nunca ninguém te amou.

De noite teve um pesadelo em que ela lhe dizia:
- Sabes qual é a diferença que há entre amigos e Deus?
- Não.
- Nenhuma, quando precisamos deles abandonam-nos.
Injandanda está na porta para anunciar:
- Chefe, as vizinhas vem com amigas, querem entrar.
- Essas gajas são muito oportunistas. As jovens vizinhas querem entrar-me pela casa adentro. Diz-lhes que estou muito ocupado. Que sacanagem!
Estava com a esperança perdida. Olhou para a fotografia dela ao lado do computador. Não conhecia nenhuma mulher que igualasse a sua beleza. As suas glândulas lacrimais começaram a trabalhar. Sentiu os olhos molhados. Disse com muita amargura:
- Estamos infestados de maldosos, hipócritas, e não lhes acontece nada. Oh! Meu Deus! O que é bom e belo dura assim tão pouco tempo? Viu o Joaninho a comportar-se de modo desordenado, as suas orelhas estavam levantadas e olhava para a porta da varanda. Ouviu três guinchos seguidos. Ela voltou.
Estava com o braço ferido. Ele desinfectou a ferida com água oxigenada, colocou-lhe um pouco de pomada antibiótica que protegeu com uma ligadura de gaze. Ele abriu a porta a Injandanda.
- Chefe, é a filha do vizinho!
A criança não esperou que a interpelassem.
- Eu vi, eu vi ela.
Kakulu-Ka-Humbi aproxima-se dela e pergunta-lhe:
- Ela quem?
- Ela mesmo!
Kakulu-Ka-Humbi pisca o olho a Akalesela. Chama o Joaninho, este vem. A menina sente-se aterrorizada:
- Ai! Tenho muito medo. O papá disse-me que os gatos são feiticeiros.
Fugiu sem olhar para trás. Kakulu-Ka-Humbi sentia-se muito cansada e foi dormir.
Ela estava a chegar ao fim da narrativa da sua aventura da pedra de fogo.
- Disse para mim, até lá tenho que sobreviver. Consegui recuperar com os peixes que apanhava no rio Kunene. Bom, vamos acabar com o mau feitiço.
Ao chegar na fiscalização a secretária pede-lhe que se identifique:
- Huang He da empresa de construção chinesa Zhengzhou.
- Ah sim… bem-vinda, entre por favor.
Foi com espanto que King cobra a recebeu. Aturdido abriu uma gaveta da secretária mas ela não lhe deu tempo para consumar o acto. Pronunciou:
- Eha o kinjima xaká. (Deixa a maldade de uma vez.)
Esfregou as pedras, a pistola caiu-lhe da mão, e do interior do corpo saiu uma cobra que se desfez em pó. Ele sentiu-se confuso.
- Mas, onde estou?! Quem é você?!
Recobrou o ânimo, já não era a mesma pessoa. Disse:
- Tenho muito trabalho para fazer. Se veio para aqui enfeitiçar-me com a sua beleza, perde o seu tempo.
Ela retirou-se satisfeita. O feitiço tinha terminado.
Ma Yuan apareceu-lhes muito satisfeita com uma garrafa de champanhe. Falou com ar de festejo:
- Meus amigos, o feitiço desapareceu. A água e a luz não nos faltam. O prédio está a ficar bonito. Já não há infiltrações de água nos tectos. Estamos muito agradecidos pelo excelente trabalho que fizeram. Akalesela pode dizer-me como é que soube que eles eram os suspeitos?
- Muito fácil. Pelas intervenções que fazem na rádio informa com verdade, no jornal dos anúncios e TV do telejornal está a recomeçar.
Kakulu-Ka-Humbi adverte:
- A luz foi-se.
Ele conjectura:
- Esse é um grande feitiço que nos dará muito trabalho, e muitos perigos para acabar com ele.
Elas pedem em uníssono:
- Canta-nos uma trova!
Cavalguei florestas e sombras da noite
Rios nunca descobertos, princesa não encontrei
Cavalgo nesse eterno luar. As florestas e os rios são já
meus amigos
Tornei-me solitário. Apanho os peixes nos rios
e as frutas das árvores. Das minhas noites
dum tronco de árvore, fiz uma piroga para navegar
Vou descobrindo mais rios nas correntezas com esmeraldas
E neles e nelas encontro a minha princesa sempre na companhia do luar
de todas as noites.
Ma Yuan já está de saída. A menina grita-lhe:
- Eu vi!. Eu vi!. Agora são duas águias!

FIM

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