Depois
passámos para a contabilidade onde fomos saudados por dois jovens funcionários.
O espaço era
reduzido. As pastas de arquivo estavam em
armários metálicos,
cujas portas necessitavam de reparação. Uma delas parecia que
a qualquer momento
desabaria. Uma pasta suspensa na parte superior
ameaçava cair. Das quatro
lâmpadas fluorescentes
existentes no tecto apenas duas
funcionavam. Olho para
a Chefe e pergunto-lhe:
-
Faltam aqui muitas pastas de arquivo.
- Sim,
é verdade. Estão no arquivo central… não
sei como vai ser.
Os vândalos e os ratos
deram cabo de tudo.
Há pastas e documentos
espalhados por todo
o lado. Tem que
se procurar melhor… o problema
é que lá
nunca tem luz.
É um local muito escuro. Pouco ou nada mais
encontraremos… faremos mais uma tentativa.
- Não
acha isso muito estranho?
-
Convenço-me que tudo isso foi planeado. Acho que foi uma sabotagem. Alguém está
interessado no desaparecimento desses documentos.
We're the best, fuck the rest.
Nós somos o melhor,
foda-se o resto. (Ditado Americano)
O
crime organizado tornou-se planetário. Isto
envolve desde os traficantes de droga, que destroem centenas de milhões
de vidas, até
aos bancos que
lavam o dinheiro – alguns
dos que agora
respondem a processos são American Express, CityGroup e empresas
deste porte – ou
os produtores de armas
de pequeno porte,
que alegam serem honestos
produtores e comerciantes
– we don't pull the trigger, (nós não
apertamos o gatilho) dizem, indignados – ou
ainda os que
vendem materiais radioactivos. Os Estados Unidos são
responsáveis por
48% das exportações de armas no mundo.
O que se colhe com
este tipo
de semente? Uma avaliação do Business
Week sobre o uso
do e-commerce nos Estados
Unidos é de que 70% das transacções
envolvem actividades anti-sociais ou criminosas. Organizar redes mundiais de crime
tornou-se hoje tão
prático... In Ladislau Dowbor. EUA: Novos Rumos?
-
Temos que pedir extractos bancários desses anos.
- Já
fizemos isso. Até agora não obtivemos resposta. E duvido que alguma vez obtenhamos
esses documentos.
Surpreendo-me
com o equipamento de informática instalado:
- Este
computador é da primeira geração… não dá para fazer grande coisa.
- Não sei o que é
isso da primeira
geração. Mas tenho noção que é um computador muito velho. O programa de contabilidade
que instalaram, nos venderam, não é grande
coisa. Está sempre
com problemas.
Aliás todos
os programas estão assim... sempre com
falhas. E quando os técnicos
aqui vêm, facturam o serviço. É uma boa mina.
A empresa que
presta assistência técnica
é do Director. Por exemplo, a impressora
está sempre a prender
o papel. O Ups necessita de substituir
as baterias. Quando
a luz falta
vai tudo abaixo.
- E não compram novos
equipamentos porquê?
– Perguntei, como para justificar a minha presença técnica.
- Já
falei com o Director, para que ao menos autorize a compra de um regulador de
tensão. Mas nem isso consegui. Com o calor que está nem os ares condicionados
funcionam devidamente devido à energia eléctrica que é muito fraca.
- Não
sei como conseguiremos trabalhar… é quase impossível…
- Seja
o que Deus quiser. Agora vamos para as oficinas. Tem lá uma colega sua que é
contabilista.
- Uma
contabilista (?). Isso não é contabilistas a mais?!
- Não
sei, parece-me que ela é amiga do Director. Já lá está vai para dois anos… e
nunca me enviou um simples documento.
- Mas,
o Director e o Dr. Vieira não me falaram nada disso.
- Não
sei... eles é que sabem… é que pensam, nós apenas obedecemos.
As oficinas situavam-se ali
para os lados
do Cazenga. Entrámos na contabilidade. A
Chefe apresenta-me à minha
colega. Tem cerca
de trinta anos. Não
a acho muito bonita. Apresenta-se vestida e calçada
de vermelho carregado.
A saia sobe muito generosamente pelos
joelhos. O decote é provocante, como
convém. Os seios espreitam atrevidamente volumosos, quase sem respirarem e
arrumados intencionalmente na justeza de um sutiã que não os suporta. Parecem querer saltar a qualquer momento.
Troco impressões
com ela, assim como quem não quer a
coisa:
- Decerto
sabe que necessito imenso do seu apoio. Gostaria que enviasse mensalmente todos
os movimentos do caixa e dos armazéns.
- Do
caixa sempre enviei regularmente. Dos estoques não, porque tenho algumas
dificuldades.
- Mas
a Chefe diz que nunca lhe entregou nada.
-
Oh!.. essa é muito descarada. Ela tem é ciúmes de mim.
Já de
regresso comento com a Chefe:
- Não
entendo. Ela disse-me que sempre lhe enviou os movimentos do caixa.
- É
mentira. Nunca me entregou nada. Estou farta de lhe pedir. Ela responde-me
sempre que já vai enviar.
- Como
é possível que em dois anos de trabalho nunca apresentou os movimentos dos
estoques?
- Eu vou-lhe tentar explicar. Ela
é solteira e com dois
filhos. Gostava muito,
e ainda adora farras. Perde-se nas noites e no uísque.
Por causa
disso o marido divorciou-se.
Não me
surpreendi pela cantilena. Era previsível que
seria algo mais
ou menos
assim. Ajuntei:
- Pelo
trabalho que ela me mostrou não é contabilista. Além disso fiz-lhe algumas
perguntas às quais não me soube responder.
- Ela
é amante do director das oficinas. Acho que assim já entende claramente.
-
Claro, claro… estou devidamente esclarecido.
Liguei
para o Vieira. Disse-me que
chegaria pelas vinte horas. Quando chegou dei-lhe conhecimento
das ocorrências. Correspondeu com nervosismo:
-
Nunca terão equipamentos novos. Esses que estão lá servem-lhes muito bem. Não
podemos nem devemos gastar mais dinheiro com esses atrasados e ignorantes.
Quanto à electricidade isso é problema deles, não é nosso. Safem-se como
puderem.
- Mas,
Vieira, como é que vou trabalhar nestas condições?
- Não
te preocupes.
- Quase não
existem documentos dos anos anteriores.
Vieira
ripostou-me como se estivesse na selva:
- Faz
uma estimativa… fecha as contas de qualquer maneira. Eles não entendem nada
disso… e convém que nunca entendam.
- O
software também não funciona.
-
Estás a dizer mal do nosso software?!
- Não,
não!
- Não comentes nada
disso com ninguém,
senão deixamos de facturar. Está
instalado noutras empresas, pago a preço de ouro, como
software importado.
BPN
enviou 30 milhões de euros para o Brasil através de bancos 'off-shore'.
Os
dados do Banco Central do Brasil referem ainda empréstimos concedidos a
empresas brasileiras do grupo SLN por parte de entidades como o angolano Banco
Africano de Investimento (da Sonangol, que é parceira do BPN no BPN Brasil), a
Bickley Finance LCC e o próprio BPN. In Diário Económico
Vi que estava metido
numa trama e tentei safar-me:
- Não
vou conseguir trabalhar, é-me humanamente impossível.
- Mas,
não precisas de trabalhar. Finge que te interessas, que te motivas... se não te
dão as condições o problema é deles. O que interessa é que nos paguem.
- E em
relação às oficinas? Não sabia que tinha uma colega contabilista. Não me
falaste nada disso.
- Não
ligues, ela não é contabilista.
Vieira
quase encosta os lábios ao meu ouvido, preparando-se para me divulgar um segredo:
- Ela anda a foder com o
director das oficinas e com o Director… está protegida. E nós
facturamos como se ela
fosse uma contabilista, mas não o é.
Trata-se apenas de uma vulgar
escriturária que
executa alguns trabalhos
no Excel. E isso já
é bom para nós, porque pouca gente
sabe disso, entendes?
- Sim,
sim, entendo perfeitamente.
O seu telemóvel toca.
Atende-o, afasta-se e fala muito baixo, de
modo que
eu não
possa ouvir. Demora
cerca de cinco
minutos. A conversa
era amorosa, o seu semblante
revelava isso. Olhou para
o seu relógio
e confidencia-me:
-
Tenho que arrancar. Vou passar a noite com uma miúda que me dá um gozo do
caraças. Amanhã vais conhecer as instalações da minha empresa de segurança.
No
outro dia, antes que Vieira comece a
mostrar-me as instalações conto-lhe um episódio que
vi.
-
Vieira, estás a ver aqueles
três prédios
nas traseiras dos teus
apartamentos?
- Sim,
estou a ver, diz lá.
- Um
general fechou tudo. Os vizinhos não aceitaram. Lembraram-lhe que os
condomínios lhes pertencem mas ele não quer saber. Vai lá construir prédios. E
aquilo vai ficar tão apertado que os moradores vão ficar sem respiração, sem visão
e espaço. Já colocou paredes de pano verde, mesmo na cara das pessoas. Quase
que nem se podem oxigenar.
- Mas,
o que é que tu queres?! Isto é tudo deles. Deviam dar-nos bons exemplos. Então,
se eles fazem, nós também fazemos… muito pior claro.
Estávamos
junto ao canil da empresa de segurança.
Os cães de raça
ladravam sem parar.
- Estes cães são utilizados pelos
seguranças onde
há aglomeração de pessoas.
Alguns são
muito bonitos.
Aproximei-me
do gradeamento para
os observar melhor.
- Não tentes tocar em nenhum, não são para brincadeiras porque estão bem treinados.
Só obedecem a quem
lhes dá comida,
que são
apenas três
pessoas.
Alguns eram grandes,
sentia receio só
de os olhar.
-Temos
vários contratos
de prestação de serviços
de segurança. O nosso
principal cliente
é um banco
estatal. Já
abrimos delegações em Benguela e no
Lobito. Depois vou abrir
outra no Lubango. O Caminhos
de Luanda também é nosso
cliente… já viste como isto é grande?
É um terreno
com 5.000 m2. Pertence aos Caminhos
de Luanda. Foi alugado por 5.000 dólares
mensais. Mas como
o Director está lá, não
pagamos nada. Já
o encontrámos com os muros, e algumas construções.
Não parece mas isto é muito grande. Construirei vários edifícios e farei montes de
negócios. Os vários meios para
o nosso apetrechamento e funcionamento
surripiámos dos Caminhos de Luanda… de borla claro. É assim que se ganha dinheiro neste país.
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