quarta-feira, 22 de maio de 2013

O EMPRESÁRIO LUSO-ANGOLANO (07)




Esta aventura começava a impressionar-me. Sentia o início do arrependimento. Por momentos pensei em regressar a Portugal. Mas, mudei de ideias a ver o que é que isto ia dar. Uma coisa era certa. Constituir empresas sem investimento, roubando descaradamente os bens do Estado, e ficar rico em poucos meses?! Não conseguia compreender: se os Caminhos de Luanda era uma empresa estatal, e funcionava assim, como seria nas outras empresas estatais?
Apercebi-me imediatamente da origem destes motivos. Só podia ser por falta de técnicos. Sim, este país não tinha técnicos de contabilidade. E os existentes eram pura e simplesmente desprezados. Para que não efectuassem o seu trabalho, para que depois não viessem à superfície os movimentos contabilísticos reveladores das fraudes, para permitir o enriquecimento fácil. Mas, um país sem contabilistas, sem contabilidade, simplesmente não funciona, não existe. Com o passar do tempo o país entra no caos, vira estado-falhado. As convulsões sociais incrementam-se dia após dia, até terminarem na confrontação geral.

14.11.2008 – Jivago, Trofa. HISTÓRIA VERDADEIRA (2ª. Edição): Numa terriola do Brasil, onde imperava o desemprego e a miséria, havia lá uma Tasca com o nome "Tasca da Cachaça", onde os desempregados bebiam a cachaça a crédito e por isso pagavam uma percentagem a mais. Entretanto os créditos (débitos) dos desempregados aumentaram exponencialmente e o dono da Tasca vendeu esses créditos a um Banco, que por sua vez este vendeu a outro Banco e assim sucessivamente. O último Banco lançou títulos de acções sobre esses créditos: Títulos: A, B, C, D... Moral da história: - O Zé da Tasca ficou com "uns trocos" e o Banco ganhou balúrdios. Parece uma anedota, mas foi mesmo verdade. Acreditem! In Público última hora

Um trabalhador aproveita, infiltra-se, aproxima-se e diz de rompante.
- Dr...  estamos aflitos, há dois meses que não recebemos!
- Mas o que é que vocês querem?! Os clientes não nos pagam… aguardem, resguardem-se… é pá! Estou à espera que o banco nos pague.
Uma jovem interrompe-nos, agita-se agarrada com uma mão na aduela de uma porta. Baloiça-se comicamente, chama a si as atenções, então grita:
- Dr. Vieira! Dr. Vieira! Telefone de Lisboa!
- É pá, já sei, é o meu irmão.
Vieira em passo de corrida dirige-se na direcção da jovem. Deixo-me permanecer na companhia do trabalhador, e decido a fazer-lhe algumas perguntas acerca dos vencimentos não pagos.
- Desculpe, porque não recebem os vossos salários regularmente?
- É… o Dr. Vieira quando viaja para a Europa ou para a Namíbia, diz sempre que demora um mês. Afinal fica por lá três e às vezes quatro meses, e enquanto estiver por lá não nos paga. Mente-nos sempre que os clientes não pagam. Eu fui um dos que há duas semanas foi ao banco levantar o dinheiro da prestação dos serviços. Tem dinheiro sim senhor. Nos meses de Dezembro ele sai. Vai passar o Natal e o ano novo na Europa. Deixa-nos só o vencimento do mês de Dezembro. Depois ficamos sem receber o 13º, Janeiro, Fevereiro, até que regresse da Europa.
- Quanto é que ganha um segurança?
- Entre 50 a 150 dólares.
- E qual é o valor mensal da facturação que o banco paga?
- Em número redondo cerca de setenta mil dólares.
Caramba! Um verdadeiro negócio da China. – Pensei.
Comecei a meditar como se ganha dinheiro com tanta facilidade:
Além do lucro volumoso, imediato, ainda retêm sistematicamente os vencimentos dos trabalhadores, que os utiliza como investimentos. Obtêm lucros e com eles paga depois os vencimentos. Sem dúvida alguma, é um país à deriva. Estou tramado. Meti-me com uma quadrilha. Estes indivíduos são extremamente perigosos e desumanos. Verdadeiros psicopatas que merecem internamento psiquiátrico. Lembrei-me das afirmações de Malcolm X. Assaltar e roubar para não morrer de fome. Senti-me sem forças para o condenar. Custa-me a entender as afirmações do estilo: negros atrasados, negros burros, pretos de merda, macacos sem árvore e tantas outras diatribes. Se estes portugueses e outros estrangeiros enriquecem facilmente, explorando desumanamente os angolanos, porque é que lhes agradecem assim? Na realidade os portugueses estão aqui novamente para retomarem a colonização.
Pelas vinte e uma horas refrescava-me na varanda do apartamento. Anotava os movimentos na noite, até assistir, surgir uma cena caricata:
Um português de uma grande empresa de construção civil, notava-se pela inscrição no seu carro, faz marcha-atrás para sair do estacionamento. É tão desastrado que deixa algumas amolgadelas no carro ao lado. Pretende fugir, mas um segurança intercepta-o. O português pretende continuar a fuga. O segurança trava-o ameaçando-lhe dar um tiro num pneu. O português insiste na fuga. O segurança não lhe deixa dúvidas. Está disposto a furar o pneu. O dono do carro acidentado chega. O português para cúmulo nega as acusações. Usa o seu telemóvel, o lesado também. Chegam dois agentes da polícia de giro. Cada um defende os interesses dos contendores. O português mantém-se renitente. Alguém mais exaltado exclama:
- Mas porque é que vocês defendem os estrangeiros?
Os polícias retiram-se cansados. Surge a polícia de trânsito. A situação mantém-se num impasse. Já passa da meia-noite. Decido descer. Chego junto dos polícias e digo-lhes:
- Esse senhor é culpado. Assisti a tudo. Ele bateu no carro deste senhor e queria fugir, mas foi impedido pelo segurança.
O dono do carro lesado com ar triunfal exclama:
- Estão a ver!? Estão a ver!?
Retirei-me apressadamente do local. Depois, da varanda vi o prevaricador acompanhar os polícias de trânsito, seguidos por mais dois carros com portugueses da mesma empresa.
Nos Caminhos de Luanda tentava recuperar a contabilidade. Debalde, porque a electricidade não o permitia. Sentia-me muito cansado… sem fazer nada. No fundo, a minha ocupação profissional considerava-a como um divertimento. Ausentei-me dizendo que ia à empresa de segurança. Tinha que percorrer apenas cerca de um quilómetro. No final virava à esquerda e com mais três centenas de metros chegava ao destino. Cheguei e perguntei se o Dr. Vieira estava. Responderam-me que sim, que se encontrava no escritório. Dirigi-me para lá. Vieira estava bem trancafiado, sempre com receio de não sei bem o quê. Sentiu a minha presença, abriu-me a porta de ferro, todas eram metálicas, e exclamei:
- Vieira ali não tem luz!
- Aqui também não. Eles também estão sem telefones por falta de pagamento. O Director não paga porque andam a fazer muitas chamadas para o estrangeiro. As contas são muito elevadas. O Director disse-me que quer saber quem fez essas chamadas para descontar nos vencimentos.
- Vieira, trabalhar neste país é muito difícil.
- Mas o que é que tu queres?! Eles nunca conseguirão ir em frente. Estão na Idade da Pedra, ou melhor, estão ainda no Neolítico.
- Vieira… sinto-me desanimar!
- Não ligues, deixa andar. Olha, vou pôr aqui a Internet. Ainda não o fiz por causa do e-mail. Sabes, isso do e-mail é muito perigoso porque deixa rastos. Qualquer descuido num texto serve de prova. Ficamos com a vida lixada. Muitas empresas não o utilizam por causa disso. Preferem não dar nas vistas e também para pouparem. O que interessa é sacar dinheiro de qualquer maneira e depois andar.

CAPÍTULO III
HEITOR

29.09.2008 - JL, Évora - Portugal - República das Bananas. A semana passada uma data de "chico-espertos" fartaram-se de apregoar que o Fortis estava fora da "crise" (incompetência generalizada dos gestores, reguladores, supervisores, etc...), afinal também está falido. Portanto por arrastamento o BCP-Millenium, também estará com problemas, que as "autoridades" portuguesas estão certamente a tentar tapar (como é hábito)....portanto...toca a levantar o que lá tenho, antes que me molhe, por culpa dos incompetentes que estão no (des)governo, desta Republica das Bananas.... In Público última hora

Vieira segreda-me:
- Vou mandar vir o meu irmão de Portugal. Vive miseravelmente nas barracas ao pé do aeroporto. A passar fome… vai ficar encarregado das obras.
Heitor não demorou muito a chegar. Tem trinta anos e ostenta uma magreza de campo de concentração. Alto, de óculos com lentes graduadas. Aparenta ser simples e humilde. Em conversa, confidencia que nasceu em Angola, mas devido à guerra fugiu para Portugal, onde depois obteve a nacionalidade portuguesa. O seu nível cultural é muito baixo. Por exemplo, confessa que nunca mexeu num computador. Sobrevivia como operário da construção civil.
Vieira arranja-lhe uma vivenda ali para os lados da Samba. Heitor prefere uma mestiça para companheira. Instalam-se e surge o primeiro filho.
Começa a efectuar pequenos biscates. Resolver questões de infiltrações de água. Montar sanitas, lavatórios, lava-loiças. Levantar muros e efectuar pinturas em residências. Além disso, ocupa-se também na vigilância dos trabalhadores. E sem ninguém lhe perguntar, justifica porquê:
- Temos que estar sempre a vigiá-los, tipo capataz, senão não fazem nada.


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