segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Cavaleiro do Reino Petrolífero (22) Então começa a moda dos congressos. Agora é a vez do Congresso dos Alcoólicos Petrolíferos.


«Uma vez mais, como frente à globalização de uma parte da economia não se desenvolveram as correspondentes capacidades mundiais de política econômica, setores inteiros da economia de um país podem ficar inviabilizados por produtos importados incomparavelmente mais baratos, ou a poupança arduamente acumulada de uma sociedade pode evaporar sob o impacto de algumas iniciativas de especulação financeira. É importante lembrar que o processo caótico de globalização que sofremos gera regras únicas para realidades desiguais, confrontando economias onde se trabalha 12 horas por 20 centavos a hora, com outras onde se trabalha 7 horas com remuneração de 20 dólares por hora, para mencionar só este fator.» In o que acontece com o trabalho? Ladislau Dowbor dowbor.org/

Armazéns, estabelecimentos, lojas, o que resta de fábricas, sofrem uma grande pilhagem. O pretexto era sempre o mesmo:
- Alimentos impróprios para consumo, ou bens com defeitos de fabrico.
A vida no reino pára. Não há comida, não há nada. Roubam camiões, carregam-nos e dirigem-se para a Namíbia. A fila é imensa. Conseguem passar nas calmas. É tarde quando Epok ordena prender os chefes. Estes já estão bem escondidos nos paraísos fiscais a gozarem os rendimentos na companhia de mulheres de ocasião. Nem o dinheiro disponibilizado para os gastos do Exército Real Anti-corrupção escapou. Foi o maior roubo da história do reino. (Foi isto que originou os nossos novos-ricos)

Capítulo XIX
Os congressos

Em Jingola, o que um faz os outros copiam. Então, começa a moda dos congressos. Agora é a vez do Congresso dos Alcoólicos Petrolíferos.
Epok gostava de beber o seu copito. De vez em quando embebedava-se, mas disfarçava muito bem. Dizia que estava com paludismo, que lhe doíam as costas, que lhe doía a cabeça, que não sabia o que tinha, ou que desconfiava que tinha sido enfeitiçado. Declinou o convite que lhe apresentaram com a desculpa que tinha deixado de beber.
Agora que a moda pegou, e no reino imitam tudo o que vêem, surgirão congressos por todo o lado. Como as lanchonetes e as cantinas.
Patrocinadores sobravam. Eram todos do reino português. Não patrocinavam comida, só bebida. Era obrigatório levar bebidas de todas as marcas para dar um ambiente salutar, acolhedor e turístico... que revelasse o nosso folclore e a nossa identidade cultural actuais. As crianças, futuras continuadoras da grande revolução alcoólica, incentivavam-nas a beberem com à-vontade. Pelo menos seis ambulâncias aguardavam impacientes com os motores prontos à espera dos motoristas que os acelerassem. Como era festa nacional a população foi convidada a participar. No exterior colocaram-se torneiras. Quem quisesse beber o seu copo bastava aproximar-se. Havia um grande cartaz: AMIGO DO COPO É NOSSO AMIGO. Outro dizia:
EM CASA DO BÊBADO HÁ: COMIDA. FELICIDADE. SAÚDE. RIQUEZA
O Grande Destilador enfrenta os convidados, atira-lhes o seu discurso:
Como resolver problemas no lar?
Beber uma caixa de cerveja, chegar em casa e dar uma grande surra na esposa e nos filhos.
Como perder amizades?
Beber muito todos os dias.
Como perder o medo de falar com o chefe?
Beber uma garrafa de uísque. Virá uma coragem que nunca mais acaba.
Exigimos subvenções para bebermos. As bebidas estão muito caras. É por isso que nunca temos dinheiro.
Quando algum trabalhador aparecer no local de trabalho bêbado, será tratado como herói do trabalho.
Quem conseguir beber três dias e três noites sem parar, terá direito a enterro no Panteão Real.
Existem poucos locais de venda, queremos mais. Isto é o caminho de Deus. Bebam sempre. Andem, tendo por companhia uma garrafa. Droguem-se à vontade. Comprem armas que disparem bebida. Suicidem-se quando quiserem.
O congresso durou apenas três horas porque ninguém aguentou mais. O álcool encerrou os trabalhos. As latas, garrafas e garrafões vazios eram de tal monta que parecia uma grande maré, um maremoto vindo do sem mar.
Epok preparou-se, rejubilou com o aniversário do rei.
Para os festejos são criadas dezassete comissões organizadoras nos vice-reinos. No reino são às centenas.
Todos os funcionários do reino e das empresas reais aguentarão dois meses, ou mais, de atraso nos seus vencimentos para que nada falte. Suspender-se-ão as obras em curso, incluindo as mais prioritárias. Desviar-se-ão as suas verbas para o grande acontecimento. Afinal é apenas uma vez por ano. Obrigar-se-ão todos a participarem. Organizar-se-ão grandiosos torneios com os melhores cavaleiros do mundo. Uma semana de maratonas para que os esfomeados e alcoólicos se lembrem do seu rei. As comissões organizadoras ficam dispensadas da apresentação de contas.
O nobre Epok recebe um convite da empresa, Única Carga Real, para uma visita. Não tem nada de extraordinário porque tudo foi montado pelo reino sueco. Foi chegar, sentar e trabalhar. O nobre marquês, dirigente máximo recebe-o. Entra no departamento das finanças e pára, sente-se incomodado. As portas, os computadores, a alcatifa muito peluda… é tudo de cor negra. Os trabalhadores também são negros. Como se não bastasse, o chefe usa óculos muito escuros. Tem no seu gabinete um quadro grande com uma fotografia em que aparece a mexer num teclado de computador negro. Epok pede esclarecimentos:
- Isto é humor negro?!
- O carro do chefe também é negro.
- A alcatifa muito peluda provoca electricidade estática!
- Até agora ninguém sentiu nada.
- Só faltam flores negras.
- Andam à procura delas.
- Nobre marquês máximo… porquê?!
- É por causa do feitiço.

Capítulo XX
Diário do Reino

No vice-reino do Namibe, provenientes de um navio que encalhou, oito toneladas de açúcar impróprio para consumo são despejadas algures no deserto. Milhares de esfomeados correm na sua direcção como se fosse uma mina de oiro. Alguém alerta uma jovem:
- Esse açúcar está contaminado, não sabes que podes morrer?!
- Nós temos muita fome, comemos tudo o que aparece.
- Não tens medo de morrer?!
- Vamos comer, se não morrermos é porque não faz mal.
- Quantos sacos já apanharam?
- Eu apanhei dois, a mamã quatro, a tia oito e o papá dez… né?!
- Hummm! Hummm!
- E o que é que vão fazer com o açúcar?
- Vamos vender e fazer bebida. Temos muita fome, muita fome!
Os engenheiros chineses avançam com as suas máquinas para a construção do novo aeroporto de Jingola. Protegidos por polícias e militares arrasam as lavras dos camponeses. Estes surpreendidos reclamam. Mas nada conseguem fazer perante tal aparato. Com generais e militares não parece um aeroporto civil, parece uma gigantesca unidade militar.
Mais oitenta e quatro jovens que se dedicavam ao roubo são capturados pela polícia. Um repórter pergunta-lhes:
- Mas roubam porquê?
- Porque não conseguimos trabalho. Como precisamos de comer, temos que roubar.
Uma empresa de diamantes não assume os compromissos com os seus trabalhadores. O jornalista interroga um deles:
- O que é que se passa com vocês?
- O director não nos paga há dois meses. Além disso nunca nos pagou os subsídios. Queremos falar com ele, em resposta diz que está à espera de visitas. Criámos uma comissão sindical. Como represália despediu dez. Agora vamos fazer uma greve geral
Estudantes cansados pela espera de seis meses para obterem o passe que lhes dá acesso ao transporte público, fazem vigília no pátio do Marquês dos Cofres Gerais. Estão cansados e fartos de serem aldrabados.
Quinhentas vítimas dos massacres da Baixa de Cassanje farão uma manifestação com início no largo do Quinaxixi às dez horas, até à embaixada do reino português para reclamarem as indemnizações. O Vice-rei da capital não autorizou.
Um general, nas traseiras de dois prédios montou ferros e colocou cortinas verdes para esconder o que lá se passa. Mas o que é que lá se passará?
Ocupou as traseiras de outro prédio, e construiu até ao terceiro andar um edifício. Mas quem é que manda no reino?! Quando chover e sem acesso à luz solar, como emparedados, os vizinhos sofrerão muito, e quando incendiar arderá à vontade porque fecharam os acessos.
Tentamos sobreviver como toda a gente. Vamos trabalhar e ninguém nos quer pagar. O reino está nas mãos de aventureiros que sugam tudo o que resta. Fazemos o nosso trabalho e ficamos eternamente à espera do pagamento.
disse à Lwena para vendermos a casa e fugirmos para outro reino, talvez o português, senão morreremos aqui à fome. Ela é teimosa, prefere vender cigarros, guloseimas e gasosas. Temos que pagar a conta da luz e ainda não conseguimos dinheiro. Vamos ficar às escuras. O pouco que consegue com as vendas que faz, não chega para nos alimentarmos convenientemente. 

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