quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Empresário luso-angolano (19)





Subi, entrei, sentei-me, acendi um cigarro e comecei a escrever:
Ah! Esta civilização da maldade. Onde viver é uma grande mágoa. Caminhar nos dá tonturas. Esperando que uma bomba rebente. E acabe com os honestos que ainda restam. Não faz sentido impor sociedades que dependem de outras. Isto é apenas para manter a escravidão milenar, agora moderna, legalizada. Depois vamos para a guerra das estrelas. Sempre a guerra. Pouco mais sabemos fazer. Iremos, viajaremos em grandes naves espaciais que transportarão milhares de pessoas, para depois serem abatidas, diminuindo o número de inimigos, tal como na Terra. Depois não viveremos em paz no espaço. Teremos por companhia flores plásticas. Oh! Meu Deus! Fazei com que eles acabem com as fomes.

(Luanda. - O presidente da Assembleia Nacional de Angola, Fernando Piedade Dias dos Santos “Nandó”, expropria terreno de um cidadão particular no município de Viana. In Rádio Despertar
No bairro da Cuca, o engenheiro (?) que reparou a estrada, alteou-a de tal modo que a chuva invadiu as casas. In Justino Pinto de Andrade na Rádio Ecclesia.)

Deitei-me com pensamentos terríveis. Veio-me à memória um grande invento: Considero que o automóvel foi o invento mais estúpido que o ser humano inventou. Um pneu fura, ou a bateria deixa de funcionar, fica imobilizado. O mais grave é que na realidade as pessoas quando entram e se sentam, sem se darem conta estão num túmulo ambulante. A qualquer momento ficam sem a vida. O veículo não tem sequer um dispositivo anti-colisão. As velocidades aumentam. Na verdade trata-se de um meio legal de suicídio colectivo. Ganhar fortunas com as mortes dos seus ocupantes. A morte é paga antecipadamente.
Fui para o que restava da empresa de segurança. Oiço a voz do Heitor:
- Espere aí, espere aí.
Paro e aguardo que se aproxime.
- Olhe, o electricista já não incomoda mais o Vieira.
- Porquê?
- Foi-se… espatifou o carro, não se aproveita nada.
. Como é que foi isso?
- Deixou o outro conduzir e ele esqueceu-se de fazer a curva.
Uma semana depois Heitor relata-me uma grande desgraça:
- O Vieira e a Ava tiveram um acidente na Namíbia. Chocaram de frente com outro automóvel. Parece que ele tem algumas costelas partidas. A Ava é que ficou pior. A cabeça suportou o choque, não tinha cinto de segurança. Tem que fazer operação ao cérebro, não se sabe como vai ficar. Agora é que estamos fodidos.

CAPÍTULO VI
ANITA

Malcolm X leva-me a casa da irmã, a Anita. Sai rapidamente e deixa-nos sós. Ela vem com uma cerveja.
- Senta-te, bebe e fica à vontade como se estivesses na tua casa.
Queria dizer qualquer coisa mas ela não deixa:
- O meu irmão assaltou um banco e comprou-me este apartamento…
- Mas Anita…
- Quero lá saber. Para sobreviver neste país temos que roubar. Aliás toda a gente rouba, em todo o mundo todo o mundo rouba. O mundo transformou-se numa grande sociedade de gatunos de comissões. Eles só trabalham assim, quero dizer, o trabalho deles é uma comissão, só que nós exageramos. Não sabemos fazer mais nada. Vivemos disso, compreendes? É por isso que os organismos internacionais nos abandonam. Eles chegam aqui, estabelecem um plano de desenvolvimento, depois desistem porque nós queremos a comissão. Não resta outra hipótese, a África Negra estará para sempre entregue à sua sorte.
- Anita, receio que essa filosofia levará a humanidade à destruição, ao caos político, económico e social.
- Oh, nasci e cresci no caos social. O meu pai fez filhos com dez mulheres. Sou filha da segunda esposa. Até aos quinze anos vivi no Lubango a ouvir tiros, explosões e bombardeamentos aéreos. O meu pai quando a minha mãe lhe servia a comida muito quente, ou com pouco ou muito sal, atirava-lhe com o prato na cara. Batia-lhe constantemente por qualquer motivo fútil
Emudeceu a mostrar a tristeza do rosto, a lembrar-se do passado. Magra e alta com o cabelo desfrisado que acariciava o ligeiro top transparente que mostrava os pequenos seios. Um pequeno calção justo realçava a beleza das coxas morenas. A elegância do corpo cativava o olhar. Ela notou a minha introspecção sobre o seu corpo. Veio-lhe um sorriso e acrescentou:
- O meu pai fazia os filhos e depois corria com as mulheres, e nós que nos desenrascássemos. Gostava muito de mudar de mulher. Agora esta com quem está a viver não conseguiu, porque os irmãos dela lhe ameaçaram. Não quero vê-lo nem a essa mulher. Por causa dela tive que sair de casa. Ela tem planos para ficar com tudo, mas o meu pai por causa disso pôs duas sobrinhas lá em casa. Ela ficou muito aborrecida e despreza-as porque as considera um obstáculo. O meu pai está sempre a criar problemas ao vizinho porque, como não paga o consumo de electricidade os funcionários desligam o quadro eléctrico dele. Ele deu a morada do vizinho. Questões judiciais e outras… dá a morada do vizinho. O vizinho já escapou de ser preso e de levar um tiro.
- Anita… é de pasmar.
- Pois é. Ficas a saber que até cheguei a pôr um anúncio no jornal em que pretendia um estrangeiro branco, de preferência português para fins matrimoniais.
- Oh!
-- É verdade, não gosto de filhos negros.
- Oh!
- Anita, isso não é racismo?
- Acho que não, são gostos e estes não se discutem. Mas depois desisti, porque os que responderam ao anúncio notei de imediato que eram aventureiros. Queriam, era sentir a minha anatomia, comer-me… percebes?
- Claro.
- Pois, e da minha comida não provaram. Assim que começávamos a falar esticavam as mãos para me apalpar. Poças, que homens tão chatos.
- Querida Anita não me considero nesse rol. Digo com franqueza que és muito bonita.
- Obrigada, tu também és muito bonito. Estou convencida que capturei o branco ideal.
- Sou casado.
- Não me importa, desde que me prometas fidelidade.
- Está bem.
Encostou os lábios nos meus num interminável linguado. Parou, compôs o cabelo e disse apreensiva.
- O meu irmão é muito imprudente… anda para aí a falar com este e aquele que quer fazer um golpe de estado… ainda acaba mal.
- Depois tentarei falar com ele.
- Não vale a pena, não dá ouvidos a ninguém.
Vieira parecia recuperar do trauma. Perguntei-lhe:
- Estás melhor?
- Estou a recuperar mas ainda vai demorar algum tempo até à solidificação dos ossos. Tenho que fazer mais alguns exames. O chato é que de vez em quando me dá dores, especialmente quando faço algum esforço.
- E a Ava?
- Não sei bem, tem que fazer outra operação na cabeça. O choque que levou, foi muito violento… imagina sofrer todo o impacto da colisão na cabeça.
- Vieira, quem é que vai ocupar o apartamento dela?
- Ninguém, vai ficar como está.
- Vende-o!
- Ela não quer. É pá que se lixe. Aquilo também está a ficar uma merda.
- Porquê Vieira?
- Porquê?! Mas o que é que tu queres?! Estão a roubar tudo o que é condomínios. O filho de um ministro ocupou as traseiras de alguns prédios, fechou-as e agora os que lá vivem têm que pagar cento e cinquenta dólares por mês para terem acesso ao estacionamento. Caramba! Este povo é muito burro. Só sabem é revoltarem-se contra os brancos. É muito bem feito. Correram com os brancos, agora é entre eles. Mas o que é que tu queres?! Isto é deles, puta que os pariu.
- Vieira… e os meus pagamentos?
- Não te preocupes com isso, comigo estás seguro. Olha, à noitinha vamos fazer uma marosca a ver se conseguimos reunir documentação para sacarmos três milhões de dólares aos Caminhos de Luanda.
- Põe mais esta factura. – Dizia-me o Vieira enquanto eu digitava no computador.
Procurava por mais pastas de arquivo, foi a um armário metálico, retirou do seu bolso um molho de chaves, escolheu uma, abriu as portas e disse triunfal:
- Aqui estão elas, as outras facturas, claro que são falsas, mas vão servir muito bem. Só lamento que o novo director seja um negro muito burro. Ele quer muito mais que a comissão que lhe é devida. Depois falo com ele e chegaremos a um entendimento. O negro é fácil de dominar, fácil de corromper, basta acenar-lhe com uma boa maquia e já está.
- Vieira, assim se enriquece em Angola!

(Os bancos estão a falsificar as contas, e nós aí em Angola temos que ter cuidado com os bancos. In Mário Pinto de Andrade, ao telefone de Lisboa para a LAC – Luanda Antena Comercial)

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