sábado, 12 de janeiro de 2013

As aventuras de Akalesela. (07). O Mistério do Prédio Enfeitiçado




Ela intrigava-se muito com a fuba que a outra vendia, porque acabava-lhe depressa, os clientes só a ela compravam. Então, decidiu-se e submeteu-a a um interrogatório: «Mana, porque é que só a tua fuba compram, anda bem, muito depressa te desaparece? Todos te compram, só a minha não dá, não anda, ninguém ma compra, como é que consegues mana? Me explica só!» A outra olhou-lhe bem, quase de cima abaixo e explicou-lhe o segredo do êxito das suas vendas: «Fui no feiticeiro, ele me fez um feitiço, vai lá também… podes lá ir». E ela foi. O feiticeiro disse-lhe que depois do dinheiro ganho nas vendas teria que lá ir e entregar-lhe um galo e uma galinha para serem mortos. Ele queria-lhes o sangue. E ela começou a vender a fuba, e andava muito bem, e vendeu muito, muito, toda, e ganhou muito dinheiro. E foi no feiticeiro pagar-lhe a promessa. Mas ele exaltou-se: «Não, não… não é nada disso. Tens que me trazer a tua filha e o teu filho». E com tal espanto, ela disse-lhe que estava bem, que concordava. Foi para casa, juntou o dinheiro todo e reuniu-se com o marido e os filhos. Contou-lhes a cena do feitiço garantindo que não, nunca mataria os seus filhos. E acrescentou: «Está aqui… com este dinheiro que eu amealhei comprem-me o caixão… porque vou morrer». E foi para o seu quarto, deitou-se… e morreu.

Atirou-se a chorar para cima dele:
- Akalesela, este mundo é uma selva insuportável. É lamentável a maldade. Não sei qual é o interesse em acabar com ele… maldito dinheiro.
- Querida, passámos mais um Natal e ano-novo na selva. Como se estivéssemos muito longe da pátria que teima em nos recusar. E nesta onde estamos por vontade própria está longínqua de o ser. Não respeitam ninguém. É uma selva perfeita.
Ela acalmou-se e comentou com desalento:
- Se o combate à criminalidade não começar do alto, em baixo nunca acabará.
Não há lei. Devido a isso as pessoas recorrem cada vez mais ao feitiço. A rádio informa com verdade, noticiou que o Natal é lembrado em todo o mundo. Acho que se referia somente ao nosso país.
- Minha feiticeira, alguns novos-ricos que andam por aí devem-no a mim. Agora quando passo por eles fingem que não me conhecem.
Ela realça-lhe:
- Quando um soldado da guarda presidencial se suicida porque não lhe pagaram o salário, estamos perante um feitiço poderoso. Um feiticeiro com grandes poderes que se prepara para dirigir o país. Acreditem pois que a nossa vida depende de um feitiço.
Ele sintoniza-se para a informação:
- A rádio informa com verdade e a TV, do telejornal está a recomeçar, e os ecléticos, insistem há anos a cansar-nos com a mesma filosofia. Os ecléticos aparentemente estão cansados porque não conseguem, ou não querem, mudar a sua linha editorial. Deviam ser mais contundentes, mais directos.
Entretanto a parabólica informa-lhes que no Iraque aconteceu mais um atentado suicida. Akalesela é peremptório:
- É fácil acabar com o terrorismo. A fome e a miséria são a sua origem. As democracias ocidentais devem preocupar-se em extinguirem os ditadores que apoiam… que se servem deles para continuar dissimuladamente a explorar os povos. Significa isto que o colonialismo não acabou. Tornou-se mais bárbaro. As potências mundiais não podem continuar a impor a lei da selva no mundo, que se resume a: riqueza para nós e desgraça e fome para os outros. Se as regras do jogo não se alterarem rapidamente, nada nem ninguém deterá a sangrenta caminhada dos milhões de esfomeados mundiais. O holocausto espalhar-se-á como uma nuvem dantesca e atingirá a nação mais poderosa. Depois surgirá uma nova idade das trevas. Morrer à fome ou com bombas à volta da cintura não lhes faz nenhuma diferença.
Ela acha que chega de tanta tristeza, de tanto desalento, de tanto futuro perdido e pede-lhe com ternura:
- Trova para a tua princesa feiticeira.

Na encruzilhada desta floresta de betão fissurado
o cavaleiro impaciente
olhava os medonhos luares
das nossas noites
A sua amada princesa
lá estava, lá continuava na masmorra
Que no castelo ansiava o seu
cavaleiro
Mas ele cansou-se da desespera
e esporeou a sua montada
na eternidade destes nossos efémeros
luares corruptos
e esqueceu-se da sua amada

Ele vê no visor do seu telemóvel quem é que lhe está a ligar. É Ma Yuan:
- Sim? – Responde ele.
- Akalesela, vem fazer-me companhia ao jantar. Aproveitamos e conversamos um bocado.
- De acordo, daqui a pouco estarei aí.
 Ele chegou à Ruela Muito Mal Iluminada. Olhou para o prédio e sentiu arrepios de terror. Viam-se restos de persianas nas janelas. A pintura estava a desfazer-se. Rachas nas varandas indicavam que podiam desabar. Uma planta bem desenvolvida tombava de um buraco a meio de uma sacada. Gradeamentos de ferro ferrugento nas varandas e janelas. Muitos aparelhos de ar condicionado potentes, que todos em funcionamento a instalação eléctrica não suportaria a carga. De alguns andares, bacias com águas porcas atiravam-se, atolavam-se na rua. Uma jovem vassourava a água da varanda que parecia uma cascata. Próximo, uma tampa de esgoto entupido não suportava a pressão dos dejectos. Alguns jovens bebiam acompanhando-se de algazarra. À sua volta o cortejo habitual de garrafas e latas vazias. Em frente a uma montra de um estabelecimento havia uma grande mesa no passeio, onde se celebrava um óbito por falta de espaço no interior do seu apartamento.
Ele entrou com cuidado porque a entrada tinha uma fuga de água de um contador que necessitava de substituição. Algum lixo desfazia-se em contacto com o líquido. A caixa dos fusíveis desprotegidos quase que rasava o chão. Quando a água lhe tocar causará morte e incêndio. A caixa do elevador servia como contentor para guardar os detritos. O ambiente fez-lhe lembrar um castelo tenebroso da Idade Média. Conseguiu subir as escadas até à morada de Ma Yuan. Carregou no botão da campainha e ouviu um som melódico. Ela abriu a porta e depois o gradeamento reforçado. Cumprimentou rapidamente:
- Boa noite… entra!
Depois de fechar as portas e mover as fechaduras convidou-o a sentar. Em seguida perguntou-lhe:
- O que é que bebes?
- Cerveja.
- Também vou beber.
Estava com um vestido de noite curto que intencionalmente deixava contemplar os seios bem cuidados e nutridos, reforçados pelas aprazíveis e modeladas coxas, firmes e voluptuosas. Lábios cheios com vermelho de incêndio. Uma peruca de cabelo comprido dava-lhe uma aparência jovem. Ao caminhar, os sapatos vermelhos de salto alto moviam as ancas que oscilavam provocadoras. Sentou-se enquanto pegava na sua cerveja a lamentar-se:
- Ah! Que cozinha chata com água a cair do tecto. Os de cima também dizem a mesma coisa.
Ele deplora:
- Os feiticeiros não gostam de quem vive nos prédios. Acho que é inveja, estão a apostar na sua destruição.
Entretanto ela trouxe algumas gambas para aperitivo. Pouco tempo depois sentiam-se relaxados com a cervejada. Perderam a timidez inicial. Ele enleva-se e gaba-lhe os seus dotes:
- A noite deu-me uma princesa que faria inveja no Olimpo.
Ela suspirou profundamente. Agitou os ombros com falso nervosismo para mostrar a fenda profunda do seu busto. Retribuiu:
- Sinto-me arrebatada. Entre príncipes e princesas ousamos falar de amor. Entre mendigos e miseráveis não ousamos falar da fome. Entre príncipes e princesas ousamos falar de reinos. Entre mendigos e miseráveis não ousamos falar na noite das ruas. Entre príncipes e princesas, mendigos e miseráveis não existe nada de novo.
Ele mostrou-se conciso:
- Parece-me que isso é a fórmula do nosso neocolonialismo.
- Claro! Os neocolonialistas internos e externos chegam, pagam-nos parte dos vencimentos, ou não os pagam, embarcam no avião e regressam a casa. A desculpa é habitual: Dizem sempre que não têm dinheiro.
Ele denuncia como é fácil ganhar dinheiro:
- Os bancos deixam cair o sistema informático. Desesperados, os clientes aguardam para levantarem dinheiro. Os telemóveis deixam de funcionar porque a rede não suporta a quantidade de aparelhos vendidos. A salvaguarda dos arquivos usa equipamentos remendados para não se gastar dinheiro. A lei é clara. Gastar e carregar os lucros nas malas diplomáticas, porque de um momento para o outro vem o receio dos tumultos, da guerra civil. Não se pode perder muito tempo com o dinheiro parado. É chegar, roubar e voar. Acabar com a raça.

Imagem: O "homem das finanças" caprichou no feitiço.
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