domingo, 31 de março de 2013

O EMPRESÁRIO LUSO-ANGOLANO (01)





Introdução

É jurisprudência exclusivamente angolana: Os seres humanos reproduzem-se para roubarem. Roubam-se, especulam-se. O que roubar e mais corromper, esse é o chefe, o eleito, o exemplo a seguir. Aqui está a melhor receita e a melhor lição, de como nascem as células terroristas serviçais do neoliberalismo.
A Igreja, campeã mundial da extorsão religiosa vive a agonia dos momentos finais da exaustão. Até cónegos se corrompem, e num rodopio arrastam as pobres ovelhas para a aliança da ditadura, ou ditaduras finais: de rastos imploram à meia dúzia dos senhores dos campos petrolíferos que lhes cedam apenas um poço de petróleo, e com isso venderem… revenderem, porque há muito já estão vendidos. Dantes, as egrégias receitas abundavam mas agora escasseiam cada vez mais, porque as ditaduras tremem, borram-se, entregam-se na decadência, no aluírem-se como um colossal vendaval que tudo leva à sua passagem, mas que depois nada resta de mais ditatorial.
Angola é o paraíso mundial mais elementar para qualquer estrangeiro se encher de dinheiro num ápice. E conseguem-no facilmente porque a estrutura governamental funciona com a corrupção da comissão. Quer dizer, o aventureiro chega, paga a sua parte da corrupção, tem o caminho aberto para qualquer negócio. E a negociata principal é escravizar a população com o apoio velado ou não da governação.
Isto é fácil de verificar, porque estrangeiros que aqui tem empresas (?) facturam à vontade, e até com uma mais-valia de… não pagarem salários. E quando o sem futuro reclama ou se manifesta, o que é absolutamente reprimido, apesar de uma constituição jurar que se pode manifestar, o patrão estrangeiro queixa-se na polícia e de imediato vem o apoio com o lançamento de obuses, e a morte dos escravos.
E por isso mesmo, a miséria fica insustentável, mortal. E o poder sempre a ameaçar que quem se manifestar, vai apanhar. O povo não tem outra alternativa: quanta mais repressão mais revolução.
Angola não é dos angolanos, é dos agora campos lavrados do etanol, também da Sonangol.
A Sonangol comprou Angola e os angolanos, e vende os empregos aos estrangeiros. E por isso mesmo deve alterar a sua designação para: República do petróleo da Sonangol.
Isto não é viver, é no petróleo perecer, ainda como numa república de sovietes.
E depois de mais de trinta anos no poder, por mais que o mesmo grupo eleitoral que ganha sempre as eleições com maioria absoluta, faça promessas que nunca cumpre, também para quê, se ninguém acredita neles, e todos sonham no dia em que a paz finalmente chegue e que as aventuras das lutas de libertação não mais se repetirão.
É a ditadura do mais trintão poder, eis que mais três ditaduras se acomodam para também nos infernizarem: um cónego, o deus dele, e a Igreja só dele.
Até onde chegámos: estamos de tal modo tão protegidos, que até o simples acto de pensar que podemos adoecer, nos faz doentes. Porque a protecção que temos é a miséria, e ela não nos dispensa cuidados médicos.
Vivemos à mercê do qualquer um é empresário. Esta é a narração de um deles.

CAPÍTULO I
A AVENTURA

Exceptuando os sortudos das lotarias e doutras ludologias:
Por detrás de todas as grandes fortunas, está sempre um crime. Balzac 1799-1850.

«De repente, gigantes da finança americana sucumbiram ou estão à venda na bacia das almas, caracterizando risco concreto de um efeito dominó em que a queda de uma instituição vai arrastando outras, algo até pouco tempo impensável para a maioria da população mundial. Na origem de tudo, uma euforia no mercado imobiliário americano, com a concessão dos chamados créditos ninja – no income, no job, no assets (financiamentos a pessoas sem renda, sem trabalho, sem patrimônio), por parte de duas megainstituições financeiras, Fannie Mae e Freddie Mac». In Ubirajara Loureiro. Jornal do Brasil Online


Um sábado de calor horrível na cidade de Lisboa. Como contabilista recuperei o dia para fazer mais um fecho de contas. Como este trabalho exige muita concentração, e estando só no meu escritório, ninguém me faria desviar a atenção. Assim, o trabalho ser-me-ia gratamente produtivo.
Acomodei-me por volta das nove horas. A primeira coisa que fiz foi ligar o ar-condicionado. Depois liguei o computador. Esperei que a máquina acabasse de instalar o sistema operativo. O ambiente vitoriou-me com uma temperatura agradável para trabalhar. O meu cérebro sentiu-o e pareceu-me ordenar que já estava apto para a missão a que me propus. O suor na testa deixou de me incomodar.
Peguei em algumas pastas e vasculhei-as à procura dos documentos que necessitava para prosseguir o meu trabalho. O tempo avançava mas não me dava conta de tal, estava como que em estado de hibernação. Entretanto, um documento que analiso chama-me a atenção em particular. Dizia que o total da despesa com caracoletas…
Caracoletas?! Meditei durante uns momentos, caracoletas?! Havia muito tempo que não comia disto. Olhei para o relógio. Catorze horas?! Senti um enorme desejo de comer estes moluscos gastrópodes.
Não era necessário ir muito longe para os encontrar. Desliguei tudo e pus-me na alheta.
Vasculhava numa esplanada a procura de uma mesa livre para a ocupar. Acto contínuo ouço uma voz conhecida vinda do interior do café. Entrei para confirmar se era de facto a pessoa que imaginava. Os nossos olhares cruzaram-se. Era ele. Levantou-se e gritou-me:
- Meu amigo vem, senta-te aqui!
Vieram os cumprimentos da praxe seguidos de um forte abraço. E os habituais dizeres nestas coisas:
- Vieira, há muito tempo que não te via.
- É pá, as caracoletas estão óptimas! Vou mandar vir mais uma dose!
- O curioso é que vim aqui precisamente para isso. Como tem passado o meu amigo luso-angolano?
- Luso-angolano não, luso em Portugal e angolano em Angola!
- Duplo de nacionalidade, ou triplo? De certeza que também tens o passaporte alemão.
- Sim, sou um cidadão do mundo.
Viera, era meu cliente. Prestava-lhe alguns serviços ocasionais. Acho que era agradável trocar impressões com ele, porque era muito culto. Tinha um senão… só pagava os serviços com o envio de um ultimato. Fazia questão de furtar-se sempre aos seus compromissos. Era de estatura média, forte e de barriga um tanto ou quanto inchada de passar grande parte do tempo sentado no computador. Andava sempre com o cabelo curto. Tinha cerca de quarenta e cinco anos. Usava óculos que lhe faziam parecer um pouco mais velho. Rosto cheio, arredondado, e maçãs salientes. Conforme dizia, era economista e que obteve o doutoramento na Alemanha, na altura RFA, República Federal Alemã. Falava fluentemente Inglês e Alemão. Ao mínimo diálogo, revelava-se temperamental. O interlocutor quase não tinha o direito de exprimir a sua opinião. Gabava-se sempre de ganhar muito dinheiro.
Ele acompanhava-se de uma pessoa que eu não conhecia. Vieira apercebe-se disso, apresenta-ma e recebo um leve inclinar de cabeça. É um seu amigo alto, muito forte. De cabelo branco a rondar os cinquenta anos. As suas mãos são largas, imensas, quase um mastodonte. Perante o meu olhar investigativo, Vieira elucida-me:
- Também é economista, director dos Caminhos de Luanda, em Angola.
O seu rosto é sisudo, ou como se costuma dizer, mal-encarado. Perguntei:
- Vieira, como vão as coisas em Angola?
- De mal a pior.
- Pelo que sei para ti não. Tens casa em Lisboa, apartamento no Algarve, casas em Angola…
- E também na Namíbia... a propósito, no próximo fim-de-semana vamos para o Algarve. Vamos apreciar aquelas boazonas nuas.
- Com os bens que tens ainda me dizes que Angola vai de mal a pior?
- Vou-te mostrar uma coisa.
Retirou de uma pasta o que parecia ser uma revista. Entrega-ma para ler. Era um bissemanário angolano em formato tablóide. Noticiava de uma empresa que forneceu equipamentos ao Ministério da Defesa de Angola, por dois milhões de dólares e facturou o dobro do valor. Vieira acrescenta:
- Toda a gente rouba. Porque é que nós não devemos fazer o mesmo? Isto é a África Negra, eles nunca mais aprendem… não conseguem avançar.
Vieira começa a aquecer:
- Torna-se difícil entender como os americanos e outros países ocidentais, campeões da democracia e dos direitos humanos no mundo, exploram o petróleo, enriquecem à sua custa, mantém boas relações com os governos produtores, e os seus povos vivem na mais estrema pobreza. Não podemos, de maneira nenhuma, chamar a estes países democratas.
Faz uma pausa e exclama:
- É pá, isto está mesmo bom!
E continua quase a berrar:
- Devido a isso há muito deixei de acreditar na democracia! Temos que inventar algo melhor! Devia proibir-se a actividade das companhias petrolíferas nos países que não exercem a verdadeira democracia, mas isso não é possível, porque os seus lucros diminuiriam abissalmente! No fundo tratam-se de relações entre países avançados, e países atrasados como sempre foi e será!
Pretendo intervir mas ele não deixa:
- Convém portanto não deixar que os países atrasados avancem. Mantê-los continuamente na ignorância, para os explorar eternamente. Depois quando os recursos se extinguirem enviam-se umas sobras alimentares, à maneira de ajuda… dinheiro proveniente das receitas petrolíferas. Quando um verdadeiro democrata surge para defender o seu povo da miséria, rotulam-no de comunista, e inimigo do Ocidente. Os seus serviços secretos não tardam em eliminá-lo.
Faço um esforço para dar a minha opinião, mas em vão. Ele não deixa e continua:
- Para desestabilizar a sua economia basta obter um valioso empréstimo, para comprar os dólares em circulação, então o seu valor aumenta. Depois vendem-se, paga-se o empréstimo e ainda se obtém um bom lucro. Outro bom negócio consiste em promover uma guerra. Os contendores precisam de armas, estas são fornecidas facilmente... a crédito. Por mais que tentem sair da miséria não conseguem. Há sempre alguém à espreita para que tal não aconteça.
Tento mais um esforço mas em vão:
- Vieira deixa-me falar.
- Olha, deixa-me dizer-te que quando os fundamentalistas islâmicos ou comunistas ganham as eleições, elas não são aceites! Vê como é que as democracias funcionam!
Imagem: Lisboa, Martim Moniz. www.skyscrapercity.com

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