Há nove anos que viajas no paraíso
etéreo e dele jamais sairás. Nunca mais me ampararás nos teus braços ternos, confortáveis,
sinceros. Continuo na terrível luta diária e nocturna do mundo dos vivos, perseguido
por feras que a todo o momento me lançam as suas garras para me desferirem a
armadilha, o golpe fatal. Sim, está extremamente difícil defender-me deles, e
não sei se conseguirei por muito mais tempo, pois esses monstros estão – por
incrível que pareça – mais poderosos, incrivelmente agressivos, mortíferos. A
violência é a sua sabedoria porque quem nada em dinheiro tem as suas próprias
leis, e por isso mesmo actuam impunemente, e ninguém ousa fazer-lhes frente.
Há nove anos que vejo tudo a piorar, mas
eles sempre invocam aos seus deuses que a nossa vida vai melhorar. As igrejas
servem-lhes de retaguarda segura, pois não é possível a multidão de clérigos sobreviver
sem o apoio incondicional ao império da corrupção, à divina rendição. Pois o
canto clerical é a fortaleza da corrupção e da nossa permanente submissão,
destruição. Fazer do mundo um lugar de capelas, de igrejas para que os tiranos
sejam abençoados, endeusados e nós metralhados porque Deus não se compadece dos
miseráveis mas as igrejas sim, porque quanto mais miserável o rebanho, mais
fácil é domesticá-lo na superstição e conduzi-lo para o abismo da servidão, da
escravidão.
Há nove anos que vejo ineptos chegarem
ao poder com tanta facilidade, que significa que o poder se vende como um par
de sapatos rebentados.
E os ineptos felizes de fato e gravata
no lugar de discursarem, não, é só disparatarem e a cáfila de apoiantes
ovacionam-nos indumentados com a farda militar de serviço instituída. Todos em
sentido com as mãos esticadas nas cabeças, porque o poderoso dos poderosos de
vez em quando inventa uma cerimónia qualquer para lembrar que ele afinal
existe, é o chefe incontestável, o arquitecto das nossas mentes, o imperador
das nossas vidas, as quais a ele estão entregues e por ele devemos morrer pelos
motivos mais insignificantes.
Nove anos perdidos onde tudo pode falir
mas os bancos não. Só os bancos têm direito a tudo, nós não temos direito a
nada. Quando não se tem direito a uma vulgar habitação, e se abatem crianças
como animais por caçadores furtivos. Aviões comerciais indefesos lotados de
passageiros despedaçados por mísseis sem qualquer compaixão pelo habitual uso
exclusivo terrorista. Com o maior à-vontade aniquila-se o semelhante, porque a
vida já não tem nenhum sentido, e por isso mesmo matar virou desporto, como
época de caça ininterrupta.
Há nove anos que vives no meu
pensamento, nas maravilhosas recordações do tempo dos vivos em que tu me
levavas pela mão e me iniciavas, me mostravas, me preparavas para enfrentar o
mundo da maldade e da hipocrisia. Recordo uma tua máxima bíblica que de vez em
quando me repetias: Se andares com os bons serás bom, se andares com os maus
serás mau. Deste-me a vida, e tudo farei para que te orgulhes de mim, e lá no
teu paraíso decerto muito sorrirás de contentamento, porque afinal não perdeste
tempo, não foi nenhum desgosto.
Só que a miséria alastra sob a imposição
dos canos das armas.
Já não há homens bons, só há maus.
Imagem: espacodasideias.blogspot.com
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