quarta-feira, 23 de julho de 2014

Há nove inesquecíveis anos que repousas no eterno





Há nove anos que viajas no paraíso etéreo e dele jamais sairás. Nunca mais me ampararás nos teus braços ternos, confortáveis, sinceros. Continuo na terrível luta diária e nocturna do mundo dos vivos, perseguido por feras que a todo o momento me lançam as suas garras para me desferirem a armadilha, o golpe fatal. Sim, está extremamente difícil defender-me deles, e não sei se conseguirei por muito mais tempo, pois esses monstros estão – por incrível que pareça – mais poderosos, incrivelmente agressivos, mortíferos. A violência é a sua sabedoria porque quem nada em dinheiro tem as suas próprias leis, e por isso mesmo actuam impunemente, e ninguém ousa fazer-lhes frente.

Há nove anos que vejo tudo a piorar, mas eles sempre invocam aos seus deuses que a nossa vida vai melhorar. As igrejas servem-lhes de retaguarda segura, pois não é possível a multidão de clérigos sobreviver sem o apoio incondicional ao império da corrupção, à divina rendição. Pois o canto clerical é a fortaleza da corrupção e da nossa permanente submissão, destruição. Fazer do mundo um lugar de capelas, de igrejas para que os tiranos sejam abençoados, endeusados e nós metralhados porque Deus não se compadece dos miseráveis mas as igrejas sim, porque quanto mais miserável o rebanho, mais fácil é domesticá-lo na superstição e conduzi-lo para o abismo da servidão, da escravidão.

Há nove anos que vejo ineptos chegarem ao poder com tanta facilidade, que significa que o poder se vende como um par de sapatos rebentados.
E os ineptos felizes de fato e gravata no lugar de discursarem, não, é só disparatarem e a cáfila de apoiantes ovacionam-nos indumentados com a farda militar de serviço instituída. Todos em sentido com as mãos esticadas nas cabeças, porque o poderoso dos poderosos de vez em quando inventa uma cerimónia qualquer para lembrar que ele afinal existe, é o chefe incontestável, o arquitecto das nossas mentes, o imperador das nossas vidas, as quais a ele estão entregues e por ele devemos morrer pelos motivos mais insignificantes.   

Nove anos perdidos onde tudo pode falir mas os bancos não. Só os bancos têm direito a tudo, nós não temos direito a nada. Quando não se tem direito a uma vulgar habitação, e se abatem crianças como animais por caçadores furtivos. Aviões comerciais indefesos lotados de passageiros despedaçados por mísseis sem qualquer compaixão pelo habitual uso exclusivo terrorista. Com o maior à-vontade aniquila-se o semelhante, porque a vida já não tem nenhum sentido, e por isso mesmo matar virou desporto, como época de caça ininterrupta. 
Há nove anos que vives no meu pensamento, nas maravilhosas recordações do tempo dos vivos em que tu me levavas pela mão e me iniciavas, me mostravas, me preparavas para enfrentar o mundo da maldade e da hipocrisia. Recordo uma tua máxima bíblica que de vez em quando me repetias: Se andares com os bons serás bom, se andares com os maus serás mau. Deste-me a vida, e tudo farei para que te orgulhes de mim, e lá no teu paraíso decerto muito sorrirás de contentamento, porque afinal não perdeste tempo, não foi nenhum desgosto.
Só que a miséria alastra sob a imposição dos canos das armas.
Já não há homens bons, só há maus.

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