quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

António Setas. Não há mistério porque não há plágio.


António Fonseca, membro do júri do Prémio de Literatura Sagrada Esperança, disse na Rádio Ecclesia que ao escritor angolano António Setas, foi-lhe recusado o prémio Sagrada Esperança 2011… por plágio.
Vejamos o ponto de vista de António Setas:

Caro Nelson:
Recebi a mensagem do Prémio fugitivo. É claro que não agradeço, mas também sei o que é pactuar e não protesto. Admito ter cometido erros, dos quais o júri do S.E. me apresentou a factura. A meu ver, severa demais, mas também admito que não havia alternativa, digamos, plausível, era isso, ou dar-me o Prémio, o que seria um trauma terrível para essas pessoas que patrocinam o dito cujo.
Estou a pagar a factura sem rancor. Tão naturalmente como fiquei ofendido com a frase «Em face dos factos provados e reconhecidos por António Setas, de ser mais de um terço do romance a transcrição literal da obra de Jean Martial Mbah». Explicações aqui vão a seguir.

Por decisão do júri do Prémio Literário Sagrada Esperança do dia 20 de Janeiro de 2012, o galardão que me tinha sido outorgado no dia 20 de Novembro de 2011, foi-me retirado pelas razões seguintes:
«Em face dos factos provados e reconhecidos por António Setas, de ser mais de um terço do romance a transcrição literal da obra de Jean Martial Mbah, este perde em criatividade e viola o artigo 3`ª, n ª 2 do regulamento que determina que as obras a concurso “deverão ser rigorosamente inéditas”. Pelo que o júri, consciente de que a manutenção da atribuição do prémio constituiria um verdadeiro entorse ao regulamento, decidiu retirar o prémio a António Setas e não atribuí-lo na presente edição."
O júri decidiu, está decidido.
Contrariamente ao que, a quente, me propunha fazer, interpor recurso, penso que o melhor é não interpor coisa nenhuma e acatar. A luta seria comparável a um hara-quiri. O que não me impede, primeiro, de não estar de acordo com a decisão do júri no que toca exclusivamente às motivações invocadas, segundo, contestar a apreciação feita sobre as colagens que fiz, de partes do texto da obra de Mbah, tendo sido elas transportadas, pela retórica jurisdicional, para a noção de “transcrição literal de mais de um terço do romance”.
Admito sem dificuldade que neste último ponto, embora possa contestar, sou obrigado a inclinar-me, pois o que eu pensava fazer, isto é, tomar as contribuições colhidas na obra de Mbah como referências, o que acontece é que elas se apresentam no meu texto como sendo da minha lavra e neste ponto preciso, admito ter cometido erros que me empurram a aceitar este veredicto que muito me afectou.
O primeiro erro foi não ter contactado Mbah e pô-lo ao corrente daquilo que acabei por fazer, colher da sua obra dados históricos para completar a minha obra de ficção.
Outro erro foi não ter levado em conta que o transporte de um texto científico para o discurso directo impossibilita a menção de referências às fontes utilizadas, porque as considerações, frases da fonte, automaticamente se diluem no discurso directo. Nada fiz para eliminar essa opacidade, por medo de que me acontecesse o que se passou em 2003.
Nesse ano, o meu manuscrito, apresentado ao Prémio S.E., foi eliminado na selecção final da última reunião do júri, porque tinha uma fita adesiva a ligar as folhas, fita na qual havia uma publicidade, já não me lembro de que produto, mas, de qualquer modo, do tipo “Omo lava mais branco”. Fui eliminado por essa única razão e nesse ano não houve vencedor do Sagrada Esperança…
O director dessa altura, João Constantino, poderá confirmar o que eu afirmo aqui atrás.
Quanto às motivações do júri, passo a recitar, «Em face dos factos provados e reconhecidos por António Setas, de ser mais de um terço do romance a transcrição literal da obra de Jean Martial Mbah (…)».
Para começar, eu nunca confirmei fosse o que fosse, e a asserção é incorrecta.
O meu manuscrito comporta 135 páginas, das quais 102 de ficção e 33 de “Cadernos” sobre as dissidências MPLA/FNLA na guerra de libertação de Angola.
As 33 páginas da totalidade dos cadernos já são menos de um terço do total das páginas de ficção.
As páginas de ficção não são a obra, mas apena uma parte da obra que apresentei.
Enfim, se “descascarmos” os cadernos e ficarem apenas as contribuições de Mbah, eis o que acontece:
Número de palavras do manuscrito: 39.945.
Número de palavras dos subsídios de Mbah: 5.190 - Cerca de 12, 5%...

Número de palavras do anexo: 10.739

Número de caracteres do manuscrito: 324.917.
Número de caracteres dos subsídios de Mbah:32.096 - Quase 10%...
Número de caracteres do anexo:66.252

Creio que não é preciso comentar, tanto mais que este resultado até para mim é surpreendente. Pensava que a proporção de subsídios fosse maior, pelo que efectuei uma nova contagem que confirmou este resultado (envio também o resultado dessa pesquisa.
Para terminar, duas questões. Ficaria muito grato se me respondesses com sinceridade.
1 – Quando, em que altura, na presença de quem disse eu algo que pudesse permitir a infeliz tirada inscrita na sentença do júri: «Em face dos factos provados e reconhecidos por António Setas, de ser mais de um terço do romance a transcrição literal da obra de Jean Martial Mbah…»?
Espero que essa imensa vergonha me será evitada por uma rápida correcção.
2 – Por que razão uma decisão tomada a 20 de Janeiro só me é anunciada no dia 3 de Fevereiro?
Ficaremos por aqui e, sem outro assunto a tratar, aceita um kandandu do António Setas.

E no Facebook:
A propósito da decisão do júri do Prémio Sagrada Esperança de me retirar o Prémio, não vou alimentar polémicas e creio que também não impugnarei ninguém que me ofenda, por saber que as minhas chance de obter reparo são praticamente nulas. Mas, parafraseando Galileu Galilei, no entanto não cometi plágio nenhum.

Limitei-me a reproduzir, ipsis verbis (exactamente como se deve fazer quando se faz referência a uma obra alheia), num anexo ao meu romance (103 páginas de romance e 33 de anexo), extractos de um texto científico que transportei para o discurso directo do meu personagem principal.
Como pelo regulamento do concurso era proibido revelar as fontes, eu não revelei. Mas, mal soube que tinha ganho, enviei um pedido de inserir um prefácio dando conta do meu recurso a uma obra do historiador Jean Martial Mbah que eu próprio tinha traduzido. Não cometi nenhum pecado "mortal", mas admiti e admito que atropelei a ética ao não levar em linha de conta dois pormenores muito importantes, que me impediram de protestar contra a decisão do júri:
1º . Não revelei de antemão ao Mbah o meu projecto de recorrer ao seu texto para enriquecer a parte histórica do meu romance. Dada a importância da sua contribuição era mister fazê-lo.
2º . Não me dei conta de que, ao transportar um texto científico para a boca, ou, como neste caso, a pluma do guerrilheiro frustrado (para os seus cadernos), significava desnaturar completamente o carácter científico desse sapiente texto, o que, não só pôde passar por tentativa de ludibriar os jurados, mas também irritou soberanamente o historiador, que considerou com alguma razão ter sido traído por um vulgo pecus.
O total dos extractos/referências tirados do livro de Mbah, escritos no anexo, rondam os 11% do texto total da obra apresentada a concurso e estão, portanto, completamente separados da obra de ficção, pois trata-se de relações de factos históricos da lavra de um historiador, que eu, desastradamente, admito, converti em desabafo do guerrilheiro frustrado.

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