sábado, 12 de julho de 2014

O PARAÍSO PERDIDO A OCIDENTE (09)





Desempregado e sem dinheiro, o meu pai diz que me conseguirá colocação na OGMA-Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, porque assim poderei escapar à mobilização para o Ultramar. Era um sonho, coisa que nunca consegui e o meu pai nunca me explicou porque tal sucedeu, apesar das inúmeras promessas que aprenderia e me formaria em mecânico de aviões.

Comecei a estudar electrónica por correspondência. O meu pai pagava as mensalidades. Já ia bem avançado e necessitava de construir um detector de incêndios. A célula fotoeléctrica era muito dispendiosa e aconteceu o que receava: o meu pai já não tinha meios financeiros suficientes para pagar as mensalidades e mais os materiais das experiências práticas. Acabou-se o curso.

Com esforço pessoal consegui emprego como aprendiz de electricista … a partir do zero aprender uma profissão. Enviaram-me para o Ministério da Justiça, no Terreiro do Paço, que estava em reconstrução. A minha função consistia em ir buscar tubos de plástico, rolos de fio de cobre, dar o alicate universal, o alicate de corte, enfim, assistir em tudo o que o oficial electricista necessitava.

Quando chegava a hora do almoço preparava a mesa improvisada. Colocava os pratos, talheres, descascava batatas, preparava o bacalhau e acendia a fogueira para a que era chamada a comida dos pobres. Vários meses aqui trabalhei, e com o estudo dos manuais dos componentes que estavam a ser montados evoluí rapidamente na minha nova profissão.

Passei grande sacrifício quando me enviaram para trabalhar na instalação eléctrica de uma grande panificação em Arrentela, do outro lado do Tejo. Levantava-me às cinco da manhã, e com chuva e frio de rachar ia a pé até à rotunda do Relógio apanhar o primeiro autocarro para o Cais do Sodré. Depois embarcava no cacilheiro e chegado à outra margem apanhava o autocarro que me transportava até Arrentela no Seixal.

O cómico da questão é que nós pagávamos os transportes do nosso bolso, e quando chegava o dia dos vencimentos, o patrão retribuía-nos o dinheiro gasto nas passagens a título de subsídio de transporte. Na realidade não era nenhum subsídio, não havia nenhum gasto. Era um investimento que nós fazíamos à empresa, um empréstimo avultado porque éramos um número muito considerável de trabalhadores, e com isso a empresa obtinha um lucro considerável.

Pelo tempo já decorrido obtive a carteira profissional de ajudante de electricista, o que me permitia efectuar vários trabalhos sob minha responsabilidade. Aproveitei os ganhos e matriculei-me na Escola Industrial Marquês de Pombal, em Belém, à noite. Durante alguns meses lá estudei, mas o esforço era muito intenso, a distância muito longa, o tempo para estudar era muito escasso, e afinal o dinheiro também não chegava para pagar tantas despesas, porque a minha família também dependia de mim. Além do meu pai era o único que trabalhava. No total éramos dez almas. Desisti dos estudos.

Mudei-me para uma empresa que pagava melhor. Tinham uma obra gigantesca e andavam à caça de trabalhadores especializados. Enviaram-me para a que seria a maior fábrica de cervejas em Vialonga, a Sociedade Central de Cervejas. Havia um prazo para a sua conclusão, e à entrada afixados num letreiro estavam os dias que faltavam para a sua conclusão. Trabalhava-se de dia e de noite, sábados, domingos e feriados.

Responsabilizaram-me pela instalação da iluminação da sala de desenho, e também pela instalação dos telefones internos dos gabinetes administrativos. Quando não levava comida, e como alguém teve a ideia de improvisar um barraco grande que servia peixe frito quase intragável em bocados de papel dos sacos de cimento, o vinho não faltava, e lá almoçava e me safava. Quando a obra acabou o seu responsável recebeu a medalha de comendador.

Um colega disse-me que estavam a construir vários prédios próximo de Cabo Ruivo e pagavam bem. Aceitei a proposta e com um aprendiz instalava tubos plásticos nos sulcos abertos das paredes. Verifiquei sem surpresa que o meu trabalho era mais lento que o dos meus colegas, e o encarregado criticou-me. Fui observar como eles trabalhavam, especialmente o tal que diziam ser o mais rápido de todos. Alarmado, vi que não era trabalho bem feito, porque os tubos eram colocados de qualquer maneira, com curvas muito apertadas onde depois os fios passariam com dificuldade. E as uniões colocadas nos tubos não respeitavam as regras eléctricas.
Ou eram muito largas, ou restos de tubo mais largo com folgas que permitiriam mais tarde a infiltração de humidade ou água, e dando origem a incêndios. O que era necessário era acabar o trabalho de qualquer maneira, e desleixei-me um pouco. Lembrei-me que os mestres que me ensinaram a profissão eram muito exigentes na perfeição, e aqui isso não tinha qualquer valor.



O patrão disse-me que era urgente estender um cabo numa residência no Campo Pequeno e que seria trabalho para pouco tempo. Deu-me a morada e no outro dia de manhã lá estava para efectuar o serviço. O cliente explicou-me o trabalho que deveria ser feito, mas não se tratava só de estender um cabo, era trabalho por toda a casa, e incluía uma revisão à instalação. Ia tomando nota dos materiais necessários, e o cliente alterava constantemente as suas preocupações, não sabia o que queria, e o tempo ia passando.
Aparece o patrão. Depois de um bom dia, pergunta-me se o trabalho já estava terminado. Queria-lhe responder, mas não consegui. Levei uma chuva de insultos, queria explicar mas ele não me deixava, e o tom de voz tornou-se insuportável, respondi-lhe simplesmente:
- Olhe vá à merda!!!
Peguei nas minhas ferramentas e desalentado fui-me sentar num dos bancos do Campo Pequeno. Acendi um cigarro e fiquei longo tempo a meditar como seria a minha vida a seguir, pois que o serviço militar aproximava-se e criminosamente já ninguém empregava trabalhadores nestas condições. A minha condição de desempregado como vítima de um naufrágio avistava-se.

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