terça-feira, 4 de setembro de 2012

Os Jasmins da Lwena (27) Da avidez e conivência de africanos que nos entregam aos estrangeiros como mão-de-obra escrava




Até hoje, o governo não é capaz de dizer onde está o dinheiro burlado aos cidadãos, nem é capaz de indicar onde estão os terrenos loteados. in David Mendes, presidente do PP, Partido Popular

A América redescoberta demandava escravos para a Europa. Caribenhos plantados nas plantações e mergulhados nas pérolas. Índios minados nas minas de ouro e prata até à exaustão da morte. Trocados, substituídos pela resistência africana, da magnanimidade colonial, original comércio português e espanhol. O lucro, o único aspecto atraente do desordenado humano competia. Ainda hoje não se fartaram os cofres da acumulação mundial, dos holandeses, suecos, dinamarqueses, alemães, franceses, e ingleses, fortificaram a África Ocidental. A fábula da minha escravidão lucrativa veio com a intolerante cooperação. Da avidez e conivência de africanos que nos entregam aos estrangeiros como mão-de-obra escrava, para pagar os luxos palacianos das suas guardas presidenciais e governos de fingir. Sempre mais em frente, sempre mais em frente, estava a cana-de-açúcar e as plantações de cravo-da-índia.
Desumanamente algemada, transportada nestes outros navios de maremotos tormentosos. Da torpe governação que suga tudo o que é dólares para eles, e para a população o abandono. Perante o silêncio e o cinismo da democracia ocidental, que enviam os seus bancos para nos dizimarem. Não sabem que promovem o terrorismo dos esfomeados mundiais e mais estes locais. E contudo o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão animam-se contra o assédio deste terrorismo bancário mundial.
Desprezam-me longe do luxo dos salões deles, em leilões, onde admiram, saboreiam, compram o meu ventre, os meus seios… e a exposição da minha nudez. Milhões de manos e manas lá foram sem direito a bilhete de passagem, e tantos e tantas não passaram na Passagem.
Os comerciantes perante a pressão da abolição da carne para abutres e tubarões, defendem que isto afecta o seu sustento e o das suas famílias.
Fiquei muito preocupada com 1880 a 1914. Obrigaram-me a assinar tratados de protecção com metralhadoras na mão. Não havia nada que não estivesse anexado. Os brancos eram bem recebidos, retribuíam-nos com a sua poderosa metralha.
Saltei da manhã e o dia viu-me, terminou muito rápido. Durmo apenas para esquecer, ludibriar a fome que me assola. Quero que as noites acabem depressa para conseguir viver mais um dia, de um sonho ultrajado sem final. Viver não é um sonho, é um pesadelo, uma curva sem final na vida brutal. Não posso vender o assobio do vento, fico como que parada, indecisa, quase como uma estatueta de marfim.
Somos multidões de estátuas estáticas sem infinito, sem percepção do longínquo futuro, da pensativa tristeza do pesadelo que me não abandona. De manhã desperto e outro flagelo me espera: o martírio do dia-a-dia das baionetas. Três condições definem o ser humano: Em pé, sentado, e deitado no eterno.
Ajudei os Zulus. Derrotámos os ingleses e os africânderes. Depois fomos vencidos, humilhados, devido aos trovões, às tempestades das armas poderosas. Não é o armamento que ganha uma batalha, é o engenho humano.
Era feliz antes deles chegarem. Estava no paraíso, não me preocupava nada com a comida. Havia-a aos pontapés: mangas, bananas, abacaxis, lagostas, gambas, muita peixaria, muita frutaria.
Encostaram-me à parede da discriminação racial. Colaram-me um papel que me identificava: negra sem paraíso na terra perdida, apenas obtendo o direito autoral de ficar calada. Os missionários enfrentavam o secular silêncio da bondade divina. Do pouco fazer, da negação animal irracional.
Existo invisível, sem estatísticas, sou um zero negativo.
O alvoroço dos novos-ricos na caça cobreada, sem pausa, não deixa que descansemos, de revolver o intacto. Nem sobras, nem quebras, nem protestos. Que somos abençoados com notável cheiro em polvorosa. Dai aos novos senhores, o que é deles. A submissão dos iletrados é pertença dos escravos.
Danço e não encontro o centro do meu Universo. Milénios são passados no meu rosto, do crispar, do ranger de dentes do rosnar eterno. Normalmente tenho a pretensão de dizer tudo ao silêncio imposto de todos os dias. Que nascem e escondem a minha máscara eleita do meu coração sem deleite. E muito rapidamente vejo-o destroçado, o meu país, Angola.
As estradas e os comboios são a nossa distracção. Alimentam muitas cargas e poucas descargas. Conjuntos de metal que circulam carregados até ao mar. Petróleo, cobre, zinco, ouro, urânio, diamantes… muitos metais raros. Depois exportam-nos, aviam-nos. Permitem-nos observar essas mercadorias -fotografá-las não porque o deus marxista-leninista está sempre presente – que impedem o nosso sustento. Depois os marxistas-leninistas abandonam-nos, oferecem-nos a abastança da fome negra. Angola, Etiópia, Libéria, Sudão, e muitos mais …
O desgosto económico, a corrupção, a arbitrariedade. Perdi as incontáveis vezes em que fui libertada por soldados-ditadores.
Para onde irei, não sei, roubaram-me o casebre e as orquídeas dos jardins. Sem perfume, com azedume, para onde irei não sei, já disse! Lembrem-se de mim, ando por aí à procura dalgum governante honesto. Digam-lhe que nunca mais acaba o meu tormento. Grito no mais profundo virgem florestal: digam, procurem o nosso Deus ancestral. Se o encontrarem nos círculos sagrados, quando ousarem ir ao profundo da floresta sagrada, lembrem-se de mim, não receiem, lá estarei. Tragam-me um navio sem escravos, sem presentes e sem presidentes eternos.
Tento recompor os destroços perdidos dos barcos que encalham nos meus olhos, passeando, sulcando o oceano das minhas lágrimas. Sempre na procura mais longa que prometi voltar e lembrar dos vinte da praia de Jamestown. Mendigo na rua nua sem espelho para me mirar. Digam-me para voltar a lutar e rematar, e matar. Perdi-lhes a vontade, já não os amo, odeio-os, porque o meu petróleo e diamantes estiveram, já aqui não restam, estão muito além do mar. Vejam o que me fizeram e não retiveram: os sons que agora oiço dos pés nus e mãos estendidas. O meu nome está à venda, esse sentimento perdido como uma pequena janela, que nem isso já tenho. E o meu nome era o futuro… depois do ano 2000. O meu futuro, o meu relógio parou, já não se usa nos programas rodados sem computador. Nem comecei, parei, à espera da hora, demora falar. Perdi a escalada do véu que me conduz ao céu. Estamos juntos, tão próximos e contudo tão distantes, como lágrimas de crianças órfãs. Como tudo o que é belo e sempre efémero.
Governar é fácil, perguntem aos abutres. Quando dois homens não se entendem, o dinheiro está errado, disse Voltaire. Tenho que apressar-me, vou revolver o lixo da esperança, sem ela, de encontrar o que resta do meu nome. Sento-me, sinto-me cansada.
Tudo o que for construído, destruído será no cinismo da nossa hipocrisia angolana, onde diariamente tudo se agrava, cai aos pedaços, sem terramotos. Os vulcões desumanos ardem angolanos. Tudo se agrava, cai dia após outro dia. Sem escolas, sem ensino adequado, o meu cérebro está atrofiado. É por isso que dizem «É o Continente atrasado» A História humana é a história dos punhais. Se os nossos estádios de futebol lavrassem terra teríamos abundância de comida. Adeptos do futebol, escravatura moderna.
Não consigo afirmar-me à espera do profeta. As lágrimas saltam no meu rosto quando penso. Os animais agitam-se enquanto Deus estende as suas mãos, a um amor desconhecido sentado na margem dos mil rios.
Vi a mãe entregar o seu bebé para fugir da fome. O mar tentando galgar montanhas inundando inumanos voltando aos princípios. Os seres humanos perdidos na selva de betão, acorrentados, armadilhados, felizes na bestialidade para sempre eterna. O bebé para sempre abandonado sorrindo para o mundo hostil. Vi muitos de nós para sempre complacentes, cúmplices na desgraça. Vi os silêncios de cada instante no nosso olhar de cada dia, como cães selvagens na fuga incerta para nenhum lugar. Tentei adormecer no desalento, no amanhã da mamã. Confirmar a aventura, continuar na desventura neste pão angolano sempre órfão. Um governo das maratonas e para as maratonas que insiste beber o álcool não original das nossas origens e dos nossos destinos. Insistimos nos negócios que o vento leva e na vocação das festas inatas para arder o tempo que nos sobra em demasia. A hipocrisia é a satisfação do dever cumprido. Semear injustiças é colher revoltas. Mesmo que o nosso governo faça alguma obra para algum angolano ver, nós acabaremos com ela. Se tivéssemos a bomba atómica seríamos alcunhados «o Continente do cinzeiro radioactivo.» Se a bebida fosse livros eu seria muito culta. Até nos concursos internacionais de bebidas alcoólicas somos discriminados, porque de antemão todos sabem que somos vencedores. E nesta batalha não há Waterloo.
Não fico exausta, mas constrangida de não correr pela areia das praias agora proibidas. Um instante muda muito, muita coisa.
As estátuas dos meus seios erectos, modelados como fruta afrodisíaca na avidez do espanto do prazer, na espera do alimentar a vida e voltar a endeusar-me, sem corrupção nem queda da actual governação, algo muito fácil. Sou uma deusa lendária amada, desejada por todos os deuses e perante a realidade destas coisas sem mundo. Ó embarcações da emigração clandestina! levai-me e que chegue viva às fronteiras trágico-marítimas da nova colonização. O prédio onde ainda consigo viver, restam alguns alicerces, ainda bem! Prefiro o capim seco da liberdade campal. Comprometo a minha queda angolana abismal. Ao assinar contratos de qualquer espécie nacionais ou internacionais… para quê!? Se depois ficam esquecidos, rasgados, abandonados nas lixeiras desproporcionadas, desgovernadas. É por isso que o meu povo é acérrimo defensor da delinquência. Quantas mais leis, mais desordens, melhor será não existir lei, porque a desordem está organizada e devidamente institucionalizada. Ai de mim se conseguir desenvolver a minha inteligência, ficar culta, lá me chegam os ancestrais sacramentos: «Vai lavar a loiça, a roupa e varrer o chão, depois cozinha funji com quiabos, jimboa e cacusso assado. Traz o jindungo regado com a bebida da nossa trovoada, tempestade tropical. Em seguida despertaremos a sombra do secular embondeiro.»
Lutámos, sofremos, vivemos, morremos sem dinheiro. Está com eles e esses das companhias petrolíferas. Se não existisse hoje, amanhã?!
Imagem: Aléxia Gamito

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