quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SONHO DE UMA NOITE TROPICAL (11)


Uma barulheira aproxima-se. É um carro da polícia.
- Caramba, chegaram os homens da grei! – Alarmou-se o Vodka.
- O que é que será desta vez? – Interrogou-se o Almirante.
O chefe da viatura sai e ordena:
- Todos daqui para fora!
- Porquê?! – Admirou-se o Almirante.
- Queixaram-se que fazem muito barulho, e isso é contrário aos bons costumes.
- Ó jovens, quem está a fazer muito barulho são vocês.
- Como assim?
- Com as sirenes dos vossos carros.
- Somos polícias e temos a lei do nosso lado.
- Então emprestem-nos um pouco do vosso barulho.
- Fujam! Chegaram os guardas do campo de concentração! – Gritou a Caribenha.
- Vocês não têm respeito por ninguém?! – Protestou o Almirante.
- Desculpe, não entendo. – Disse o polícia.
- Já não existem hierarquias?
- Desculpe senhor Almirante tem que tirar o seu carro. O brigadeiro disse que onde ele está, não pode estar.
- A rua é dele? Foi comprada com as sobras do Alasca? Não o tiro. Se quiserem, podem levá-lo.
- Está bem Almirante. O brigadeiro mandou fechar o trânsito na rua por motivos de segurança.
- Ah! E como é que vamos sair daqui?
- Não sei Almirante, são ordens superiores.
- Desordens superiores? Ele é meu inferior. É pá! Não quero saber disso. Vou sair daqui normalmente. Porra! Que grande república das bananas.
- Dos bananas. – Lembrou o Branco.
- Ó Branco cala-te! – Exclamou o Almirante.
- Desculpe Almirante. Queria dizer república do álcool. Olhe, acho que o senhor polícia está com receio do teu feitiço. Ele acha que o teu é mais forte.
- Não te metas, não entendes nada disso.
O Almirante retira do bolso algum dinheiro. Diz para o polícia.
- Pronto. Está aqui dinheiro para uma cerveja.
- Obrigado. O Almirante fez anos?
- Sim. Faço todos os dias.
O polícia entrou no carro. Este movimentou-se para continuar o seu trabalho de ronda, na procura incansável dos acidentes de percurso nocturnos.
O Presidente afirma:
- Fomos limitados pelo tempo, pelo problema dos transportes e por outras circunstâncias particulares desses municípios. Um dos pontos a debater será a criação do partido Marxista-Leninista dirigente do nosso País. Estas são decisões que têm grande importância para o desenvolvimento político do Povo angolano. Havia proprietários portugueses que detinham os meios de produção (que tinham as fábricas, as terras, as ferramentas) e operários assalariados angolanos a quem pagavam salários de fome. Hoje, uma parte, uma boa parte dos meios de produção já não pertencem a indivíduos e raramente pertencem a portugueses: são bens que pertencem ao povo angolano. In Agostinho Neto. 5 De Fevereiro de 1977. Discurso na assembleia de militantes em Ndalatando.
O Almirante comenta:
- Classes e subclasses sociais. Ministros, deputados, polícias, e os sem classe.
- A história está sempre em movimento. Temos que mudar, mas não conseguimos porque estamos sempre parados. – Disse o Filósofo.
- Somos todos escravos de qualquer coisa. – Certificou o Vodka.
- É a ler e a escrever que se resolvem as coisas. – Assegurou o Almirante.
- Será que temos mesmo um chefe? – Duvidou o Hepatite.
- Acho que é um clone. E está controlado com micro chips no cérebro via satélite. – Explicou o Filósofo.
O Eleitor mantinha a sua ideia fixa:
- Vou votar… não vou votar. Ouvi dizer que quem não votar nele, será morto.
- Para mim só existem dois tipos de pessoas: os que roubam e os que não roubam, e os que bebem e os que não bebem. – Disse convicto o Filósofo.
- Somos negros, os brancos desprezam-nos, não temos valor para ninguém, não somos considerados seres humanos. – Desabafou o Vodka.
- Os que bebem são mais que os que roubam, certo? – Cogitou o Filósofo.
- Concordo. São quinze a roubar e quinze milhões que se deixam roubar. – Asseverou o Vodka.
- Acho que não. São quinze milhões que se deixam embebedar. – Afirmou o Branco.
- Mais um Lawrence da Arábia. - Ironizou o Almirante.
- Não. Um Lawrence patriota. – Defendeu o Filósofo.
- Não precisamos de filósofos. A vida do nosso dia-a-dia, a fome, essa é a nossa grande filosofia. Em Auschwitz os SS davam água e café. – Lembrou o Vodka.
- Parece-me que ninguém entendeu quando o nosso defensor disse que a democracia nos foi imposta. Creio que quis dizer o seguinte: a cultura da África Negra é diferente da Europeia. Não se pode impor usos e costumes a outro povo, isso traz muitos problemas. O nosso parlamento é uma cópia de um parlamento europeu, e isso aqui não funciona, nunca funcionará. – Previu o Filósofo.
- Explica porquê. - Quis saber o Almirante.
- Temos que utilizar como representantes no nosso parlamento, um lavador de carros, uma zungueira, um pescador, um vendedor de rua, uma prostituta, um feiticeiro, um padre. Delenda Carthago.
O Poeta exprime os seus sentimentos:
Estamos no tempo do caos/ quando desperto e vejo/ que o dia vai começar/ faça frio sol ou chuva/ ou ventos muito fortes/ os meus olhos ficam tristes/ quando olham para esta terra/ que ainda não renasceu/ apenas para uns poucos/ ninguém ousa dizer o contrário/ porque o novo fogo negreiro/ é mais destruidor/ que o anterior/ Já aconteceu um Nacionalismo/ e sempre nasce um novo/ chegou a hora, estamos no tempo/ no início do Novo Nacionalismo/ libertemo-nos com o Neonacionalismo.
- Isso acontecerá quando os rios cheios de cacusso nascerem sem escamas. – Escarneceu o Filósofo.
O Presidente olhou atentamente para os presentes e considerou:
- O convívio entre brancos, pretos e mestiços, hoje, é muito melhor do que foi no passado, embora ainda tenhamos alguns problemas. Não encontramos mais a violência por causa da raça, não encontramos a discriminação por causa da raça. Esses detinham grandes somas de dinheiro. Alguns deles, certamente, não entregaram o dinheiro ao Banco, não fizeram a troca. Preferiram escondê-lo do que revelar-se. Porque eles nunca depositavam o seu dinheiro no Banco, faziam assim com que as autoridades não conhecessem realmente o que cada um detinha. Mas foram detectados alguns. Nós temos uma grande riqueza mineral, temos uma grande riqueza agrícola, temos fontes de energia imensas, temos um País extenso. In Agostinho Neto. 5 De Fevereiro de 1977. Discurso na assembleia de militantes em Ndalatando.
- Nós temos que acabar com os carros que transportam bebida, e carregá-los com computadores e enciclopédias. Sem isso seremos sempre economicamente dependentes. – Disse o Poeta.
- Economia é a ciência que ensina os economistas a roubarem subtilmente. – Preveniu o Vodka.
O Almirante deixa cair o copo. Com alguma dificuldade apanha-o. Limpa alguma areia que se lhe colou com cerveja. Consegue despejar-lhe uísque até a meio. – Invectiva:
- Prefiro a economia deste passaporte para a inconsciência.
O Branco sente como se lhe tocassem numa ferida:
- O que não é nada fácil. Para conseguir o passaporte primeiro exigiram que fosse a Portugal renovar o bilhete de identidade. Paguei, a seguir não tinham troco. Depois tinha que ir para a bicha às cinco da manhã. Nunca mais lá fui… há uma coisa incrível, mas é verdadeira, que retrata o espírito de um povo. Normalmente quando se é estrangeiro noutro país, há a tendência natural de auxílio por parte do seu semelhante. Aqui, um português que necessite de outro, é um tremendo erro. O português faz tudo o que é possível para explorar, para roubar o seu compatriota. Imaginem o que não fará ao cidadão nacional. É um facto revelador que o português perdeu a noção de civilização.

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