segunda-feira, 3 de junho de 2013

O VELHO E O MAR




Poucos anos depois da independência de Angola, 11 de Novembro de 1975, o velho Rocha, já quase nos sessenta anos, magro, estatura mediana e bem conservado, o Siro e eu preparávamos as bagagens no rumo da Barra do rio Kwanza. No trajecto apreciava o intenso perfume a jasmim na zona das Palmeirinhas. Atravessávamos a ponte que tinha uma pequena guarnição. Distribuíamos alguns maços de cigarros pelos jovens Faplas, eles já nos conheciam, depois mais uns poucos de quilómetros percorridos virávamos à direita numa picada que dava para o mar, avançávamos no pequeno jipe Suzuki até atingirmos uma língua de areia que separava, à direita o fim do rio, a sua desembocadura, e à esquerda o mar, possante, de ondas sonhadoras. O Velho construiu uma caixa térmica que cabia no suzuki. Como ele fazia a manutenção da refrigeração da fábrica de cerveja Cuca, tinha direito a quatro caixas de cerveja semanalmente, e assim a nossa caixa térmica ficava bem atestada e a cerveja bem conservada no gelo, que também servia para conservar o peixe que eventualmente pescássemos, e que também habitualmente assávamos. Preparávamos as canas de pesca e depois fazíamos lançamentos o mais longe possível. De manhã bem cedo o mar parecia um lago gigantesco de água muito mansa, tímida, parecia como que uma auto-estrada. Mas lá para as treze horas mudava e começava a ventania, de ondas agitadas. Depois das canas no mar, já o sol nos atacava, queimava com força, e a praia ficava como que um forno. A areia fina, branca, queimava-nos os pés. A praia era só nossa, não se via mais ninguém, era um paraíso, portanto além de nós, não se avistava vivalma. O apetite subia, voraz, comíamos do nosso farnel e a cerveja começava a desaparecer. É que estas coisas do mar fazem muita sede, e a cerveja é uma bebida muito agradável, mata de facto a sede. E o Velho previdente controlava o estoque, senão a cerveja não chegaria.
E por mais lançamentos que fizéssemos nem um peixe nos anzóis. Mais um dia em vão, da santa paciência de quem pesca, é por isso que se diz que a pesca à cana é o desporto da paciência.
E já era meio-dia, depois treze horas… dezasseis horas, de peixe, nada. Já tínhamos tudo arrumado no suzuki para regressarmos, mas o Velho não desistia e disse que ia fazer o último lançamento e que após isso iríamos embora. Inspirou-se e colocou uma sardinha pequena bem ressequida pelo sol, no anzol. E ainda inspirado deu-lhe para atirar o anzol com a isca para o cimo de uma onda anormal, dessas que de mil em mil ondas, a última será a maior. E ficámos a olhar, a aguardar pelos acontecimentos, embora críticos porque achávamos que o Velho nos estava a fazer perder tempo. Mais uns cigarros nos lábios e já sentados no jipe à espera que o Velho o viesse conduzir, quando de repente surgiu o inesperado.
A cana dobrava-se quase até ao chão, indicando que se tratava de um bruto peixão. O Velho lutava, manobrava para que a linha não se partisse. Ouvia-se o assobiar da linha, indicando que estava muito tensa, muto esticada e que poderia partir-se. O Velho não descansava, já ia numa hora de luta. Era uma bruta macoa, que pelo tamanho fazia lembrar um porco. O Velho perdia as forças, já se ajoelhava, tentei dar-lhe uma ajuda mas o Siro disse-me que é o pescador que tem de tirar o seu peixe da água sem a ajuda de ninguém. Foram quase duas horas e meia de luta, e o Velho muito cansado disse que, afinal ganhámos o dia. E o Siro disse-lhe que ele merecia o prémio da persistência.

Imagem: Angola, barra do rio Kwanza. ab4-cronicasecontos.blogspot.com

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