Alguns comerciantes acumularam moeda estrangeira
em tempos de ‘vacas gordas’ e agora aproveitam a situação para ganhar dinheiro
SIMON DAWSON / GETTY IMAGES
Chineses, libaneses, malianos e senegaleses
fazem, todos os dias, nas ruas de Angola, transações de milhões de dólares
EXPRESSO
Depois dos bancos americanos terem fechado a
torneira, a ‘mina’ de dólares em dinheiro fresco secou e a economia angolana
padece, agora, de uma inesperada ‘gripe’, sem fim à vista, a curto prazo.
O mercado paralelo continua, entretanto, a
driblar a crise e os seus agentes esfregam as mãos de contentes, arrecadando
lucros astronómicos com a venda, a preços especulativos, da moeda
norte-americana.
Cada vez mais asfixiado com a brusca queda do
preço do barril de petróleo, o Banco Nacional de Angola (BNA) foi obrigado a
reduzir, na primeira semana deste mês, para 66% a injeção de divisas nos bancos
comerciais.
E se, à cautela, o governo preferiu não
arriscar, na proposta de orçamento para 2016 a previsão da taxa de câmbio
continua a subir o número de bancos internacionais que decidiu congelar a sua
condição de correspondentes dos bancos angolanos.
E sem dólares para garantir a importação de
matérias-primas, algumas empresas como a Refriango e a Cuca foram obrigadas a
encerrar diversas linhas de produção mas outras como a EKA, segundo fonte do
Ministério da Indústria, podem mesmo vir a encerrar.
Para contornar esta situação, o presidente do
banco BIC, Fernando Teles, defende que “Angola deveria importar mais euros,
rands sul-africanos e até dólares namibianos”.
Indo mais longe, o economista Victor Hugo acha
que “mesmo que venha a ocorrer alguns constrangimentos numa primeira fase”, o
recurso “à moeda chinesa poderá ser também uma saída”.
Depois da experiência com a Namíbia, alguns
observadores levantam reservas à fiabilidade do acordo que vier a ser assinado
com a China.
Os namibianos decidiram recusar receber mais
kwanzas e exigem, agora, que Angola transfira dólares para as suas contas
contra a acumulação, nos seus cofres, de enormes quantidades de moeda angolana,
que “não sabem o que fazer deles”.
“O acordo monetário firmado, neste domínio,
entre os dois países, fracassou redondamente”, reconheceu uma fonte do BNA.
A crise de tesouraria agora atinge também os
kwanzas e há ministérios que não pagam os ordenados dos funcionários há dois
meses. Em muitas cidades do país, em diversos bancos, os angolanos deixaram de
poder levantar dinheiro através do sistema multibanco como resultado do
entesouramento levado a cabo pela máfia chinesa.
Mas, no meio desta tempestade, em contraste com
a redução da oferta dos bancos comerciais, assiste-se a uma continuada e
triunfal presença de dólares no incontrolável mercado paralelo.
DONDE VIERAM OS DÓLARES?
Afinal, de onde vem o poder deste mercado para
ditar as regras de jogo em torno da moeda norte-americana? Com o mercado
empanturrado de dólares em tempos de vacas gordas, chineses e libaneses
aproveitaram a bonança para recusar pagamentos por ordem de transferência
bancária ou por via de cartões eletrónicos.
“Só aceitavam dinheiro vivo em kwanzas ou
dólares”, revelou aoExpresso o empresário de construção civil, Fernando
Cardoso.
Com os armazéns abarrotados de kwanzas, chineses
e libaneses facilmente compravam dólares a preços duas vezes e meia inferior ao
que se pratica hoje no mercado. Dólares que, por portas e travessas, eram retirados,
de forma ilícita, de alguns bancos por alguns dos seus funcionários para serem
canalizadas para as casas de câmbio ou diretamente para a candonga.
E os garimpeiros de diamantes provenientes da
África central e oeste não deixavam também de acumular somas significativas de
dólares, que lhes permitem hoje controlar, na rua, o mercado cambial.
Remessas não controladas de dinheiro passaram
igualmente a ser enviadas, de forma ilegal, para a China, a partir do aeroporto
4 de Fevereiro. “O porto de Luanda, através dos navios que traziam mercadoria
diversa, era também outro corredor por onde vazavam as divisas”, disse uma
fonte da capitania do porto.
Hoje, em tempo de penúria, a par dos chineses e
libaneses, quem manda no mercado cambial informal são também os comerciantes
malianos e senegaleses, que montaram o seu “banco de dólares” a céu aberto, no
bairro do Cassenda.
“Aqui são feitas, em poucas horas, diversas transações que, de uma assentada, atingem o milhão de dólares e, o que é estranho, é que a polícia sabe disso mas não intervém...”, revelou ao Expresso Victor Moreira, morador naquele bairro.
“Aqui são feitas, em poucas horas, diversas transações que, de uma assentada, atingem o milhão de dólares e, o que é estranho, é que a polícia sabe disso mas não intervém...”, revelou ao Expresso Victor Moreira, morador naquele bairro.
Noutro extremo, os angolanos com necessidades de
adquirir mercadoria na China, adiantam os kwanzas em Luanda aos chineses e
estes, sem qualquer interferência bancária, disponibilizam a moeda chinesa no
seu país...
“Nesta senda, estamos a ser todos cúmplices da
vergonhosa transformação de Angola numa gigantesca ‘lavandaria’ de dinheiro” —
disse o economista Jeremias Silvestre.
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