Diário da cidade dos leilões de escravos
04 de Outubro
“Só queimamos
carros de luxo.”
Só pode ser isso: O saque é de tal
grandeza que até o limão desapareceu. Como habitualmente ninguém vêm a púbico explicar
o porquê do fenómeno, só podem ser os chineses que o carregam para a China. Ou
os portugueses que o sabotam para o exportarem para aqui, a exemplo do mais
vulgar colonialismo. Não me admira nada que um destes dias carreguem com o
Presidente para a China e no seu lugar deixem um chinês, ou um português. Pouco
falta, não é?
05
de Outubro
Os povos dizem que há mais locais em
Luanda onde queimaram mais viaturas.
Dois portugueses compraram cada um o seu
extintor de incêndios e entregaram-nos aos seguranças com a recomendação: «Se
eles incendiarem os nossos carros vão logo a correr apagar o fogo com estes
extintores.»
Quando as riquezas de um país estão
subjugadas por um escasso grupo de indivíduos nacionais e estrangeiros, que
para se manterem no poder proíbem a divulgação dos macabros acontecimentos do
dia-a-dia. E usam repressão violenta – até lhe chamam direito costumeiro –
contra quem se lhes oponha ou denuncie as suas actividades ilícitas em todos os
domínios, esse país vive permanentemente em tumultos, é muito desagradável para
investimentos porque vive na revolta latente.
06
de Outubro
Pelos vistos a coisa é assim: prontos,
já tenho dupla nacionalidade, em breve desembarco em Angola, a minha terra
inesquecível, a coisa que mais adoro. Ah! E esse povo tão maravilhoso, tão
fácil de dominar, de escravizar, enviamos-lhe uns contentores com comida para
se calarem… que povo mais burro, e lá já digo: Esta Luanda é toda minha!
Política e religião são corrupção.
De um mwangolé: as ruas estão cheias de
impulso. Impulso, é o nome popular que se dá aos saquinhos plásticos de uísque.
É também popularmente conhecido por: Bebeu, tossiu, morreu.
Um segurança compadeceu-se de um amigo
que não via há muitos anos, porque o amigo pediu-lhe para que ele lhe
conseguisse um emprego como segurança na empresa. O segurança assim fez. Pouco
depois o amigo e outros comparsas assaltaram a empresa e limparam-na. Vieram os
polícias e perguntaram-lhe pelo amigo que misteriosamente desapareceu. Afinal o
amigo era um grande bandido e o segurança não sabia. Foi preso e julgado
sumariamente com a exigência de que pague cinquenta mil dólares como
indemnização pelas coisas roubadas. Como ele não tem dinheiro, sentenciaram-no
outra vez sumariamente à prisão perpétua. E lá está a apodrecer na prisão.
Se isto não é incitamento à revolta e já
uma república de ciganos, então o que é? O português desembarcou pela primeira
vez em Luanda e foi para a empresa. Poucos dias depois despediu o chefe do
laboratório, um competentíssimo mwangolé que mais tarde o tuga confessou que o
despediu apenas porque não gostava da cara dele. Ora, isto é puro racismo!
Depois, claro, como mandam as regras da malvadez dos FDP no país sem lei,
mandou vir um português amigo ou familiar para o substituir que mal chegado proibiu
os técnicos mwangolés de trabalharem, enviou-os tipo para as galés, só
exercendo a actividade de carregadores como nos belos tempos coloniais. E uma
portuguesa também chegou, talvez esposa de um deles, que não faz nada mas
também é chefe. O propósito é bem claro: obrigá-los a fugirem da empresa para
que venham mais portugueses e assim sucessivamente em todas as empresas até os
tugas finalmente neocolonizarem esta merda. Mas, há sempre um mas, não é?
Quando o pessoal do MAPESS aparece eles fogem, escondem-se porque… estão
ilegais. Então isto é ou não incitação à revolta de consequências
catastróficas! Muito brevemente estaremos escravizados por uma república de
ciganos.
Os tugas são muito bafejados pela sorte,
pois mal pisam Luanda logo descobrem minas de ouro, de diamantes e novos poços
de petróleo. São os únicos, fantásticos!
07
de Outubro
Vivemos numa avalanche de dissabores, e
quanto mais nos prometem, mais ela se fortalece.
Vivam os quarenta anos dos balanços
sucessivos.
Da maneira que as coisas estão, é
perfeitamente natural que nos próximos dias nos deparemos com um anúncio assim:
grupo angolano fortemente implantado no mercado nacional, pretende recrutar: Presidente da República. Perfil do
candidato: OBRIGATÓRIO –
Nacionalidade Portuguesa.
Desabafo de um mwangolé: os portugueses
andam em carros de luxo e nós a trabalharmos para eles.
08
de Outubro
Mais uma da implantação da escravatura
em Angola. Nas empresas de segurança, quando um segurança falta um dia
descontam-lhe três mil kwanzas. Noutras empresas na falta de um dia de trabalho
são descontados ONZE MIL kwanzas. Há mais: e basta uma falta para lhe
congelarem o salário.
09
de Outubro
Estão a nos brincar. Obrigatório:
nacionalidade portuguesa. Do correspondente José Manuel, da Rádio Ecclesia em
Benguela. No Cubal, província de Benguela, os camponeses foram espoliados –
esta é definitivamente a república das espoliações - das suas terras para nelas
construírem projectos internacionais agro-industriais. Houve revolta,
violência, presume-se com tiroteio. Os camponeses lamentam-se que só lhes resta
esperar pela morte.
10
de Outubro
Já se vê com muita facilidade que os
chineses e os portugueses pretendem a todo o custo a nossa escravidão. Já dão
os últimos passos para a sua concretização. Dentro de poucos dias será a sua
legalização e a nossa ilegalização. É que os tipos aniquilam-nos com uma
facilidade extraordinária.
Não esquecer que em Angola, construir
uma fábrica de cerveja é um negócio da China porque a água é de borla, e como
cerveja é quase só água.
E a grande invasão de Angola continua
célere. E nós vamos para o desterro?
Depois de catorze dias sem falhas na
energia eléctrica – uma incrível proeza, pois é muito raro acontecer em Luanda
– hoje cegaram-nos com um corte das 21.54 até às 22.29 horas. Mais uma vez o
gerador do banco millennium Angola na rua rei Katyavala, despejou fumo de tal
ordem que pelas janelas não se via nada, fumo muito denso. Eles sabem que assim
matam pessoas, a missão deles é exterminar-nos, e - desculpem-me – não vejo nenhuma
diferença entre as mortes do Estado islâmico, EI, e as deste banco feitas pelos
portugueses da Teixeira Duarte, que prestam manutenção. Muito mal vai a
engenharia portuguesa, ou melhor, falsos engenheiros que nem trabalhar sabem,
pois quem faz merda desta, não é, não pode ser engenheiro, e ganha os tais
milhares de dólares e outras riquezas, que são a nossa pobreza. Morrer pelo
fumo ou pelo EI, qual é pois a diferença? Nenhuma, pois ambos são actos
terroristas. Luanda está terrivelmente uma cidade sem lei, governada pelo
terror e quando isso acontece nunca se sabe quem será a próxima vitima. Os
criminosos que aqui impõem a sua lei da morte também violentamente morrerão.
Uma vizinha das redondezas tem por
hábito caçar criança na rua. Assim que vê uma, carrega-a e leva-a para casa não
se preocupando em saber quem é o pai, a mãe ou outros familiares. Nesse modo de
vida apanhou uma menina na rua e carregou-a para casa para lhe fazer de
escrava, – o infeliz disso é que este costume está muito viciado nesta sociedade,
que só tem isso de nome, pois de sociedade já não tem nada – e assim a pobre
menina já com os seus sete, oito anos lá trabalhava, tomando conta de um filho
doente da raptora que não conseguia fazer as suas necessidades, e a menina
tinha que o limpar dos dejectos, e se não o fizesse apanhava pancada. Mas um
dia conseguiu fugir. O seu pai apareceu a pedir contas à malvada senhora
raptora. Ela refugiou-se alegando que a criança estava abandonada e que apenas
a recolheu em casa. Mas o pai – um paz de alma - ameaçou-a para que nunca mais
fizesse isso, e que se tivesse conhecimento de que a raptora voltasse ao mesmo
ignóbil caminho a denunciaria e acabaria com a sua vida para sempre. Os
vizinhos testemunham que ela anda muito sossegada, com medo, e quando vê alguma
criança na rua, olha-a com vontade de a raptar, mas parece que não tem coragem.
Imagem: autor desconhecido
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