RCE - República dos Comités de
Especialidade, algures no Golfo da Guiné.
Os presos
políticos são as flores que embelezam esta nação sem jardins botânicos.
Quem não for de um comité de especialidade é
como se não tivesse bilhete de identidade.
O inferno da crise enviou para o desemprego mais
de cinco mil trabalhadores da construção civil que se juntarão à Grande Marcha
da Fome. Mas muitos mais verão um recibo em branco no final de cada mês porque
também serão despedidos. Será a edificação da nova pátria dos desempregados,
onde não existirá mais divisão de classes, a tão esperada vitória final do
socialismo científico e da criação do homem novo e do partido sem trabalho.
Uma curiosidade: a palavra mais pronunciada
pelos mwangolés continua a ser: vou-te bater!
“Rasguem a Constituição e digam que estamos num
Estado autoritário.” Advogado, Francisco Viana, depois da repressão policial
sobre os manifestantes a favor dos presos políticos em Benguela, e que depois
foram levados para parte incerta.
Mais um prémio para a cidade de Luanda. Foi
considerada a cidade mais suja de África, por enquanto ficou em terceiro lugar,
mas muito em breve conquistará o primeiro lugar devido à persistência que a
caracteriza. Para nós o lixo é impressionante, para a governação extremamente
desorientada isso é a normalidade da vida dela. Só tem dinheiro para as
luxuosas actividades palacianas e para reprimir manifestações pacíficas e
encher as prisões de presos políticos. Dinheiro para a recolha do lixo não há…
não o há para nada, só para despesas supérfluas. De repente a minha mente
diz-me que isto é impossível acontecer em 2016, e transporta-me de imediato
para a Idade Média. Sim, este é o verdadeiro ambiente em que nos encontramos, e
dele ainda não se sabe quando sairemos.
De uma vizinha: «Cuidado… quem se mete com o
PRVP-Partido Revolucionário da Vanguarda do Petróleo, hum! hum, ele mata. Muito
cuidado, não se metam com ele.»
Os sinais são bem evidentes porque prenunciam o
que em breve vai acontecer, um medonho TERROR. Conforme a Rádio Despertar, no
Cacuaco, arredores de Luanda, os fiscais arrastaram pelo chão uma zungueira com
a sua criança de oito meses às costas. Os carros pararam e devido a isso o
trânsito ficou engarrafado. Um cidadão abandonou o seu carro e foi em auxílio
das há muito abandonadas pela lei. Os fiscais sempre sob o reinado do terror ameaçaram-no:
“Não te metas, sai daqui!” Mas ele não saiu e disse que isso não são maneiras
de tratar uma mulher com uma criança às costas. Foi selvaticamente sovado com
porretada e depois chegaram os polícias que lhe pontapearam, algemaram-no e prenderam-no
como sempre sem acusação. Esteve na esquadra dez horas no cumprimento da lei do
Terror. Antes, um seu conhecido seguiu-o no seu carro atrás da viatura da polícia
que o levava. Chegado na esquadra perguntaram-lhe o que é que ele queria. Ele
respondeu que vinha saber o que se passava com o detido. Os polícias também lhe
surraram e como manda a lei do terror o abandonaram. Da zungueira e da criança
de oito meses ninguém soube mais nada. Talvez que estejam para aí abandonadas
num poço de petróleo também abandonado pelos preços que com tanta despesa injustificada
e custos elevados, – como se costuma dizer – isto já não dá parta o petróleo.
Mais terror: Pergunto-me porque é que nenhum
realizador internacional – nacional, isso é uma quimera - se preocupa em filmar
os terrores de Angola e de Luanda? O estado dentro de outro estado. Rafael
Marques de Morais disse em Lisboa que um general lhe telefonou para ele saber
que na maternidade Lucrécia Paim em Luanda, onde uma parturiente já em vias de
facto foi-lhe dito para aguardar lá fora porque ainda faltava muito tempo. Ela
assim fez e deu à luz debaixo de uma ambulância, o nascituro - pobre coitadinho
vítima das crianças afogadas na RCE - bateu com a cabeça no chão e morreu.
A Grande Marcha da Fome avança imparável,
incurável, impulsionada, orquestrada pelo nosso Grande Obreiro, o poderoso
Arquitecto de tudo. A Grande Marcha da Fome abisma a Nação, porque a péssima
política económica conduz o país para o abismo. As suas populações continuam
com o estatuto de presos políticos. Povo esfomeado é acusado de tentativa de
golpe de estado. Esfomeados desta Nação! Façam boa viagem e saúdem a corrupção!
Estes que vos governam regozijam-se, apressam a vossa, a nossa morte. Que se
calem as vozes dos cobardes e dos hipócritas que fingem defender o povo, pois
será deles o inferno no céu e nesta terra.
E o Rei do Petróleo estava contentíssimo porque
mais uma das suas ideias prevaleceu. Convém salientar que qualquer ideia sua
mesmo antes de a divulgar já tinha o apoio incontestado do seu partido – sim o
partido era só dele – e logo vinham as palavras de ordem: Viva ele! Ó Rei do
Petróleo, tu és o máximo! Ó garante da paz e reconciliação nacional! Ó senhor
dos nossos exércitos! Ó grande democrata! Ó responsável pelo bem-estar das
nossas famílias e dos nossos filhos, das nossas crianças que graças a ti,
leite, pão, comida nunca lhes faltarão! Este paraíso foste tu que o
construíste! Sim, ele tem muita razão e quem o contrariar merece prisão como
preso político sem acusação! Nesta terra de cegos só ele tem a visão de um
grande líder. Só ele é que vê, só ele sabe tudo. E logo só ele está em
condições de resolver tudo. Os outros, aqueles que nele não acreditam, são
presos e enviados como cobaias para laboratórios para que os nossos
avançadíssimos cientistas neles estudem e possam desvendar os segredos da vida
e assim contribuírem com os seus cadáveres para o bem da ciência. A RCE
está-lhes infinitamente grata.
Libertar é os vossos corpos entregar para a
nossa ciência estudar.
Onde há ditadura há presos políticos, pois sem
isso ela não existe. E quantos mais presos políticos inventar, mais cresce o
movimento do revoltar. E onde não há dinheiro a revolta está sempre primeiro.
Onde há muita miséria e fome por trás há sempre
uma feroz ditadura.
E os comités de especialidade provinciais
esmeraram-se como sempre em mais uma solicitude do altíssimo líder Rei do
Petróleo. Logo, logo fizeram baixar, isto é, ordenar, a todas as instituições
públicas e privadas que quem não acatasse mais este desejo do grande entre os
grandes, o Rei do Petróleo, seria sancionado de acordo com as normas
estatutárias do partido sempre em tudo vencedor. Sim, dos fortes não reza a
história, porque a história relata os factos sempre verídicos dos fracos contra
os fortes, e como os fracos são sempre os vencedores, claro que os fortes são
sempre os perdedores.
Em toda a RCE era um mar de gente nunca visto,
nunca na sua história se conseguiu reunir tão volumoso exército para a
consolidação da Marcha da Grande Fome. Claro que o Rei do Petróleo não estava
presente, mas estava sempre omnipresente devido aos seus inúmeros negócios de
estado, isto é, os seus incontáveis interesses empresariais que iam desde o jindungo
até ao petróleo. A RCE era um vasto império empresarial, e o Rei do Petróleo dirigia-o
com mão de ferro. Ele considerava que a RCE era uma gigantesca empresa e como
tal as populações eram seus empregados, fiéis servidores E mandou aprovar uma
lei geral do trabalho que obrigava os trabalhadores a trabalharem doze horas e
a serem sumariamente despedidos… com um vencimento mínimo nacional de quinze
mil kwanzas. Era uma lei da consolidação da escravidão. Também, num Estado escravocrata
nada havia a esperar. Quer dizer, o patrão acorda mal disposto e despede sumariamente
o empregado. Ou pede a uma empregada para foder com ele, e como ela está nem
aí, ele também a despede.
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