quarta-feira, 15 de maio de 2013

O EMPRESÁRIO LUSO-ANGOLANO (06)




Depois passámos para a contabilidade onde fomos saudados por dois jovens funcionários. O espaço era reduzido. As pastas de arquivo estavam em armários metálicos, cujas portas necessitavam de reparação. Uma delas parecia que a qualquer momento desabaria. Uma pasta suspensa na parte superior ameaçava cair. Das quatro lâmpadas fluorescentes existentes no tecto apenas duas funcionavam. Olho para a Chefe e pergunto-lhe:
- Faltam aqui muitas pastas de arquivo.
- Sim, é verdade. Estão no arquivo central… não sei como vai ser. Os vândalos e os ratos deram cabo de tudo. Há pastas e documentos espalhados por todo o lado. Tem que se procurar melhor… o problema é que lá nunca tem luz. É um local muito escuro. Pouco ou nada mais encontraremos… faremos mais uma tentativa.
- Não acha isso muito estranho?
- Convenço-me que tudo isso foi planeado. Acho que foi uma sabotagem. Alguém está interessado no desaparecimento desses documentos.

We're the best, fuck the rest. Nós somos o melhor, foda-se o resto. (Ditado Americano)
O crime organizado tornou-se planetário. Isto envolve desde os traficantes de droga, que destroem centenas de milhões de vidas, até aos bancos que lavam o dinheiro – alguns dos que agora respondem a processos são American Express, CityGroup e empresas deste porte – ou os produtores de armas de pequeno porte, que alegam serem honestos produtores e comerciantes – we don't pull the trigger, (nós não apertamos o gatilho) dizem, indignados – ou ainda os que vendem materiais radioactivos. Os Estados Unidos são responsáveis por 48% das exportações de armas no mundo. O que se colhe com este tipo de semente? Uma avaliação do Business Week sobre o uso do e-commerce nos Estados Unidos é de que 70% das transacções envolvem actividades anti-sociais ou criminosas. Organizar redes mundiais de crime tornou-se hoje tão prático...  In Ladislau Dowbor. EUA: Novos Rumos?

- Temos que pedir extractos bancários desses anos.
- Já fizemos isso. Até agora não obtivemos resposta. E duvido que alguma vez obtenhamos esses documentos.
Surpreendo-me com o equipamento de informática instalado:
- Este computador é da primeira geração… não dá para fazer grande coisa.
- Não sei o que é isso da primeira geração. Mas tenho noção que é um computador muito velho. O programa de contabilidade que instalaram, nos venderam, não é grande coisa. Está sempre com problemas. Aliás todos os programas estão assim... sempre com falhas. E quando os técnicos aqui vêm, facturam o serviço. É uma boa mina. A empresa que presta assistência técnica é do Director. Por exemplo, a impressora está sempre a prender o papel. O Ups necessita de substituir as baterias. Quando a luz falta vai tudo abaixo.
- E não compram novos equipamentos porquê? – Perguntei, como para justificar a minha presença técnica.
- Já falei com o Director, para que ao menos autorize a compra de um regulador de tensão. Mas nem isso consegui. Com o calor que está nem os ares condicionados funcionam devidamente devido à energia eléctrica que é muito fraca.
- Não sei como conseguiremos trabalhar… é quase impossível…
- Seja o que Deus quiser. Agora vamos para as oficinas. Tem lá uma colega sua que é contabilista.
- Uma contabilista (?). Isso não é contabilistas a mais?!
- Não sei, parece-me que ela é amiga do Director. Já lá está vai para dois anos… e nunca me enviou um simples documento.
- Mas, o Director e o Dr. Vieira não me falaram nada disso.
- Não sei... eles é que sabem… é que pensam, nós apenas obedecemos.
As oficinas situavam-se ali para os lados do Cazenga. Entrámos na contabilidade. A Chefe apresenta-me à minha colega. Tem cerca de trinta anos. Não a acho muito bonita. Apresenta-se vestida e calçada de vermelho carregado. A saia sobe muito generosamente pelos joelhos. O decote é provocante, como convém. Os seios espreitam atrevidamente volumosos, quase sem respirarem e arrumados intencionalmente na justeza de um sutiã que não os suporta. Parecem querer saltar a qualquer momento. Troco impressões com ela, assim como quem não quer a coisa:
- Decerto sabe que necessito imenso do seu apoio. Gostaria que enviasse mensalmente todos os movimentos do caixa e dos armazéns.
- Do caixa sempre enviei regularmente. Dos estoques não, porque tenho algumas dificuldades.
- Mas a Chefe diz que nunca lhe entregou nada.
- Oh!.. essa é muito descarada. Ela tem é ciúmes de mim.
Já de regresso comento com a Chefe:
- Não entendo. Ela disse-me que sempre lhe enviou os movimentos do caixa.
- É mentira. Nunca me entregou nada. Estou farta de lhe pedir. Ela responde-me sempre que já vai enviar.
- Como é possível que em dois anos de trabalho nunca apresentou os movimentos dos estoques?
- Eu vou-lhe tentar explicar. Ela é solteira e com dois filhos. Gostava muito, e ainda adora farras. Perde-se nas noites e no uísque. Por causa disso o marido divorciou-se.
Não me surpreendi pela cantilena. Era previsível que seria algo mais ou menos assim. Ajuntei:
- Pelo trabalho que ela me mostrou não é contabilista. Além disso fiz-lhe algumas perguntas às quais não me soube responder.
- Ela é amante do director das oficinas. Acho que assim já entende claramente.
- Claro, claro… estou devidamente esclarecido.
Liguei para o Vieira. Disse-me que chegaria pelas vinte horas. Quando chegou dei-lhe conhecimento das ocorrências. Correspondeu com nervosismo:
- Nunca terão equipamentos novos. Esses que estão lá servem-lhes muito bem. Não podemos nem devemos gastar mais dinheiro com esses atrasados e ignorantes. Quanto à electricidade isso é problema deles, não é nosso. Safem-se como puderem.
- Mas, Vieira, como é que vou trabalhar nestas condições?
- Não te preocupes.
- Quase não existem documentos dos anos anteriores.
Vieira ripostou-me como se estivesse na selva:
- Faz uma estimativa… fecha as contas de qualquer maneira. Eles não entendem nada disso… e convém que nunca entendam.
- O software também não funciona.
- Estás a dizer mal do nosso software?!
- Não, não!
- Não comentes nada disso com ninguém, senão deixamos de facturar. Está instalado noutras empresas, pago a preço de ouro, como software importado.

BPN enviou 30 milhões de euros para o Brasil através de bancos 'off-shore'.
Os dados do Banco Central do Brasil referem ainda empréstimos concedidos a empresas brasileiras do grupo SLN por parte de entidades como o angolano Banco Africano de Investimento (da Sonangol, que é parceira do BPN no BPN Brasil), a Bickley Finance LCC e o próprio BPN. In Diário Económico

Vi que estava metido numa trama e tentei safar-me:
- Não vou conseguir trabalhar, é-me humanamente impossível.
- Mas, não precisas de trabalhar. Finge que te interessas, que te motivas... se não te dão as condições o problema é deles. O que interessa é que nos paguem.
- E em relação às oficinas? Não sabia que tinha uma colega contabilista. Não me falaste nada disso.
- Não ligues, ela não é contabilista.
Vieira quase encosta os lábios ao meu ouvido, preparando-se para me divulgar um segredo:
- Ela anda a foder com o director das oficinas e com o Director… está protegida. E nós facturamos como se ela fosse uma contabilista, mas não o é. Trata-se apenas de uma vulgar escriturária que executa alguns trabalhos no Excel. E isso já é bom para nós, porque pouca gente sabe disso, entendes?
- Sim, sim, entendo perfeitamente.
O seu telemóvel toca. Atende-o, afasta-se e fala muito baixo, de modo que eu não possa ouvir. Demora cerca de cinco minutos. A conversa era amorosa, o seu semblante revelava isso. Olhou para o seu relógio e confidencia-me:
- Tenho que arrancar. Vou passar a noite com uma miúda que me dá um gozo do caraças. Amanhã vais conhecer as instalações da minha empresa de segurança.
No outro dia, antes que Vieira comece a mostrar-me as instalações conto-lhe um episódio que vi.
- Vieira, estás a ver aqueles três prédios nas traseiras dos teus apartamentos?
- Sim, estou a ver, diz lá.
- Um general fechou tudo. Os vizinhos não aceitaram. Lembraram-lhe que os condomínios lhes pertencem mas ele não quer saber. Vai lá construir prédios. E aquilo vai ficar tão apertado que os moradores vão ficar sem respiração, sem visão e espaço. Já colocou paredes de pano verde, mesmo na cara das pessoas. Quase que nem se podem oxigenar.
- Mas, o que é que tu queres?! Isto é tudo deles. Deviam dar-nos bons exemplos. Então, se eles fazem, nós também fazemos… muito pior claro.
Estávamos junto ao canil da empresa de segurança. Os cães de raça ladravam sem parar.
- Estes cães são utilizados pelos seguranças onde há aglomeração de pessoas. Alguns são muito bonitos.
Aproximei-me do gradeamento para os observar melhor.
- Não tentes tocar em nenhum, não são para brincadeiras porque estão bem treinados. Só obedecem a quem lhes dá comida, que são apenas três pessoas.
Alguns eram grandes, sentia receio só de os olhar.
-Temos vários contratos de prestação de serviços de segurança. O nosso principal cliente é um banco estatal. Já abrimos delegações em Benguela e no Lobito. Depois vou abrir outra no Lubango. O Caminhos de Luanda também é nosso cliente… já viste como isto é grande? É um terreno com 5.000 m2. Pertence aos Caminhos de Luanda. Foi alugado por 5.000 dólares mensais. Mas como o Director está lá, não pagamos nada. Já o encontrámos com os muros, e algumas construções. Não parece mas isto é muito grande. Construirei vários edifícios e farei montes de negócios. Os vários meios para o nosso apetrechamento e funcionamento surripiámos dos Caminhos de Luanda… de borla claro. É assim que se ganha dinheiro neste país.


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