Caminhando para o triste fim do continente da
fome. Há cerca de duas semanas a lata de atum de 185 gramas estava a duzentos kwanzas,
parecia que se manteria nesse preço. Poucos dias depois subiu para duzentos e cinquenta
kwanzas, também durante alguns dias parecendo que nesse preço assim ficaria.
Mas, ó espanto, há quatro dias numa cantina já estava a trezentos e noutra bem
próxima a trezentos e cinquenta kwanzas. No dia anterior o montinho de carapau
estava a mil kwanzas, hoje já custa dois mil. Esta da alface creio que é o
máximo, aconteceu no minimercado Pomobel na rua rei Katyavala. Habitualmente
ficava pelos trezentos kwanzas, hoje passou para setecentos. Um vulgar chouriço
que antes, pode-se dizer, tinha um valor “irrisório” hoje também no mesmo
minimercado ficou pelos setecentos kwanzas.
Nota-se claramente que não há a mínima
preocupação em salvar a população, e sem ela não há nação. Ganhámos foros de
dizimação.
Num país que julga presos políticos, no mercado
do Quicolo, no Cacuaco, arredores de Luanda, é hábito os polícias logo de manhã
bem cedo mandarem parar os carros que circulam nessa área e cobrarem aos
condutores cem kwanzas, como se fosse uma espécie de taxa. E assim a justiça está
a aterrar para jamais voo levantar.
O cavaleiro Luaty continuava, o seu protesto
lavrava a quem o encarcerava. Mas daí não obtinha nenhuma mais-valia porque a
justiça estava uma razia. Nas mãos do Grande Inquisidor jazia. De facto e de
jure a nação estava em agonia. Como resposta aos protestos de inocência que
toda a gente via, inclusive a grande movimentação internacional de condenação,
só a justiça se mantinha no seu rumo inalterável fora-da-lei. Um carcereiro
chegou na cela do cavaleiro e disse-lhe que o seu pedido foi bem considerado
pelo director da prisão que o agraciou com a sua clemência, como mandam os
ditames da justiça. E mostrou-lhe um comunicado vindo do gabinete do Grande
Inquisidor, pois que sem ele nada é possível, até para fazer filhos é
necessária uma sua autorização especial, uma vez que, convém recordar, foi
eleito pela Igreja e pelas igrejas e demais organismos e países guardiães da corrupção
internacional. A propósito disto, já se conjecturava o grande prémio internacional
da corrupção a Angola pelos seus valiosos contributos e incentivos neste
domínio, que diga-se de passagem não existe em mais nenhuma parte do mundo. E o
carcereiro leu o comunicado:
Gabinete do Grande Inquisidor para os assuntos
dos golpes de Estado.
Comunicado
Convindo aclarar e legalizar a situação do golpista
cavaleiro Luaty, este gabinete reunido especialmente para esse efeito,
deliberou conforme a lei em vigor e de acordo com a sua mãe Constituição, e
mais juízes do gabinete na sombra deliberaram o seguinte: Único: o cavaleiro
Luaty viu a sua pena comutada e substituída para a prisão solitária onde nela permanecerá
por tempo indefinido. Convém notar que este acórdão será objecto de mais
severidade se o réu assim o merecer, isto é, se o entender.
O gabinete do Grande Inquisidor
Como sempre não havia nenhuma assinatura, não vá
o diabo tecê-las.
“Angola é um país maravilhoso.” É sim senhor, as
sanguessugas que o digam, mas para presos políticos não.
“José Emanuel. Boa tarde, recebi uma oferta para
trabalhar em Angola numa escola básica. Quais as condições para aceitar?
Agradeço a vossa ajuda.
Liliana Santos. Com apenas uma viagem a Portugal
e com visto ordinário, deve ponderar bem se quer embarcar nessa aventura... Mas
também é verdade que se estiver desempregado e sem perspectivas de outras
oportunidades, 3 meses de experiência (validade do visto ordinário) não matam
ninguém. E eu continuo a dizer que Angola é um país maravilhoso, à parte de
todas as dificuldades actuais!
Filipa Almeida. Procuramos Candidatas
Portuguesas que estejam em Luanda, educadoras de infância/ professoras para
trabalhar como nanny interna. Temos vários pedidos de famílias locais. Salário
3000€ pagos em euros. Enviar cv para: nannyportugal@nannyportugal.com
Maria Luisa Figueira Figueira. E professores portugueses a residir em Portugal?
Maria Luisa Figueira Figueira. E professores portugueses a residir em Portugal?
Nuno Ferreira Mendes. Também podem vir... É
comprar o bilhete, alugar casa... e já estão a residir em Angola.”
Entretanto a gigantesca lavandaria de dinheiro
lavava os dólares que desapareciam misteriosamente dos bancos, que juravam a
pés juntos que não os tinham, dólares do banco central não recebiam. Claro que
não, porque no banco ao ar livre do bairro Cassenda em Luanda, próximo do
aeroporto internacional 4 de Fevereiro, lá estavam eles… em poucas horas aos milhões
capitaneados por chineses, senegaleses, malianos e libaneses.
Na solitária, o cavaleiro Luaty conseguiu
arranjar amizade com um rato. Tentou com algumas baratas mas desistiu porque as
sacanas lhe sugavam o corpo nas partes mais húmidas. Assim quando recebia a sua
comida confeccionada não se sabe onde e por quem, sempre sob a suspeita de
envenenamento praticado sob a forma de morte lenta, o nosso lutador da
liberdade e democracia a sua vida a encurtar via, porque a comida que os seus familiares
traziam não era autorizada sob a alegação de que poderia conter alguma arma escondida.
Amigos ou quaisquer outras pessoas também estavam superiormente não
autorizadas, consideradas como persona non grata, ou personae non gratae.
A TGI, Televisão do Grande Inquisidor, insistia
que vivíamos no paraíso porque amiúde passava imagens de sonho, de extraordinária
beleza, de rostos de crianças e adultos nos mais diversos domínios da vida
diária onde se mostrava um povo que vivia na extrema felicidade. Aquilo era mesmo
o paraíso bíblico, não se via o mínimo sinal de miséria, de fome. Parecia que
as pessoas eram todas abastadas, nadavam na riqueza. Mas quando se olhava para
fora do ecrã arrepios percorriam as nossas almas, ao ver nas costas das mães
que como que vagueavam nas ruas com criancinhas carregadas expostas ao calor
infernal e à chuva que incessantemente caía como um castigo divino anunciando a
vinda do Senhor, conforme acreditado e jurado pelos crentes da Igreja e das
igrejas, na actual quase vã tentativa de vender alguma coisa, porque conseguir
ganhar cem kwanzas era um milagre. Pareciam almas condenadas à morte por qualquer
punição inventada a exemplo dos presos políticos. A fome campeava por todo o
lado e a cada dia mais se agravava, e muito longe estava quem a poderia solucionar.
Nos muitos palácios onde a classe dirigente residia apenas se discutia e se
autorizava a política partidária, fazendo finca-pé dessa actividade o slogan: o
mais importante é destruir o povo.
O CAOS, corruptos angolanos organizados em
sociedades, puseram-se em todos os seus campos, especialmente na imprensa
televisiva, falada e escrita. Era um lamiré daqueles, o CAOS ordenou a criação
de subcomités para mais facilmente atacar os presos políticos, os partidos
políticos da oposição e demais opositores e críticos especialmente aqueles que
não eram do seu agrado. Que os presos políticos eram os culpados pelas chuvas
diluvianas que faziam desaparecer o que restava da antes considerada cidade mais
bela de África. Que também eram os culpados da fome e da miséria. E que os actuais
e baixíssimos preços dos crudes petrolíferos que originaram a devastadora crise
económica que faz com que Angola desapareça a exemplo dos demais países
africanos, também aos presos políticos lhes é atribuído, porque eles receberam
vastas somas de dólares para desestabilizarem Angola, o seu governo e o mais
grave, o seu presidente. Contas feitas, os presos políticos são bodes
expiatórios de dezenas de anos do fingir que se governa, a disseminação da
miséria e da fome vigentes que arrasará – já arrasa – de vez a nação angolana.
E eis que surge junto a um dos portões
fortificados da cidade sitiada por estrangeiros e pela nomenclatura, a mana
Laurinda.
Imagem: Imagem: Setenta anos da Coreia Do Norte.
ELPAIS
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