terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eça de Queiroz (1845-1900) e a bancarrota de Portugal


A desgraça de Portugal é a falta de gente. Isto é um país sem pessoal. Quer-se um bispo? Não há um bispo. Quer-se um economista? Não há um economista. Tudo assim! Veja Vossa Excelência mesmo nas profissões subalternas. Quer-se um bom estofador? Não há um bom estofador...
Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». E assim se havia de continuar... Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
– Num galopezinho muito seguro e muito a direito – disse o Cohen, sorrindo. –
Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
– A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava o Cohen – que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país...
Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! A bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da «inscrição», em não lha pagando, agarra no cacete;
e procedendo por princípio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o «calote», e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas...

Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as alianças que teríamos a troco das colónias – das colónias que só nos servem, como a prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise...

Ega rugiu. Para que estavam eles fazendo essa pose heróica? Então ignoravam que esta raça, depois de cinquenta anos de constitucionalismo, criada por esses saguões da Baixa, educada na piolhice dos liceus, roída de sífilis, apodrecida no bolor das secretarias, arejada apenas ao domingo pela poeira do Passeio, perdera o músculo como perdera o carácter, e era a mais fraca, a mais cobarde raça da Europa?...
– Isso são os lisboetas – disse Craft.
– Lisboa é Portugal – gritou o outro. – Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!...

– A mais miserável raça da Europa! – continuava ele a berrar. – E que exército!
Um regimento, depois de dois dias de marcha, dava entrada em massa no hospital! Com
seus olhos tinha ele visto, no dia da abertura das Cortes, um marujo sueco, um rapagão
do Norte, fazer debandar, a socos, uma companhia de soldados; as praças tinham literalmente largado a fugir, com a patrona a bater-lhes os rins; e o oficial, enfiando de
terror, meteu-se para uma escada, a vomitar!...
In Os Maias.

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